Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12 Jan./Fev./Mar. 2013 5
O médico e a migrânea: conhecimento e
procedimentos ao acolhimento a pacientes em
um serviço de pronto-atendimento
The physician and migraine: knowledge and procedures on
an emergency care service
ARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLEARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLE
ARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLEARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLE
ARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLE
Anita Chávez Azevedo
1
, Caroline Salgado Petrin
1
, Laís Andrade Rezende
1
, Luisa Cássia Santos Michel
1
, Talita
Vieira Kfuri
1
, Sebastião Rogerio Gois Moreira
2
, Mauro Eduardo Jurno
3
1
Alunas da Faculdade de Medicina de Barbacena
2
Doutor em Psicologia, professor da Faculdade de Medicina de Barbacena
3
Doutor em Neurologia, professor da Faculdade de Medicina de Barbacena, professor externo da
Pós-graduação em Neurologia da Universidade Federal Fluminense, coordenador da
Residência de Clínicas Médica da FHEMIG/Barbacena
Azevedo AC, Petrin CS, Rezende LA, Michel LC, Kfuri TV, Góis Moreira SR, Jurno ME
O médico e a migrânea: conhecimento e procedimentos ao acolhimento a pacientes em um serviço de
pronto-atendimento. Headache Medicine. 2013;4(1):5-12
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
ObjetivoObjetivo
ObjetivoObjetivo
Objetivo: Este trabalho analisou o conhecimento de um grupo
de médicos em unidades de emergência, de uma cidade de
médio porte localizada em Minas Gerais, a respeito da migrâ-
nea/enxaqueca e de como foi o acolhimento realizado por
eles.
Método Método
Método Método
Método: Este trabalho de caráter qualitativo utilizou instru-
mentos como a Ficha de Identificação e Estratificação da Amos-
tra e o Roteiro de Entrevista Semiestruturada, tendo como base
os critérios de diagnóstico das cefaleias da Sociedade Interna-
cional de Cefaleia e as Recomendações da Sociedade Brasileira
de Cefaleia para o tratamento das crises de migrânea.
ResulResul
ResulResul
Resul
--
--
-
tadotado
tadotado
tado: Nas unidades de emergência desta cidade é frequente o
atendimento de pacientes com crise migranosa. De acordo
com os entrevistados, a maioria dos pacientes superestima sua
dor, porém, o mesmo não ocorre com os médicos, que dizem
subestimar a dor de seu paciente. Segundo os entrevistados há
uma relação de migrânea com distúrbios psicológicos e seus
pacientes necessitam de um atendimento especial, inclusive de
um ambiente adequado para atendimento. Nota-se também
que não há um critério estabelecido para a escolha de medi-
camentos assim como para realização de exames comple-
mentares e internação.
ConclusãoConclusão
ConclusãoConclusão
Conclusão: Diante do estudo realizado
nota-se uma deficiência no acolhimento do paciente migranoso
e no conhecimento dos médicos em relação a essa patologia.
PP
PP
P
alavrasalavras
alavrasalavras
alavras
--
--
-
chave: chave:
chave: chave:
chave: Médicos; Migrânea; Acolhimento; Atendi-
mento; Unidades de Emergência
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
ObjectiveObjective
ObjectiveObjective
Objective: This study analysed a group of emergency room
doctors from a mid-size Brazilian town knowlegde about
migraine and how they provide care for XXX acute migraine
patients.
MethodsMethods
MethodsMethods
Methods: This qualitative study used instruments
such as the Sample – Identification and Stratification Card
and the Semi-Structured Interview Roadmap, based on the
International Headache Society set of criteria for headache
diagnosis and the Brazilian Headache Society acute migraine
attacks treatment recommendations.
ResultsResults
ResultsResults
Results: In this town
emergency rooms the attendance to patients with acute migrane
is frequent. According to the interviewees, most patients tend
to overestimate their pain. On the other hand the physicians
affirm that themselves tend to underestimate their patient pain.
According to the interviewees there is a relationship between
migraine and psychological disorders, and their patients need
special services, including suitable care facilities. It is also
notable that there is no established criteria regarding drug
treatment options, as well as complementary tests or
hospitalization.
ConclusionConclusion
ConclusionConclusion
Conclusion: This study shows deficiencies
in acute migraine patients emergency care and in physicians'
knowledge regarding this disease.
KeywordsKeywords
KeywordsKeywords
Keywords: Physicians; Migraine; Host; Service; Emergency
units
6 Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12, Jan./Fev./Mar. 2013
AZEVEDO AC, PETRIN CS, REZENDE LA, MICHEL LC, KFURI TV, GÓIS MOREIRA SR, JURNO ME
INTRODUCTION
A migrânea é uma das mais frequentes causas de
cefaleia primária e provoca grande impacto social e
econômico na vida dos indivíduos.
(1-3)
Essa doença apre-
senta uma prevalência anual de 18% em mulheres e 6%
em homens, aproximadamente.
(1,2)
É caracterizada por
várias combinações de alterações neurológicas, gastro-
intestinais e autonômicas. Seu diagnóstico é baseado
apenas nas características clínicas da dor e dos sintomas
associados.
(4-6)
A cefaleia é um dos sintomas mais comuns na clínica
médica, havendo estimativas de que 90% dos homens e
95% das mulheres tenham uma crise de cefaleia, anual-
mente.
(7)
Alguns trabalhos avaliam que a doença seria
responsável por 1% a 16% de todas as visitas às unidades
de emergência.
(8)
Sabe-se que as cefaleias correspondem a 7,2% de
todas as consultas neurológicas em uma unidade de emer-
gência
(9)
e os diagnósticos mais comuns entre as cefaleias
primárias foram migrânea (47,7%), seguida pela cefaleia
do tipo tensional (37,6%).
(10,11)
Embora outros pesquisadores já tenham abordado
este tema, foi constatado que o tratamento efetuado, na
maioria dos casos, não foi o recomendado por consensos
ou estudos clínicos.
(10,12)
Nesta pesquisa abordamos, através da metodologia
científica de caráter qualitativo, as atitudes e conceitos
dos médicos das unidades de emergência de uma cidade
de médio porte em Minas Gerais, frente a pacientes em
crise aguda de migrânea. Avaliamos também o perfil
demográfico e as características de formação pessoal
destes médicos.
MÉTODOS
Esta pesquisa foi realizada após a aprovação pelo
Comitê de Ética em Pesquisa, credenciado pelo CONEP
(protocolo n° 920/2011).
Utilizaram-se recursos da metodologia científica
de caráter qualitativo tendo como participantes da pes-
quisa médicos que atendem nas Unidades de Emer-
gência de Saúde de uma cidade de médio porte em
Minas Gerais.
Os instrumentos utilizados foram a Ficha de Identifi-
cação e Estratificação da Amostra e o Roteiro de Entrevista
Semiestruturada, tendo como base os critérios de diag-
nóstico das cefaleias da Sociedade Internacional de
Cefaleia
(9)
e as Recomendações da Sociedade Brasileira
de Cefaleia para o tratamento das crises de dor de crises
de migrânea.
(13)
Foram apresentados aos participantes os objetivos
da pesquisa e o termo de Consentimento Livre Esclarecido
(TCLE), tendo sido solicitado ao participante que respon-
desse aos questionamentos para o preenchimento da
ficha de identificação, e logo após foi realizada a entre-
vista utilizando-se o roteiro semiestruturado composto por
dez perguntas de caráter subjetivo. As entrevistas foram
realizadas com os dez primeiros médicos que se dispu-
seram a participar do estudo. Cada participante foi entre-
vistado individualmente, em local reservado, sendo as
entrevistas gravadas em aparelho de áudio de alta defi-
nição e, posteriormente, transcritas respeitando-se a lin-
guagem dos entrevistados.
A análise dos resultados foi realizada segundo a
proposta desenvolvida por Bardin
(14)
e Franco,
(15)
sendo
transcritas as respostas apresentadas pelos participantes.
Em respeito ao anonimato dos médicos entrevis-
tados, eles foram identificados como: Médico 1, Médico
2, Médico 3, Médico 4, Médico 5, Médico 6, Médico 7,
Médico 8, Médico 9 e Médico 10.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos dez médicos entrevistados todos estavam, no
momento da entrevista, trabalhando como plantonistas
em unidades de emergência.
Para o melhor entendimento do perfil demográfico
e das características de formação pessoal dos sujeitos
do estudo, segue-se abaixo uma tabela com a carac-
terização dos participantes da pesquisa (Tabela 1).
Durante a entrevista foram abordados pela entrevista
semiestruturada, temas como: o entendimento dos médi-
cos em relação à dor de seu paciente, o impacto da dor,
as comorbidades, o atendimento do paciente migranoso,
a propedêutica e o tratamento.
Primeira questão: “Vocês atendem pacientes com
migrânea?”. Todos responderam que sim.
A respeito do impacto da dor perguntou-se se os
pacientes migranosos superestimam ou subestimam a sua
dor e a maioria dos médicos disse que os pacientes
superestimam a dor. Seguem-se as justificativas a essa
questão:
"É difícil até de responder isso; eu acho que a grande
maioria deles superestima a dor porque é uma dor crônica,
já estão cansados de ter aquele quadro de enxaqueca,
então eu acho que, em algumas situações, talvez a grande
maioria superestima, mas não por uma questão... essa
Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12 Jan./Fev./Mar. 2013 7
O MÉDICO E A MIGRÂNEA: CONHECIMENTO E PROCEDIMENTOS AO ACOLHIMENTO A PACIENTES
EM UM SERVIÇO DE PRONTO-ATENDIMENTO
superestimação que fazem da dor não é proposital, acho
que é mais pelo cansaço de estarem com aquela dor
crônica, então eles acabam sentindo mais dor do que
realmente sentem." (Médico 1)
"Acho que na maioria das vezes eles superestimam a
dor. Dizem que estão com muita dor, e quando vamos
analisar o paciente, ver o comportamento dele, a frequência
cardíaca, vemos que a dor não é tão intensa assim. E
quando o paciente distrai um pouco precebemos que ele
está conversando normal, sem demonstração de dor."
(Médico 7)
"Superestima, eu acho que superestima, é para ser
atendido na frente." (Médico 10)
Os pacientes migranosos têm significativas limitações
na qualidade de vida em relação a população saudá-
vel
(16)
, e a dor pode contribuir de maneira significativa
neste aspecto, o que demonstra que deve ser um sintoma
valorizado pelos médicos que atendem os pacientes com
migrânea.
O impacto da enxaqueca em termos de produ-
tividade do trabalho é muito importante. Estima-se que
só os Estados Unidos sejam responsáveis pela perda de
113 milhões de dólares a cada dia útil, representando
perdas econômicas superiores a 13 bilhões de dólares
anuais.
(17)
Além disso, muitos migranosos evitam
situações sociais ou festas que possam desencadear
crises, o que indica que a migrânea diminui significa-
tivamente a qualidade de vida não somente durante os
ataques, como também nos períodos intercríticos,
quando ansiedade, medo e incerteza contribuem para
uma gradual retirada da maioria dos contatos sociais.
Um estudo recente
(18)
indica que a enxaqueca prejudica
mais a qualidade de vida que a osteoartrite, diabetes,
hipertensão e lombalgia e é tão incapacitante quanto
a depressão.
Quando o assunto abordado foi o entendimento
do médico a respeito da dor, foi perguntado se o profis-
sional subestima ou superestima a migrânea do paciente,
e observou-se respostas diretas, afirmando que o médico
subestima a dor:
"A maioria dos profissionais subestima a migrânea
do paciente." (Médico 3)
"Pelo fato da gente achar que a dor dele está
superestimada, a gente acaba subestimando um pouco a
dor." (Médico 4)
"É aquilo que eu já respondi, não podemos ignorar a
dor do paciente pois pode ser algo grave, como um tumor
ou um aneurisma, por exemplo. " (Médico 7)
8 Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12, Jan./Fev./Mar. 2013
"Nós trabalhamos com triagem e onde há triagem
ninguém passa na frente de ninguém. Quem faz esta triagem
é o enfermeiro e aí ele seleciona pelo grau da intensidade
da dor e atende-se o mais grave primeiro." (Médico 8)
Conforme observado por outros autores, a migrânea
costuma ser subestimada pelos médicos generalistas
embora apareça em grande frequência nas unidades
de emergência.
(13)
Neste contexto, médicos de cuidados
primários desempenham um papel fundamental na
melhoria da abordagem do diagnóstico e gestão da
enxaqueca.
No quesito comorbidades, foi proposta a seguinte
pergunta: "Há relação de migrânea com distúrbios
psicológicos?" :
"Ah, sem dúvida, sem dúvida nenhuma. Geralmente
pacientes que relatam que estava tudo bem e então teve
um aborrecimento, um estresse, algum tipo de problema
emocional, que desencadeia essa enxaqueca. Sem dúvida
nenhuma, tem sim." (Médico 1)
"Com certeza! Os pacientes que têm migrânea se
apresentam mais ansiosos durante a consulta e sempre
deixam transparecer algum fator psicológico ou familiar."
(Médico 4)
"Em alguns casos eu noto algum problema psico-
lógico, emocional, relacionado ao trabalho. Em alguns
casos dá para perceber isso, alguns mais, outros menos.
Mas essa relação existe sim." (Médico 6)
"Sim, acho sim, tem muita relação com fator psico-
lógico, ansiedade, depressão." (Médico 10)
Por outro lado, alguns entrevistados responderam que
não há relação da doença com distúrbios psicológicos:
"Até o momento nunca presenciei não, também nunca
questionei." (Médico 5)
"Não, isso não. O que eu posso dizer é que quem
tem enxaqueca, tem enxaqueca. Bom, quando é um quadro
psicológico, você vê na hora que a pessoa está simulando
alguma coisa." (Médico 8)
A associação entre transtornos psiquiátricos e migrâ-
nea tem sido observada em diversos estudos clínicos e
epidemiológicos.
(19,20)
Depressão e ansiedade ocorrem
com maior frequência entre pacientes com dor de cabeça
recorrente.
(21)
Os fatores que contribuem para essa associação
ainda não estão bem estabelecidos, a hipótese mais
provável é de que os mesmos neurotransmissores estão
relacionados com enxaqueca, depressão e ansiedade.
(21)
Algumas pessoas apresentam mudanças no humor
ou no comportamento acompanhando seus ataques de
enxaqueca. Queixas de depressão, euforia, irritabili-
dade, ansiedade, hiperatividade, queda de concen-
tração, distúrbios do sono, anorexia ou aumento do
apetite são também comumente relatadas nos pródro-
mos da crise.
(22)
De acordo com os trabalhos anteriormente citados
nota-se que há relação de transtornos psicológicos com
migrânea, e esse transtorno pode exacerbar o impacto
da doença, piorar a qualidade de vida e complicar a
resposta ao tratamento.
Na questão relativa ao atendimento do paciente,
questionou-se se o ambiente de emergência para atendi-
mento do paciente migranoso seria apropriado, e a
maioria dos entrevistados respondeu que não. Seguem-
se as respostas:
"Não. No ambiente de emergência tem paciente de
tudo quanto é etiologia. O simples fato de haver muito
barulho, estresse, gente passando mal do lado, o paciente
não vai ter uma resposta, um atendimento tão adequado
como num consultório, por exemplo." (Médico 2)
"Ah, não é não. Num é porque o paciente quer um
ambiente mais tranquilo, mais calmo, um ambiente mais
próprio pra tratar da dor. Aqui é barulho, é urgência,
emergência, entra um, entra outro, não é um ambiente
adequado para tratar de enxaqueca." (Médico 1)
"Não, pois é um ambiente tumultuado, tenso, de
confronto, com muitas pessoas. Então essa situação é
ruim para o enxaquecoso. O PA nunca foi ambiente
adequado para isso." (Médico 7)
"Olha, normalmente uma pessoa que está com
enxaqueca tem uma fotofobia, tem uma certa intolerância
ao barulho, tem uma irritação muito grande, então o
atendimento de emergência não é um local apropriado."
(Médico 8)
Com base nas respostas dos médicos entrevistados,
nota-se que o ambiente de emergência para atendimento
do paciente migranoso não é o adequado, embora o
consenso da SBCe sugira que, mesmo para cefaleias
leves a moderadas, o paciente seja colocado em local
com pouca luz e barulho.
(23)
AZEVEDO AC, PETRIN CS, REZENDE LA, MICHEL LC, KFURI TV, GÓIS MOREIRA SR, JURNO ME
Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12 Jan./Fev./Mar. 2013 9
Ainda quando se analisava o atendimento, obser-
vou-se que o paciente com migrânea necessita de aten-
dimento especial segundo os relatos:
"Ah, precisa. Porque, na verdade, a enxaqueca é um
sintoma, é um sinal de um conjunto de coisas que estão
erradas com aquele paciente. Então, muitas vezes, se ele
tem uma dor de cabeça, uma enxaqueca por problemas
psicológicos, ou por algum estresse, por alguma outra
coisa, não adianta você tratar a dor se não tratar daquela
causa que desencadeou a enxaqueca. Às vezes o paciente
bebeu demais, ou usou muito alimento à base de chocolate
ou de amendoim, que são alimentos sabidamente enxa-
quecosos; então, se você não tratar do doente, do ritmo
de vida, do estresse, da atividade física, você vai acabar
tratando só da dor, sem tentar evitar ou espassar essas
crises de enxaqueca." (Médico 1)
"Com certeza, visto que a migrânea possui outros
fatores. Não é só um fator, é multifatorial, eu acho que o
atendimento tinha que ser mais especial." (Médico 4)
"Olha, quando você percebe que o paciente está
vindo com muita frequência no plantão e está sempre
muito queixoso e choroso, aí, sim, eu acho que necessita
também do acompanhamento de um psicólogo."
(Médico 8)
"Sim,sim. Pelo menos uma consulta com
neurologista para saber se é mesmo enxaqueca, se ela
é desencadeada por fator psicológico, e então
encaminhar ao psicólogo ou psiquiatra, acho necessário.
Porque normalmente tem a crise e volta para casa, passa
um tempo tem outra crise, não investiga, e é preciso
investigar." (Médico 10)
As causas da migrânea são diversas, deve-se dar
uma atenção especial a elementos essenciais da história
do paciente migranoso. O exame físico nunca deve ser
negligenciado mesmo que a história seja sugestiva de
cefaleia primária.
(24)
A respeito do acolhimento do paciente migranoso
várias respostas foram dadas, cada médico segue uma
rotina pré-estabelecida, sendo elas:
"Aqui neste hospital a gente tem uma equipe de
enfermagem, uma enfermeira formada, de nível superior,
que faz o acolhimento; nesse acolhimento ela nos traz
um resumozinho da história, geralmente vem acompa-
nhada de náusea, vômitos, distúrbios visuais, escotoma.
Ela faz a medição da PA para descartar uma crise de
cefaleia por hipertensão arterial, faz uma anamnese
sucinta, aferição da PA, temperatura, pulso, oxigênio e
manda prá gente já com um pré-diagnóstico, e no
consultório a gente vai explorar mais aqueles sintomas
e tratar da enxaqueca." (Médico 1)
"O acolhimento ocorre na triagem, pelo pessoal da
enfermagem e depois eles passam o caso prá gente."
(Médico 3)
"São triados pela ordem da gravidade dos casos. Aí
quem está mais grave passa na frente, e então uma crise
de dor fica em segundo plano, a menos que essa dor seja
muito intensa. Por exemplo, a enxaqueca pode vir junto
com vômitos e se isso ocorrer o paciente vai passar na
frente." (Médico 8)
"Vem triado. Faz uma triagem pelo protocolo de
Manchester, pela enfermagem. Faz o protocolo de Man-
chester, que não é adequado também para este tipo de
situação." (Médico 9)
"A enfermagem faz a triagem primeiro, pelo critério
de Manchester; ela vai avaliar quantos dias, quanto tempo
tem a queixa, e o paciente já vem avaliado. Ele é classi-
ficado com papéis nas cores azul, amarelo ou verde, e a
gente atende conforme a prioridade. Na maioria das vezes,
o paciente com cefaleia vai estar na prioridade verde, 4
horas ou mais de espera." (Médico 10)
Não há um consenso entre os médicos entre-
vistados a respeito do acolhimento do paciente migra-
noso. O que se preconiza em unidades de emergência é
o acolhimento com classificação de risco, em que os
objetivos são: avaliar o paciente logo na sua chegada
humanizando o atendimento; reduzir o número de pessoas
aguardando na recepção; diminuir o tempo para o
atendimento médico, fazendo com que o paciente seja
examinado precocemente de acordo com a sua gravi-
dade e determinar a área de atendimento primário,
devendo o paciente ser encaminhado diretamente à sua
especialidade.
(25)
Quando questionado "o modo como a equipe se
refere ao estado do paciente influencia no atendimento
médico", a maioria respondeu que sim:
"Ah, influencia. Por mais que a gente já esteja
acostumado a tratar, vem um paciente com enxaqueca, é
um ‘pitizão’, então você já vai atender o doente de uma
O MÉDICO E A MIGRÂNEA: CONHECIMENTO E PROCEDIMENTOS AO ACOLHIMENTO A PACIENTES
EM UM SERVIÇO DE PRONTO-ATENDIMENTO
10 Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12, Jan./Fev./Mar. 2013
maneira diferente. É lógico que na consulta isso pode
mudar; durante a entrevista, a anamnese, isso muda,
mas de uma certa maneira traz uma influência para quem
está atendendo o doente, traz sim". (Médico 1)
"Com certeza! Geralmente esses pacientes migra-
nosos, assim... a enfermagem vem falar com a gente
como se fosse um paciente mais ansioso, às vezes os
chamam até de ‘pitizentos’." (Médico 4)
"Com certeza. Às vezes chega paciente, principalmente
de madrugada, o enfermeiro nos informa que paciente
está sentindo determinada patologia e às vezes eles estão
subestimando ou superestimando as crises álgicas."
(Médico 5)
Porém, também encontraram-se respostas
negativas:
"Não o meu atendimento porque eu sou muito
calma, até com ‘piti’. Porque eu acho que até um ‘piti’
pode ter um fundo importante. Eu acho que não há
fumaça sem fogo e alguma coisa está acontecendo.
Então, eu levo em consideração cada queixa do
paciente." (Médico 8)
"No caso da cefaleia não, porque a informação tem
que ser obtida dele, do paciente. Eu nem escuto a enfer-
magem nesse caso, porque ela tem que me dar parâ-
metros, parâmetros no exame físico; aqui, neste caso,
ela não me dá parâmetro nenhum." (Médico 9)
Quanto ao tratamento foi interrogado aos médicos
o critério para escolha de medicamentos, e as repostas
variaram de acordo com a intensidade da dor, duração,
característica da cefaleia, ausência de sinais de alarme,
gravidade, responsividade e alergia. Os relatos abaixo
exemplificam:
"Medicação de uso habitual. Se já tem algum médico
que o acompanha, quais medicações que faz uso, se tem
alergia. Aí a gente vai usar o analgésico de menos
intensidade até o de maior intensidade conforme o caso."
(Médico 2)
"Existe um critério, normalmente a gente faz o trata-
mento abortivo, corta a dipirona, dipirona não funciona
muito bem; depois pode-se utilizar os anti-inflamatórios,
que são a primeira escolha para abordagem num pronto
atendimento. Tem também os derivados da ergotamina,
os triptanos, alguns antidepressivos também são utilizados,
e também tem um estudo mostrando o uso de beta-
bloqueador, né, então você vai jogando, vai escalonando,
o tratamento, né? Se não for melhorando você vai
passando as fases do tratamento." (Médico 5)
"É como eu falei anteriormente. Descartando alguma
patologia mais grave, a minha conduta é tirar o sofrimento
do paciente, eu sempre associo anti-inflamatório com
analgésico mais potente e deixo para o neurologista tomar
uma decisão mais refinada." (Médico 6)
"Bom, primeiro temos que diferenciar algumas coisas:
se você vai tratar a crise ou fazer um tratamento profilático
contínuo. Na emergência o objetivo é tirar a dor, daí você
entra primeiro com medicações mais simples para ver se
resolve, e se não resolver você aumenta a potência do
medicamento que pode ser desde analgésicos simples,
como a dipirona endovenosa e anti-inflamatórios, como
o cetoprofeno, até opioides e narcóticos. O critério é de
acordo com a intensidade da dor e da responsividade do
tratamento." (Médico 7).
Em nosso meio, boa parte dos hospitais públicos
não possuem medicações que são específicas para o
tratamento da crise migranosa, como compostos ergota-
mínicos ou triptanos. Usam-se, em geral, analgésicos e
anti-inflamatórios não hormonais parenterais. Em unida-
des de emergência pública no Brasil, boa parte dos
esquemas internacionalmente propostos são, portanto,
inexequíveis. A dipirona via endovenosa é a droga mais
prescrita como analgésico para tratamento agudo da
cefaleia.
(24)
Finalizando as entrevistas, os médicos responderam
quais seriam os critérios para realização de exames
complementares/internação:
"Quando é uma enxaqueca que você não consegue
com medicação habitual, você tenta usar os anti-infla-
matórios não esteroides, tenta usar o corticoide, até os
antienxaquecosos. Se não melhorou, não trouxe nenhum
tipo de melhora para o paciente, aí a gente aconselha o
doente a ficar internado, até para tentar uma medicação
mais forte, uma analgesia mais forte, que deve ser feita
só em ambiente hospitalar... E aqui não é uma referência
para a Neurologia, então a gente quase não interna doente
aqui com esse quadro de migrânea, a não ser que seja
uma coisa mais grave, uma suspeita de meningite, alguma
coisa que possa justificar essa internação... E, se nunca
tiver tido nada, se for a primeira crise, ou ela não procurou
AZEVEDO AC, PETRIN CS, REZENDE LA, MICHEL LC, KFURI TV, GÓIS MOREIRA SR, JURNO ME
Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12 Jan./Fev./Mar. 2013 11
um neurologista, a gente interna, ou manda fazer uma
ressonância, ou uma tomografia de crânio pra excluir
malformação ou alguma outra doença neurológica grave,
uma encefalopatia hipertensiva, um tumor cerebral, uma
malformação arteriovenosa importante." (Médico 1)
"Resposta à medicação e o quadro neurológico, que
às vezes necessita de um diagnóstico diferencial com
outras patologias que não seja a enxaqueca. Depende
do quadro clínico do paciente, do principal quadro clínico,
e deixa exame complementar pra ajudar, mas a gente
não depende do exame complementar para fazer o
diagnóstico." (Médico 2)
"Bom, se o paciente tiver uma cefaleia súbita, uma
dor de cabeça que se iniciou subitamente, de grande
intensidade, um déficit neurológico focal, a gente sempre
realiza exame de imagem. Se o paciente chegar com febre
a gente faz screening infeccioso, enfim, isso vai depender
da clínica que o paciente apresentar, mas se houver algum
dado secundário sugestivo de uma cefaleia secundária, a
gente tem que recorrer a propedêuticos mais avançados."
(Médico 3)
"Aqui eu não peço muito exame complementar para
diagnosticar se é mesmo migrânea não. Geralmente eu
oriento para procurar um neuro." (Médico 4)
"Muito raro. Eu particularmente nunca pedi interna-
ção de um paciente desse tipo. Cmo eu disse na outra
resposta, a gente normalmente encaminha para o serviço
de neurologia para ele ser acompanhado. Nunca
chegamos a ponto de pedir internação para um paciente
desse tipo.” (Médico 5)
"Acho que é necessário a avaliação de um neuro-
logista porque eu jamais internaria um paciente com
enxaqueca. Eu medico e encaminho para o neuro e daí
ele faz o eletroencefalograma e vai dar o diagnóstico. Eu
encaminho todos os pacientes, pois eu acho que todos
merecem uma investigação para a possível causa."
(Médico 8)
"Migrânea eu não interno não, oriento o procurar
neurologista em ambulatório." (Médico 9)
"Se for uma cefaleia intensa, de início curto, sem
historia prévia de enxaqueca, nem nada, pode ser que eu
peça uma TC de crânio para o paciente... mas fora isso,
só se tiver lesão motora, distúrbio de fala ou qualquer
outra coisa que chame atenção. Só a cefaleia mesmo
muito difícil, só se ela for rebelde ao tratamento, faz
analgesia e nada, faço uma Dipirona ou Tenoxicam e não
melhora, faço Tramal e nada, aí provavelmente vou pedir
uma TC. Aguardar observação, mas internar por causa de
cefaleia é muito difícil." (Médico 10)
Nota-se uma falha entre os médicos quanto à esco-
lha correta dos exames complementares e critérios de
internação. Há uma alta porcentagem de solicitação de
exames complementares entre não especialistas, mesmo
sem evidências de que esses exames possam contribuir
para o esclarecimento diagnóstico.
(12)
A maioria dos médicos não neurologistas desconhece
os critérios utilizados para diagnóstico e classificação das
formas mais frequentes de cefaleias primárias. A Socie-
dade Internacional das Cefaleias promoveu uma padro-
nização dos critérios diagnósticos, com o objetivo de
uniformizar os sintomas e síndromes presentes nas cefa-
leias primárias. O intuito é evitar variações no diagnóstico
dessas cefaleias pelos diversos observadores e assim
melhorar a acurácia diagnóstica e a orientação terapêutica,
tornar esse transtorno reconhecido como doença
neurobiológica e minimizar os prejuízos ao seu portador.
(13)
Diante dos frequentes equívocos observados nas
entrevistas, nota-se a necessidade de se estabelecerem
critérios para investigação laboratorial das cefaleias
agudas e padronizar as condutas, com drogas disponíveis
em hospitais públicos, frente aos principais tipos de
cefaleia primária.
Considerando que a enxaqueca deve ser vista como
um problema de saúde pública, é necessária a intro-
dução de ferramentas e programas de triagem eficazes
para garantir que os pacientes migranosos não sejam
subjulgados ou mesmo subdiagnosticados.
No decorrer da nossa pesquisa, uma dificuldade
encontrada para a realização das entrevistas foi a
disponibilidade dos médicos, como se trata de um
ambiente de emergência muitos estavam ocupados no
momento da visita dos pesquisadores. Além disso, o
receio dos médicos de se exporem foi considerado
também uma limitação.
CONCLUSÃO
Como pôde ser observado, a totalidade dos médi-
cos entrevistados relatou ter contato com pacientes
migranosos nos serviços de pronto-atendimento. Tal fato
O MÉDICO E A MIGRÂNEA: CONHECIMENTO E PROCEDIMENTOS AO ACOLHIMENTO A PACIENTES
EM UM SERVIÇO DE PRONTO-ATENDIMENTO
12 Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12, Jan./Fev./Mar. 2013
Correspondência
Mauro Eduardo JurnoMauro Eduardo Jurno
Mauro Eduardo JurnoMauro Eduardo Jurno
Mauro Eduardo Jurno
Rua Fernando Laguardia 45 – Santa Tereza II
36201-118 – Barbacena, MG
e-mail: jurno@uol.com.br
demonstra que por ser frequente, é importante o manejo
correto dos pacientes em crise migranosa nesses ambi-
entes.
Diante do estudo realizado notou-se uma
deficiência no acolhimento do paciente migranoso e
no conhecimento dos médicos em relação a essa
patologia, o que reflete em uma propedêutica e
tratamento ineficazes.
O fato de que 60% dos entrevistados afirmaram
desconhecer as diretrizes para tratamento das dores de
cabeça da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe)
demonstra a necessidade de programas de educação
continuada para médicos de atendimento primário em
relação aos critérios de tratamento da migrânea.
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Headache Medicine, v.4, n.1, p.13-19, Jan./Feb./Mar. 2013 13
Sintomatologia depressiva em adolescentes com
cefaleia primária
Depressive symptomatology in adolescents with primary headache
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLEARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLEARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE
Dayzene da Silva Freitas
1
, Clarice Nicéas Barreto da Costa
1
, Gisela Rocha Siqueira
1
,
Marcelo Moraes Valença
2
, Daniella Araújo de Oliveira
1
1
Departamentos de Fisioterapia e
2
Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
Recife, Pernambuco
Freitas DS, Costa CN, Siqueira GR, Valença MM, Oliveira DA. Sintomatologia depressiva em adolescentes
com cefaleia primária. Headache Medicine. 2013;4(1):13-9
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
Objetivo:Objetivo:
Objetivo:Objetivo:
Objetivo: Investigar a relação entre os sintomas depressivos
e a cefaleia primária em adolescentes. Métodos: Foram
avaliados 117 estudantes (68 meninas) de escolas da rede
pública estadual na cidade de Recife, com idade variando
entre 11 e 17 anos (14 ± 2 anos). Para classificar a cefaleia
primária foram utilizados os critérios diagnósticos estabelecidos
pela Sociedade Internacional de Cefaleia (ICHD-II) e para o
rastreamento de sintomatologia depressiva foi utilizado o
Inventário de Depressão Infantil.
Resultados:Resultados:
Resultados:Resultados:
Resultados: Não houve
associação estatística entre presença de sintomatologia
depressiva e cefaleia no último mês em adolescentes com
cefaleia [66/80 (82,5%)] quando comparados aos sem
cefaleia [30/37 (81,1%)], p>0,05; χ
2
]. 68,4% da amostra
referiu cefaleia no último mês, sendo 53/68 (77,9%) meninas
e 27/49 (55,1%) meninos. A sintomatologia depressiva foi
observada em 96/117 (82,1%) dos alunos [62/68 (91,2%)
meninas e 34/49 (69,4%) meninos, p=0,003; χ
2
]. As meninas
apresentaram maiores médias nos domínios problemas
interpessoais p=0021; humor deprimido p=0,013;
inefetividade p=0,024 e autoestima negativa p<0,001.
Conclusão:Conclusão:
Conclusão:Conclusão:
Conclusão: Cefaleia primária e sintomas depressivos são
frequentes entre os adolescentes estudados, porém não houve
associação entre essas duas condições.
PP
PP
P
alavrasalavras
alavrasalavras
alavras
--
--
-
chaves:chaves:
chaves:chaves:
chaves: Cefaleia; Depressão; Adolescente;
Transtornos de enxaqueca
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
Objective:Objective:
Objective:Objective:
Objective: The study aimed to investigate the relationship
between depressive symptoms and primary headache in
adolescents.
Methods:Methods:
Methods:Methods:
Methods: 117 students (68 girls) of Public
School from Recife, aged between 11 and 17 years (14.0 ±
1.7 years), were evaluated. To sort out the primary headache,
was used the diagnose criteria by the International Headache
Society (ICHD-II) and for tracing of depressive symptoms was
used The Children's Depression Inventory.
RR
RR
R
esults: esults:
esults: esults:
esults: There was
no statistical association between the presence of depressive
symptoms and headache in the last month, in adolescents
with headache [66/80 (82.5%)] compared to those without
headache [30/37 (81.1%)], p> 0.05, χ
2
]. 68.4% of the sample
reported headache in the last month, 53/68 (77.9%) girls
and 27/49 (55.1%) boys. Depressive symptomatology was
observed on 96/117 (82.1%) students [62/68 (91.2%) girls
and 34/49 (69.4%) boys, p = 0.003, χ
2
]. Girls had higher
averages in the fields interpersonal problems p = 0021;
depressed mood p = 0.013; ineffectiveness p = 0.024 and
negative self-esteem p < 0.001.
Conclusion:Conclusion:
Conclusion:Conclusion:
Conclusion: Primary
headache and depressive symptoms are common among
adolescents studied, but there was no association between
these two conditions.
Keywords:Keywords:
Keywords:Keywords:
Keywords: Headache; Depression; Adolescent; Migraine
disorders
14 Headache Medicine, v.4, n.1, p.13-19, Jan./Feb./Mar. 2013
FREITAS DS, COSTA CN, SIQUEIRA GR, VALENÇA MM, OLIVEIRA DA
INTRODUÇÃO
Nos últimos 25 anos, estudos envolvendo adoles-
centes com idades entre 10 e 18 anos mostraram um
aumento significativo na prevalência de dor de cabeça,
com uma média estimada em 54,4% para esta faixa
etária.
(1)
As cefaleias mais frequentes nas crianças e
adolescentes são a migrânea e a cefaleia do tipo tensional
(CTT), que apresentam um perfil incapacitante trazendo
sérios prejuízos à vida dos jovens como o absenteísmo e
o baixo rendimento escolar.
(2-5)
Presente na infância e adolescência, a cefaleia pode
estar associada a uma série de comorbidades, tanto de
origem física como mental, podendo estas determinar
suas variedades clínicas e etiológicas.
(6,7)
Dentre as
doenças associadas, a depressão é a que tem apre-
sentado correlação significativa com as dores de cabeça
ao longo dos anos.
(8,9)
A ocorrência dos sintomas depressivos na adoles-
cência é comum, se evidenciando, por meio de estudos
epidemiológicos, um aumento na sua prevalência e o
aparecimento cada vez mais cedo nesta população.
(10-13)
A associação entre a cefaleia e os sintomas
depressivos tem sido observada em pesquisas tanto na
população adulta
(14-16)
quanto na adolescente.
(8,17)
No
Brasil, tem se aumentado no meio científico o interesse
por investigar a relação entre essas duas condições.
Recentemente, um estudo brasileiro constatou que, das
crianças estudadas, 15% (64/140) com migrânea e 7,4%
(40/126) com CTT mostraram maior predisposição aos
sintomas de depressão em comparação aos seus contro-
les,
(18)
evidenciando a importância de se entender qual o
papel exercido pelas doenças mentais no desenca-
deamento da dor de cabeça e quais agravamentos estas
podem trazer para o seu quadro clínico.
Diante do exposto, o presente artigo tem por
finalidade verificar a relação existente entre sintomas
depressivos e cefaleia primária nos adolescentes.
MÉTODOS
PP
PP
P
articipantesarticipantes
articipantesarticipantes
articipantes
O estudo de caráter transversal e analítico foi
realizado entre fevereiro e maio de 2012, com 117
adolescentes (68 meninas) de escolas públicas da Rede
Estadual da cidade de Recife, com idades variando entre
11 e 17 anos (14 ± 1,7 anos), estudantes do ensino
fundamental (6º a 9º anos) e ensino médio (1º a 3º
anos) devidamente matriculados no ano letivo de 2012.
A ampla faixa etária foi escolhida em decorrência
da literatura que aponta para uma maior incidência de
sintomas depressivos e cefaleia neste período.
(19,20
)
Foram excluídos do estudo estudantes que
apresentaram algum déficit cognitivo comprometendo o
fornecimento correto das informações e que mostraram
diagnóstico prévio de cefaleias secundárias.
Instrumentos e procedimentosInstrumentos e procedimentos
Instrumentos e procedimentosInstrumentos e procedimentos
Instrumentos e procedimentos
Para avaliar a queixa de cefaleia foi utilizado um
questionário de rastreamento dos sintomas das cefaleias
primárias (migrânea e CTT), elaborado de acordo com
os critérios da Sociedade Internacional de Cefaleia.
(21)
Adolescentes que apresentavam características tanto de
migrânea quanto de CTT foram classificados como
migranosos.
Para avaliar a presença de depressão foi utilizado o
Chindren's Depression Inventory (Inventário de depressão
Infantil – CDI) elaborado por Kovacs,
(22)
a partir do Beck
Depression Inventory
(23)
para adultos e traduzido para a
língua portuguesa por Gouveia,
(24)
que visa detectar a
presença e a gravidade dos sintomas de depressão em
crianças e adolescentes de 7 a 17 anos e tem sido descrito
como o mais satisfatório para essa população, com um
Alpha de Cronbach de 0,81.
(25)
É composto por 27 ítens,
relacionados aos sintomas afetivos, cognitivos e psico-
motores da depressão. Estes ítens ainda são subdivididos
em cinco domínios: Humor Deprimido, que engloba seis
ítens, Problemas Interpessoais e Inefetividade, contendo
quatro ítens cada, Anedonia com oito ítens e Autoestima
Negativa com cinco ítens. Cada item é composto por 3
alternativas, pontuadas em 0 (ausência de sintoma), 1
(presença de sintoma) e 2 (sintoma grave) e o participante
deve assinalar aquela que melhor se enquadra ao seu
estado. Apresenta escore máximo de 54 pontos, tendo
ponto de corte de 19 pontos para sugerir sintomas
depressivos.
Para análise da associação entre cefaleia e
sintomatologia depressiva, foi utilizada a queixa de
cefaleia no último mês, tendo vista que o CDI se baseia
nas duas últimas semanas.
Os questionários foram aplicados por um único
examinador em grupo (máximo de cinco adolescentes)
em salas de aula cedidas pelas escolas, com os alunos
que apresentavam o termo de consentimento livre e
esclarecido assinado pelos responsáveis. Todos os
participantes receberam uma orientação padrão quanto
ao preenchimento dos questionários, bem como no
esclarecimento dos termos de difícil compreensão. O
Headache Medicine, v.4, n.1, p.13-19, Jan./Feb./Mar. 2013 15
estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa
com seres humanos da Universidade Federal de
Pernambuco, sob o protocolo nº 066/2011, CAAE -
0012.0.172.000-11.
Análise estatísticaAnálise estatística
Análise estatísticaAnálise estatística
Análise estatística
Os dados são mostrados como média e desvio-
padrão e em valores absolutos e percentuais. Foi utilizado
Kolmogorov-Smirnov para verificar o tipo de distribuição
das variáveis a serem estudadas. Foi utilizado o teste não-
paramétrico de Mann-Whitney para comparação de dois
grupos independentes. Na análise das variáveis categó-
ricas foi utilizado o qui-quadrado.
(2)
O nível de significân-
cia considerado como diferente estatisticamente foi p < 0,05.
Os dados foram digitados e analisados em planilha do
programa estatístico SPSS versão 13.0.
RESULTADOS
A amostra foi composta por 117 adolescentes, 68
meninas (58,1%) e 49 meninos (41,9%). A média de idade
no grupo variou de 11 a 17 anos (14 ± 1,4 anos). Não
houve diferença entre a média de idade e o gênero (13,9
± 1,8 meninas e 14,2 ± 1,7; p= 0,342, Mann- Whitney).
A Tabela 1 mostra a distribuição de cefaleia
(incluindo migrânea e CTT) por período de tempo entre
os gêneros, mostrando associação estatisticamente
significativa entre os gêneros no último mês e na última
semana.
Sintomatologia depressiva esteve presente em 96/
117 (82,1%) dos alunos [62/68 (91,2%) meninas e 34/
49 (69,4%) meninos, p=0,003; χ
2
]. Na amostra estudada
não houve diferença estatisticamente significativa entre
presença de sintomatologia depressiva e cefaleia no último
mês, onde 66/80 (82,5%) dos alunos com cefaleia
apresentavam sintomatologia depressiva vs. 30/37
(81,1%) sem cefaleia, p>0,05; χ
2
.
No último mês dos 80/117 (68,4%) estudantes que
referiram cefaleia, 57 (48,7%) preencheram os critérios
para migrânea [36/68 (52,9%) meninas e 21/49
(42,9%) meninos, p=0,022; χ
2
]. E 23 (19,7%) alunos
preencheram os critérios para CTT [17/68 (25,0%)
meninas e 6/49 (12,2%) meninos, p=0,012; χ
2
]. Em
relação ao tipo de cefaleia, dos alunos com
sintomatologia depressiva 47/96 (49%) apresentaram
migrânea; 19/96 (19,9%) CTT e 30/96 (31,3%) sem
cefaleia p=0,983; χ
2
.
Quanto à série escolar e tipo de cefaleia no último
mês, 80/117 (68,4%) eram alunos do ensino funda-
mental, destes 37/80 (46,3%) eram migranosos e 13/
80 (16,3%) apresentaram CTT. No ensino médio, 37/
117 (31,6%) apresentaram cefaleia no último mês, sendo
20/37 (54,1%) migranosos e 10/37 (27%) com CTT;
p= 0,102; χ
2
. Não foi observada diferença estatística
entre as séries e a sintomatologia depressiva [64/80 (80%)
do ensino fundamental e 32/37 (86,5%) do ensino
médio; p=0,45; χ
2
].
Dentre os cinco domínios avaliados pelo CDI, os
que apresentaram maior média foram "anedonia e
autoestima negativa", tanto nos alunos com escore < 19
quanto aqueles com escore 19 (Figura 1). Adolescentes
com cefaleia, no último mês, apresentaram maior
pontuação nos domínios: "anedonia" [5,93 ± 2,38 vs.
5,84 ± 2,5 sem cefaleia], "autoestima negativa e humor
deprimido" (4,11 ± 1,5) quando comparados aos sem
cefaleia (3,9 ± 1,8); p=0,552, Mann Whitney.
A Figura 2 mostra a média dos domínios do CDI
entre os gêneros. Houve diferença estatística entre os domí-
nios "problemas interpessoais, humor deprimido, inefeti-
vidade e autoestima negativa" em relação ao gênero.
SINTOMATOLOGIA DEPRESSIVA EM ADOLESCENTES COM CEFALEIA PRIMÁRIA
16 Headache Medicine, v.4, n.1, p.13-19, Jan./Feb./Mar. 2013
DISCUSSÃO
Neste trabalho não houve associação entre estas
variáveis, embora pesquisas anteriores apontem para
uma associação de sintomatologia depressiva em
adolescentes com cefaleia primária.
(8,17,26)
Provavelmente
este fato se deve as diferenças metodológicas utilizadas
nos estudos, como, tamanho da amostra, faixa etária,
seleção dos sujeitos, instrumento de avaliação e limitação
da região do estudo.
Em 2002, um estudo investigou a prevalência de
queixa de cefaleia e sua associação com possíveis fatores
causais, como os sintomas depressivos, em 1.135
escolares na Finlândia, todos com idade de 12 anos e
provenientes de 35 escolas municipais, distribuídos de
forma equivalente entre os gêneros.
(26)
Apesar dos dados
sobre os sintomas depressivos terem sido coletados por
meio de questionários elaborados com base nos critérios
da associação americana de Psiquiatria,
(27)
este instru-
mento não era validado para esta população. A preva-
lência de sintomas depressivos foi de 17% (n=138) dos
estudantes com CTT (p<0,001), quando comparados
aos sem cefaleia.
No presente estudo o rastreamento de sintomatologia
depressiva foi realizado utilizando um questionário
validado para adolescentes na língua portuguesa do
Brasil,
(24)
o que permite uma padronização das perguntas,
aumentando a confiabilidade dos resultados. Além disso,
foi realizado em três escolas situadas no mesmo bairro,
com uma média de idade de 14,0 ± 1,4 anos, fato que
pode explicar as divergências entre os resultados deste
estudo com o acima citado.
Outro estudo avaliou 28 adolescentes (14 meninas)
com dor de cabeça, também relacionando com a sinto-
Figura 2. Distribuição dos gêneros vs. média dos domínios do CDI; *teste de Mann Whitney.
FREITAS DS, COSTA CN, SIQUEIRA GR, VALENÇA MM, OLIVEIRA DA
Figura 1. Distribuição das pontuações médias de cada domínio do CDI, com separação entre os grupos com escore de CDI < 19 e escore de
CDI
19; *p<0,05
Headache Medicine, v.4, n.1, p.13-19, Jan./Feb./Mar. 2013 17
matologia depressiva e encontrou presença significativa
destes sintomas em mais de 50% dos jovens estudados;
(8)
os sintomas de depressão foram rastreados pelo Beck
Depression Inventory,
(23)
que não é específico para a
população de adolescentes e não houve um grupo de
adolescentes sem cefaleia para comparação, diferente
deste artigo. Os autores não classificaram o tipo de
cefaleia primária, mas alertam para o fato de que
cefaleia crônica diária, na amostra, pode ter influenciado
no aparecimento dos sintomas depressivos, uma vez que
a presença constante da dor de cabeça pode limitar o
bem estar físico e mental do indivíduo, trazendo prejuízos
sócio-ocupacionais.
(28)
No nosso estudo não classificamos a cefaleia em CTT
episódica e crônica nem a migrânea em seus subtipos,
porém, foi observado que os pacientes migranosos (49%)
apresentavam mais sintomatologia depressiva quando
comparados aos com CTT (19,9%) e sem cefaleia (31,3%).
O maior percentual de sintomas depressivos para esse
tipo de dor de cabeça talvez possa ser explicado pelo
fato da migrânea ser considerada a causa mais comum
de cefaleia crônica na infância e adolescência e por essas
duas variáveis compartilharem as mesmas vias de
transmissão nervosa, as serotoninérgicas, envolvidas no
seu desencadeamento.
(29)
Mesmo sem ter sido encontrada associação entre
as cefaleias primárias e sintomas depressivos neste
trabalho, quando essas variáveis foram analisadas sepa-
radamente na amostra, se mostraram bem frequentes.
Neste estudo, a frequência de cefaleia ao longo da
vida (97,4%) e no último ano (93,2%) foi elevada entre
os adolescentes, sendo semelhante a outro estudo
realizado no Brasil
(2)
onde a prevalência de cefaleia
numa população de 538 adolescentes foi de 93,2% ao
longo da vida e 82,9% no último ano.
Em relação à frequência de cefaleia, observamos
que houve um percentual maior nas meninas no último
mês (77,9% vs. 55,1% dos meninos) e na última semana
(58,8% vs. 32,7% dos meninos). Esses achados corro-
boram com o estudo brasileiro acima citado,
(2)
onde foi
encontrada uma prevalência de cefaleia na última
semana (31,4%) significativa, com uma relação de duas
meninas para cada menino com dor de cabeça. Outro
estudo realizado na cidade de São Paulo
(30)
mostrou
resultados semelhantes, com relação à frequência de
cefaleia entre os gêneros [2.384/2.766 (86,2%) de meni-
nas com cefaleia vs. 1.978/2.413 (81,9%) de meninos;
p<0,001]. As diferenças hormonais ocorridas na adoles-
cência, mais acentuadas nas meninas, podem explicar
os resultados encontrados no presente trabalho e nos
outros.
(31,32)
Com relação ao tipo de cefaleia, a maior frequência
na amostra estudada foi de migranosos (57/117,
48,7%), diferente dos achados no estudo realizado no
sul do Brasil,
(3)
onde, tomando como referência a queixa
de cefaleia na última semana, encontrou-se uma preva-
lência de CTT de 25,6% (138/538) em comparação com
a de 5,7% de migrânea (31/538). De acordo com o
autor, apesar de a migrânea ser menos frequente que a
CTT, esta apresenta uma acentuada variação nas taxas
de prevalência entre crianças e adolescentes, sendo tal
fato justificado pela falta da padronização dos critérios
diagnósticos para o rastreamento das populações
estudadas.
A maior frequência de migranosos nesse estudo pode
estar relacionada aos critérios utilizados para classificar
os tipos de cefaleia na amostra, considerando-se
adolescentes que preenchiam os critérios tanto para
migrânea quanto para CTT como migranosos. Foi
observado, durante as entrevistas, que os adolescentes
apresentavam certa dificuldade para caracterizar a dor
e seus sintomas associados. Similarmente ao nosso
achado, uma pesquisa
(26)
observou que crianças com CTT
episódica frequente referem características de dor
semelhante aos migranosos, o que pode servir de fator
de confusão para análise dos dados.
O uso do diário de cefaleia ajudaria a reduzir
possíveis vieses nos resultados, permitindo um acom-
panhamento mais fidedigno das crises, com o registro
das características destas pelo adolescente no momento
em que ocorrem.
A presença de sintomatologia depressiva no presente
trabalho foi de 82,1%, sendo maior no sexo feminino,
onde as meninas representavam 67,7% e os meninos
32,3% deste grupo (média dos escores: meninas
23,50±3,3 e meninos 19,71±7,6; p=0,003). De modo
semelhante, um estudo paranaense utilizando o CDI em
463 adolescentes, encontrou uma média maior dos
escores de sintomas depressivos em meninas
(14,2±10,19 meninas e 5,5 ± 4,33 meninos) e adotan-
do o mesmo ponto de corte que o nosso, observou que
dos jovens que apresentavam sintomas indicativos de
depressão, 72,3% eram meninas e 27,7% eram
meninos.
(12)
Um estudo afirma que no início da puberdade é
comum haver um aumento da frequência dos sintomas
de depressão nas meninas, quando relacionadas aos
meninos, tendo vista todas as alterações hormonais
SINTOMATOLOGIA DEPRESSIVA EM ADOLESCENTES COM CEFALEIA PRIMÁRIA
18 Headache Medicine, v.4, n.1, p.13-19, Jan./Feb./Mar. 2013
sofridas por elas com a chegada da menarca e que
influenciam na tanto o seu físico quanto o psíquico.
(33)
Autores de um estudo franco-canadense
(34)
relatam
que na manifestação depressiva, as garotas quando
comparadas com os meninos, apresentam sintomas mais
subjetivos como sentimentos de tristeza e vazio, têm uma
maior preocupação com a popularidade e uma menor
satisfação com a aparência.
Quanto à distribuição dos domínios do CDI, a
anedonia (6,56) e a autoestima negativa (6,17) foram
os que apresentaram maiores médias dos escores entre
os alunos, corroborando com os resultados expostos
por outros autores
(35,36)
onde a Anedonia foi o domínio
mais pontuado entre os indivíduos com sintomas
depressivos.
Entre os gêneros houve associação estatisticamente
significativa nas médias dos domínios "problemas
interpessoais" (p= 0,021), "humor deprimido" (p=0,013),
"inefetividade" (p=0,024) e "autoestima negativa"
(p<0,001), sendo maiores nas meninas; Nos achados de
um estudo com adolescentes portugueses
(37)
há uma
concordância com o nosso, no domínio "autoestima
negativa", onde as meninas
(6,11) mostraram média maior.
Nos adolescentes com queixa de cefaleia, a "ane-
donia", "autoestima negativa" e o "humor deprimido"
mostraram-se mais frequentes. Esses dados são seme-
lhantes ao que se encontra na literatura, onde se afirma
que adolescentes com cefaleia apresentam uma dimi-
nuição na disposição para realização de suas atividades
habituais, um estado de espírito menos alegre e uma
menor interação tanto familiar quanto social.
(38)
A presença elevada de adolescentes com cefaleia
primária e sintomas depressivos encontrada neste artigo,
talvez possa estar correlacionada com uma disfunção
das vias serotoninérgicas. Um estudo
(29)
sugere que a
ocorrência desses dois fatores bem como a proximidade
existente entre eles se origine de uma produção deficiente
de serotonina, neurotransmissor que age no sistema
límbico regulando o humor, percepção de dor e
sensação de bem-estar. De acordo com os autores,
pessoas deprimidas e com queixas de cefaleia
apresentam níveis plasmáticos e plaquetários de
serotonina diminuídos.
Em meninas, esses eventos podem ser ainda mais
evidentes, tendo em vista a maior ação dos hormônios
sobre estas, principalmente no período menstrual.
Evidências clínicas demostram que 60% das mulheres que
sofrem de enxaqueca relacionam a periodicidade de suas
crises com o ciclo menstrual.
(39)
Ainda não foram totalmente esclarecidos os meca-
nismos que promovem essa interação, o que têm gerado
muitos questionamentos entre os especialistas no assunto;
não se sabe se a depressão seria a causa da dor de
cabeça
(40)
ou consequência de viver com uma dor
crônica,
(41)
ou ainda se ambas as patologias seriam oriun-
das de algumas desordens neurometabólicas.
(29)
Apesar de não existir ainda um consenso entre os
autores quanto a esses mecanismos envolvidos na
interação entre as cefaleias primárias e os sintomas
depressivos, muitos artigos têm mostrado que essa
correlação existe. Assim, sugere-se que sejam realizados
mais estudos com essa temática, de caráter
epidemiológico, com a finalidade tanto de confirmar a
existência dessa associação quanto de esclarecer os seus
processos desencadeadores.
CONCLUSÃO
Cefaleia primária e sintomas depressivos são
frequentes entre os adolescentes estudados, porém não
houve associação entre essas duas condições.
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SINTOMATOLOGIA DEPRESSIVA EM ADOLESCENTES COM CEFALEIA PRIMÁRIA
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Daniella Araújo de OliveiraDaniella Araújo de Oliveira
Daniella Araújo de OliveiraDaniella Araújo de Oliveira
Daniella Araújo de Oliveira
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Fone:(55-81) 21268937, Fax: (55-81) 21268491
sabino_daniella@ig.com.br
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20 Headache Medicine, v.4, n.1, p.20-24, Jan./Feb./Mar. 2013
Síndrome serotoninérgica e as triptanas
Serotonin syndrome and the triptans
VIEW AND REVIEWVIEW AND REVIEW
VIEW AND REVIEWVIEW AND REVIEW
VIEW AND REVIEW
Roldão Faleiro de Almeida
1
, Fernando Kowacs
2
1
Ambulatório de Cefaleia do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais, Hospital Belo Horizonte,
Belo Horizonte, MG, Brasil
Departamento de Clínica Médica, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
Hospital Mmoinhos de Vento, Porto Alegre, RS, Brasil
Almeida RF, Kowacs F. Síndrome serotoninérgica e as triptanas. Headache Medicine. 2013;4(1):20-4
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
A síndrome serotoninérgica (SS) é uma reação adversa
decorrente da ação combinada de duas ou mais drogas
serotoninérgicas, ou até mesmo de uma única droga, que
pode colocar em risco a vida do paciente. Esta condição é
uma reação tóxica aguda às substâncias que realçam a
atividade serotoninérgica em certas sinapses do sistema
nervoso central e periférico. O quadro clínico da SS é cons-
tituído pela tríade: alteração do estado mental, hiperatividade
autonômica e anormalidades neuromusculares. A sua
severidade varia de casos leves a casos fatais. Esta síndrome
tem início rápido e curso, geralmente autolimitado, melho-
rando assim que a medicação envolvida é retirada. Em
2006, o FDA (Food and Drug Administration, órgão
regulador do governo norteamericano) emitiu um alerta sobre
a possibilidade da SS ocorrer em pacientes que fazem uso
combinado de triptanas e inibidores seletivos da recaptação
da serotonina ou inibidores seletivos da recaptação da
noradrenalina e serotonina (os chamados inibidores duais).
No entanto, a despeito desta declaração, os dados parecem
ser insuficientes para que se possa dizer se esta combinação,
de fato, aumenta o risco da ocorrência desta síndrome.
PP
PP
P
alavrasalavras
alavrasalavras
alavras
--
--
-
chaves:chaves:
chaves:chaves:
chaves: Síndrome serotoninérgica; Toxicidade;
Interaçõoes farmacolóogicas; Triptanas; Inibidores da
receptação da serotonina; Inibidores da recaptação
adrenérgica; Agonistas dos receptores serotonérgicos
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
Serotonin syndrome (SS) is a potentially life-threatening adverse
drug reaction that can result from interaction between two or
more serotoninergic drugs and even from the use of a single
serotoninergic drug. This condition is an acute toxic reaction
to substances that enhance serotoninergic activity at certain
synapses either within the central or the periphery. Clinical
features of SS consist of the triad: altered mental status,
autonomic hyperactivity and neuromuscular abnormalities. The
severity of SS cases ranges from mild to fatal. This syndrome
has a rapid onset and, in most of the cases, is a self-limiting
condition that improves on cessation of the offending drugs.
In 2006, US Food and Drug Administration (FDA) issued an
alert about the presumptive ocurrence of SS with combined
use of triptans and selective serotonin re-uptake inhibitors or
selective serotonin/norepinephrine re-uptake inhibitors (The
so called dual selective inhibitors). Nonetheless, despite this
statement, insufficient data are available to judge whether this
combination actually increases the risk of serotonin syndrome.
KK
KK
K
eywords:eywords:
eywords:eywords:
eywords: Serotonin syndrome; toxicity, drug interactions;
triptans; serotonin reuptake inhibitors; adrenergic reuptake
inhibitors, serotonin receptors agonists.
INTRODUÇÃO
A síndrome serotoninérgica (SS), também conhecida
como toxicidade serotoninérgica, é uma condição
formada por uma constelação de manifestações clíni-
cas, decorrentes do aumento da atividade serotoni-
nérgica ao nível do sistema nervoso, central e periférico.
Esta, por sua vez, é consequência da ação combinada
(ou até mesmo isolada) de drogas que aumentam,
através de mecanismos e sítios diferentes, o tônus seroto-
ninérgico.
(1)
É muito importante salientar que a SS não é
uma condição idiopática ou idiossincrásica, mas sim
previsível, mesmo que inevitável.
(2-5)
A SS é definida como
Headache Medicine, v.4, n.1, p.20-24, Jan./Feb./Mar. 2013 21
uma tríade formada por alterações do estado mental,
sinais de hiperatividade autonômica e anormalidades
neuromusculares, porém nem sempre todas estas altera-
ções estão presentes.
(2,6)
A síndrome serotoninérgica pode
ocorrer como uma reação adversa a doses terapêuticas
ou excessivas de uma droga, bem como pela combi-
nação de drogas serotoninérgicas, também em doses
habituais ou excessivas.
(1)
Outro aspecto importante a ser
salientado é que mais de 85% dos médicos desconhecem
esta síndrome.
(2,6)
A incidência da SS reflete o crescente número de
agentes serotoninérgicos na prática médica diária. Em
2002, o Toxic Exposure Surveillance System reportou
26.733 casos de exposição aos inibidores seletivos da
recaptação da serotonina (ISRSs) que causaram efeito
tóxico significativo em 7.349 pacientes, resultando em
93 mortes.
(2)
A SS ocorre entre 14% e 16% das pessoas
que fazem uso dos ISRS, de modo que este grupo de
medicamentos parece ser o mais comumente implicado
nesta síndrome.
(1,2)
Em relação à idade, esta condição
pode afligir pacientes de todas as idades, incluindo
idosos e crianças.
(2)
DROGAS ENVOLVIDAS NA SÍNDROME
SEROTONINÉRGICA
Existem vários fármacos que, agindo em diferentes
sítios ou por diferentes mecanismos, podem causar a
síndrome serotoninérgica: L-triptofano, lítio, inibidores
seletivos da recaptação da serotonina ou de ação dual,
antidepressivos tricíclicos, medicamentos redutores de
peso, selegilina, tramadol, inibidores da enzima mono-
aminoxidade (IMAOs) e hipericum perfuratum, conhecida
também como "erva de São João".
(1,2,3,7)
Ao que parece,
a buspirona, a bromocriptina e o LSD não estão
envolvidos na SS.
(5)
FISIOPATOLOGIA
A fisiopatologia da síndrome serotoninérgica ainda
não está totalmente compreendida. A serotonina (5-
hidroxitriptamina) é uma monoamina encontrada no
sistema nervoso central, plaquetas e, principalmente, nos
intestinos (vem daí a denominação enteramina), sendo
sintetizada a partir do aminoácido L-triptofano e cata-
bolizada pela enzima monoaminoxidase.
(4,8)
A serotonina
age tanto perifericamente, sobre os vasos e músculos,
regulando o tônus vascular e a motilidade gastrointestinal,
como de forma central, influenciando a percepção da
dor, o humor, o comportamento afetivo e o sono.
(2,4)
Até
o momento, conhecemos sete tipos de receptores seroto-
ninérgicos, com seus respectivos subtipos. O papel de
muito deles não está totalmente esclarecido, mas há fortes
evidências de que os receptores 5-HT2A estão implicados
no desencadeamento da SS.
(1-4,6)
É provável, por outro
lado, que não haja participação dos receptores 5-HT1A
no seu desencadeamento.
(5)
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
O quadro clínico da síndrome serotoninérgica
repousa-se sobre três pilares, quais sejam, a alteração
do estado mental, anormalidades neuromusculares e
hiperatividade autonômica.
(1,2)
Os achados estatistica-
mente mais associados à SS são primariamente as
manifestações neuromusculares, como clônus ocular,
clônus muscular (espontâneo ou induzido), hipertonia
muscular e hiperreflexia osteotendinosa profunda.
(1,2)
Geralmente, o aumento dos reflexos tendinosos e o clônus
muscular são mais acentuados nos membros inferiores.
(1,2)
Dentre as manifestações autonômicas, as mais encon-
tradas são a taquicardia, a midríase e a diaforese; e
dentre as alterações do estado mental, são encontradas
a agitação e o delirium.
(2)
A hipertermia (>38 graus),
que é consequência da hipertonia muscular, não está
fortemente associada à SS, mas a sua presença denota
os casos mais severos.
(2)
O início das manifestações geral-
mente é rápido, sendo que em torno de 60% dos casos
os sintomas surgem entre seis e oito horas após o início
(ou aumento da dose) da medicação envolvida ou o
acréscimo de uma segunda droga serotoninérgica.
(2,3)
DIAGNÓSTICO
Diante de um caso suspeito, é fundamental fazer
um rápido levantamento sobre os medicamentos utiliza-
dos pelo paciente, e também se foi introduzido um novo
fármaco. Desta forma, ao abordarmos um paciente que
se apresenta agitado, sudoreico, taquicárdico, com
pupilas midriáticas, e, principalmente com hipertonia
muscular, clônus muscular e aumento dos reflexos
ostendinosos profundos, há que considerar o diagnóstico
da síndrome serotoninéergica. Lembramos que o clônus
talvez seja o achado mais importante, e que a
hipertermia, quando ocorre, indica os casos mais
graves.
(2)
Os exames complementares não confirmam
o diagnóstico da síndrome serotoninérgica, mas sim as
suas complicações.
(2,3)
SÍNDROME SEROTONINÉRGICA E AS TRIPTANAS
22 Headache Medicine, v.4, n.1, p.20-24, Jan./Feb./Mar. 2013
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
Os critérios de Hunter apresentam maior sensibi-
lidade e especificidade, sendo, portanto, os mais
recomendados.
(1-3)
Por outro lado, oss critérios de
Sternbach apresentam sensibilidade e especificidade
menores, podendo excluir assim, os casos leves ou de
evolução subaguda.
(1-3)
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Dentre várias condições incluídas no diagnóstico
diferencial da SS, a síndrome anticolinérgica, a síndrome
neuroléptica maligna e a hipertermia maligna figuram-
se como as mais importantes.
(1-3)
Outra condição de rara
ocorrência, mas vque pode colocar a vida do paciente
em risco, é a síndrome decorrente da retirada do baclofen,
a qual se caracteriza por aumento de temperatura,
instabilidade autonômica, espasmo e rigidez musculares.
Esta síndrome apresenta boa resposta aos antagonistas
dos receptores 5-HT2A, como a ciproheptadina.
(1)
TRATAMENTO
Com finalidade terapêutica, podemos dividir a
síndrome serotoninérgica (SS) em três graus de seve-
ridade:
(1-3)
Síndrome serotoninégica com manifestaçõesSíndrome serotoninégica com manifestações
Síndrome serotoninégica com manifestaçõesSíndrome serotoninégica com manifestações
Síndrome serotoninégica com manifestações
levesleves
levesleves
leves: este quadro geralmente decorre de uma reação
adversa a uma única droga usada em doses terapêuticas.
Os sintomas e sinais desaparecem assim que a medica-
ção envolvida é retirada. Neste caso, além da moni-
torização do paciente, são indicados os benzo-
diazepínicos;
Síndrome serotoninégica com manifestaçõesSíndrome serotoninégica com manifestações
Síndrome serotoninégica com manifestaçõesSíndrome serotoninégica com manifestações
Síndrome serotoninégica com manifestações
moderadasmoderadas
moderadasmoderadas
moderadas: geralmente decorre do uso excessivo de
uma única droga, sendo que nestes casos, a cipro-
heptadina (antagonista dos receptores 5-HT2A) pode ser
indicada.
Síndrome serotoninégica com manifestaçõesSíndrome serotoninégica com manifestações
Síndrome serotoninégica com manifestaçõesSíndrome serotoninégica com manifestações
Síndrome serotoninégica com manifestações
graves (crise serotoninérgica)graves (crise serotoninérgica)
graves (crise serotoninérgica)graves (crise serotoninérgica)
graves (crise serotoninérgica): geralmente este
quadro surge em decorrência da combinação de drogas
serotoninérgicas que agem em sítios diferentes (ISRS +
IMAO). Neste caso, em decorrência da hipertonia mus-
cular, ocorre acentuada hipertermia (temperatura acima
de 41 graus), podendo consequentemente ocorrer rabdo-
miólise, insuficiência renal e coagulação intravascular
disseminada. Este quadro configura, portanto, uma
emergência médica, sendo necessárias medidas urgentes
e mais agressivas como sedação, relaxamento muscular,
intubação e o resfriamento corporal. Como a hipertermia
é decorrente da rigidez muscular, e não de alteração
hipotalâmica, os medicamentos antipiréticos são inefi-
cazes. A mortalidade varia de 2% a 12%.
Com o tratamento adequado, o quadro clínico é
revertido dentro de 24 horas em 60% dos pacientes, mas
quando a SS decorre de drogas de meia-vida longa, os
sinais e sintomas podem permanecer por mais tempo.
(7)
DISCUSSÃO
Há quase 50 anos a serotonina tem sido implicada
na fisiopatologia da enxaqueca, embora o seu meca-
nismo ainda não tenha sido totalmente elucidado. A
hipótese de que pacientes migranosos apresentam
cronicamente baixos níveis de serotonina é sustentada
há muito tempo.
(8)
Existe uma anormalidade da atividade
serotoninérgica na enxaqueca e na depressão, e os
medicamentos que modificam esta atividade podem ser
efetivos nestas duas moléstias, ou seja, as triptanas e os
antidepressivos. Portanto, não é surpreendente saber que
portadores de enxaqueca fazem uso combinado destes
fármacos.
(7,9)
Em julho de 2006, o FDA emitiu um alerta, sugerindo
que a combinação de uma triptana com antidepressivos
de ação dual ou inibidores seletivos de recepção da
serotonina (ISRSs) aumentaria o risco de ocorrência da
síndrome serotoninérgica. Foram citados 29 casos e
posteriormente, mais onze casos foram reportados ao
FDA, todos com nível de evidência IV.
(7)
Dentre os 29
casos citados pelo FDA, apenas um terço preencheu os
critérios de Sternbach e nenhum deles preencheu os
critérios de Hunter.
(7,9,11,12)
Durante o período de 2003 a
2004, 3.874.367 pacientes fizeram uso de triptanas,
50.402.149 usaram ISRSs ou antidepressivos de ação
dual e 694.276 usaram simultaneamente estes fárma-
cos.
(12)
Estima-se que a incidência anual da SS decorrente
do uso combinado de triptanas e ISRS seja de <0,03%,
sendo a dos casos que podem colocar a vida do
paciente em risco <0,002%.
(11)
Portanto, a incidência dos
casos de SS decorrentes do uso combinado de uma
triptana e um ISRS seria menor que a dos casos decorrentes
do uso isolado deste antidepressivo.
(11)
Mas, será que o uso das triptanas aumenta o risco
de ocorrência da síndrome serotoninérgica? No relato
de onze casos de suposta SS decorrente do uso de
triptanas, os autores não detalharam os casos, nem
citaram se eles preencheram os critérios de Sternbach ou
ALMEIDA RF, KOWACS F
Headache Medicine, v.4, n.1, p.20-24, Jan./Feb./Mar. 2013 23
de Hunter.
(7)
Por outro lado, esta síndrome pode ocorrer
quando os ISRSs são usados isoladamente.
(11)
Acredita-
se que a síndrome serotoninérgica seja devida a estimu-
lação dos receptores 5-HT2A, sendo pouco provável a
participação dos receptores 5-HT1A.
(5)
Por outro lado,
as triptanas são agonistas dos receptores 5-HT1B,
5-HT1D e 5-HT1F, possuindo alta afinidade por estes
receptores, e baixa afinidade pelos receptores 5-HT1A.
(7)
As triptanas não apresentam atividade farmacológica
sobre os receptores 5-HT2A, se usadas em doses indica-
das para o uso clínico.
(6,11)
Portanto, se esta síndrome
decorre da ativação excessiva dos receptores 5-HT2A, a
adição das triptanas não aumentaria o risco.
(11)
Em um grupo de 1.874 pacientes que fizeram uso
combinado de sumatriptana subcutâneo e ISRS, nenhum
caso de síndrome serotoninérgica foi relatado.
(11)
Em doze
pacientes que usaram concomitantemente paroxetina e
rizatriptana, também nenhum caso de SS foi relatado,
sendo que o mesmo ocorreu em 16 pacientes que usaram
zolmitriptana e fluoxetina.
(11)
Mathew e colaboradores
(13)
relataram seis pacientes
migranosos que teriam desenvolvido suposta síndrome
serotoninérgica, sendo que cinco faziam uso combinado
de sumaptriptana ou diidroergotamina com drogas
serotoninérgicas, porém sem preencher os critérios de
Hunter.
(5)
No Brasil, Kavazzalli e Grezesuik
(14)
relataram, em
1999, o primeiro caso de síndrome serotoninérgica
desencadeada pelo uso isolado de paroxetina, e em
dose terapêutica (20 mg/dia). No Canadá, Franck
também relatou um caso se SS atribuída ao uso de dose
terapêutica de paroxetina em um paciente masculino de
80 anos de idade.
(3)
Bonetto e colaboradores
(15)
relataram um caso de
síndrome serotoninérgica acompanhada de crises con-
vulsivas e rabdomiólise induzidas pelo uso concomitante
de fluoxetina (60 mg/dia), Hypericum perfuratum ("erva
de São João") e eletriptana, citando que crises epilépticas
poderiam ocorrer em casos severos. Em relação a esta
publicação, Evans posicionou-se da seguinte forma
(10)
:
"Eu li o artigo ‘Síndrome serotoninérgica e rabdomiólise
induzida pelo uso concomitante de triptanas, fluoxetina e
hypericum, por Bonetto et al, com preocupação…”
Acreditamos que Evans tinha razão para preocupar-se,
pois este relato gerou algumas dúvidas, e, além do mais,
as manifestações descritas não preenchiam os critérios
de Hunter, mais sensíveis e específicos que aqueles de
Sternbach.
(1-3)
CONCLUSÃO
A síndrome serotoninérgica provavelmente é uma
condição mais prevalente do que podemos imaginar,
uma vez que ela é desconhecida pela vasta maioria dos
médicos, não sendo, portanto, diagnosticada e repor-
tada. Os casos mais severos desta síndrome decorrem
da combinação de medicamentos que atuam em sítios
diversos, como os IMAOs e os ISRSs ou os antidepressivos
duais, levando a uma estimulação excessiva dos recep-
tores 5-HT2A.
Quanto às triptanas, não há dados suficientes para
que possamos julgar se estas drogas, agindo isolada-
mente, ou associadas aos ISRSs ou antidepressivos de
ação dual possam, de fato, desencadear a síndrome
serotoninérgica. Como concluiu John Rothrock, editor do
periódico Headache:
(9)
"Não obstante, o uso simultâneo
de antidepressivos e triptanas parece ser justificado sob o
ponto- de- vista clínico". Devido à seriedade desta síndro-
me, devemos ser prudentes e aguardar novos relatos.
Apesar de tudo, podemos concluir que, em relação ao
envolvimento das triptanas na síndrome serotoninérgica,
talvez haja "muita fumaça e pouco fogo".
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SÍNDROME SEROTONINÉRGICA E AS TRIPTANAS
24 Headache Medicine, v.4, n.1, p.20-24, Jan./Feb./Mar. 2013
Correspondence
Roldão Faleiro de AlmeidaRoldão Faleiro de Almeida
Roldão Faleiro de AlmeidaRoldão Faleiro de Almeida
Roldão Faleiro de Almeida
Rua Castelo de Guimarães, 471/401 - Bairro Castelo
31330-250 – Belo Horizonte, MG
E-mail: roldaoalmeida@ig.com.br
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ALMEIDA RF, KOWACS F
Headache Medicine, v.4, n.1, p.25-30, Jan./Feb./Mar. 2013 25
Comorbidades psiquiátricas em pacientes de
cefaleias primárias
Psychiatric comorbidities in patients with primary headache
VIEW AND REVIEWVIEW AND REVIEW
VIEW AND REVIEWVIEW AND REVIEW
VIEW AND REVIEW
Camila Cordeiro dos Santos
1
, Glauce Regina Lippi
2
1
Aluna do Programa de Mestrado em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), Recife - PE, Brasil. Núcleo de Neurociência - Departamento de Pós-Graduação Lato
Sensu, Faculdade de Ciências Humanas ESUDA, Recife - PE, Brasil
2
Aluna do Programa de Mestrado em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), Recife - PE, Brasil. Fonoaudióloga da Memóriativa, Ambulatório de
Neurologia Cognitiva e do Comportamento, Hospital Geral de Areias, Recife -PE, Brasil
Santos CC, Lippi GR. Comorbidades psiquiátricas em pacientes de cefaleias primárias.
Headache Medicine. 2013;4(1):25-30
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
O presente estudo buscou realizar uma revisão não
sistemática de publicações referentes à cefaleia e
comorbidades psiquiátricas. É constatado que a cefaleia
possui várias comorbidades, incluindo depressão e
ansiedade. Cerca de 30% de portadores de cefaleia
apresentam quadros depressivos e 60% apresentam
sintomatologia ansiosa. Acredita-se que a própria
fisiopatologia da cefaleia possa ser favorável ao
desenvolvimento dessas comorbidades. Além disso, o
desconforto e as dores causadas pela cefaleia que muitas
vezes limita o paciente no exercício de suas atividades diárias
também funcionem como fatores predisponentes a essas
comorbidades. Ressalta-se também a importância do
conhecimento adequado do médico sobre a sintomatologia
dessas comorbidades e que este facilite o diagnóstico e um
tratamento eficiente no controle e/ou remissão dos sintomas.
Neste contexto, o presente estudo busca oferecer informações
baseadas em estudos realizados com pacientes portadores
de cefaleia com o objetivo de descrever os tratamentos atuais
e novas descobertas a respeito da cefaleia, favorecendo assim
melhor compreensão da referida patologia bem como os
impactos causados por suas comorbidades, e estratégias
que possibilitem melhor qualidade de vida aos pacientes
que convivem com a cefaleia frequentemente.
PP
PP
P
alavrasalavras
alavrasalavras
alavras
--
--
-
chaves:chaves:
chaves:chaves:
chaves: Cefaleia; Comorbidade psiquiátrica;
Depressão
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
This study sought to conduct a non-systematic review of
publications related to headache and psychiatric comorbidity.
It is noted that headache has several comorbidities, including
depression and anxiety. About 30% of headache patients
have depression and 60% have anxiety symptoms. It is
believed that the pathophysiology of headache may be
conducive to the development of these comorbidities.
Furthermore, the discomfort and pain caused by headaches
that often limits the patient ability to perform activities of
daily living also act as predisposing factors for these
comorbidities. It is also emphasized the importance of
adequate knowledge about these symptoms and comorbidities
by the doctor in order to facilitate the diagnosis and offer
effective treatment in controlling and/or remission of the
symptoms. In this context, this study seeks to provide
information based on studies of headache patients in order
to describe the current treatments and new discoveries
concerning headache, thus promoting better understanding
of said pathology as well as the impacts of their comorbidities
and strategies that will enable better quality of life for patients
living with frequent headaches.
KK
KK
K
eywords:eywords:
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eywords: Headache, psychiatric comorbidity, depression
26 Headache Medicine, v.4, n.1, p.25-30, Jan./Feb./Mar. 2013
SANTOS CC, LIPPI GR
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, as doenças crônicas vêm desem-
penhando um grande papel em nossa sociedade,
acometendo não só idosos, mas também, jovens em
idade produtiva. Dentre as doenças crônicas mais
conhecidas, destaca-se a cefaleia, que embora, bem
estudada e conhecida, ainda hoje se faz presente na
vida de milhões de pessoas exercendo seu impacto na
qualidade de vida das pessoas acometidas.
Recentes estudos apontam que muitos pacientes com
cefaleia apresentam diversos sintomas psicopatológicos
quando comparados com a população sem cefaleia.
Sua prevalência é alarmante, acometendo homens e
mulheres de diversas idades e classes sociais, sendo
mais prevalente, porém, em mulheres.
Resultados obtidos em pesquisas demonstram que
pacientes com cefaleia são mais suscetíveis a apre-
sentarem sintomatologia ansiosa e depressiva. Estudiosos
referem que a própria fisiopatologia da cefaleia pode
estar relacionada ao surgimento dos sintomas depres-
sivos e ansiosos, além da própria qualidade de vida
que se mostra comprometida, principalmente nas esferas
sociais e ocupacionais, restringindo cada vez mais as
atividades cotidianas dos sujeitos.
Isso nos leva a inferir que, assim como a cefaleia,
suas comorbidades como depressão e ansiedade,
também precisam ser tratadas adequadamente, uma
vez que estas patologias também interferem na funcio-
nalidade do sujeito em seu meio. A negligência no
tratamento dessas desordens psíquicas pode contribuir
para uma má qualidade de vida dos pacientes acome-
tidos.
Este estudo tem como objetivo descrever a asso-
ciação da cefaleia com a depressão e ansiedade,
baseado nos resultados de pesquisas atuais e sugerir
métodos de tratamentos adequados e eficazes com o
objetivo de promover a saúde e qualidade de vida dos
pacientes em questão.
CEFALEIA E COMORBIDADE PSIQUIÁTRICA
Cefaleia é um termo médico utilizado para designar
a dor de cabeça. É uma das principais queixas atuais
nos consultórios médicos. Muitos desses pacientes são
tratados farmacologicamente, contudo, boa parte desses
fármacos possuem efeitos indesejáveis que aumentam
quando utilizados em longo prazo, interferindo nas esferas
emocionais, cognitivas e comportamentais.
(1,2)
O
conhecimento adequado da fisiopatologia do tipo da
cefaleia em questão oferece subsídios importantes para
o médico prescrever o medicamento apropriado para
cada tipo de paciente, evitando então efeitos colaterais
desnecessários e auxilie na promoção da qualidade
de vida do mesmo.
(2)
As cefaleias podem ser classificadas em primárias
ou secundárias. Quando falamos em cefaleia primária,
nos referimos àquelas cefaleias que ocorrem sem uma
doença de base, como por exemplo: cefaleia tensional,
cefaleia em salvas, migrânea, entre outras. As cefaleias
secundárias correspondem às cefaleias que ocorrem
devido a uma condição clínica anterior à cefaleia, como
tumores cerebrais, acidente vascular cerebral, hidro-
cefalia, traumatismo craniano, etc.
(3,4)
Estudos populacionais indicam uma prevalência de
10% a 15%, podendo variar de acordo com a popu-
lação estudada de pacientes portadores de migrânea,
a mais conhecida e mais estudada cefaleia primária,
embora estudos com a população brasileira sejam
relativamente poucos quando comparados a publi-
cações internacionais; acredita-se que a prevalência da
migrânea seja semelhante a dados americanos. Afeta
três vezes mais mulheres do que homens e apresenta-se
mais frequente entre os 25-34 anos em mulheres e 55-
64 anos nos homens.
(5)
A cefaleia apresenta etiologia multifatorial. É
possível verificar que alguns casos de cefaleia apre-
sentam alterações estruturais nervosas e extranervosas,
sistêmicas ou quadros disfuncionais.
(3,6)
Seu diagnóstico
é realizado após criteriosa avaliação clínica, histórico
familiar, uma vez que observa-se alta incidência de
migrânea em pessoas cujo histórico familiar é positivo
para a patologia em cerca de 55%. Exames de imagem,
como, por exemplo, tomografia e/ou ressonância mag-
nética de crânio, exames laboratoriais com análise do
líquor e sangue, entre outros, a fim de auxiliar o diag-
nóstico diferencial e excluir doenças que possam
produzir sintomatologia semelhante, como também para
verificar se a cefaleia é subjacente a uma condição
clínica pré-existente, que neste caso se configuraria como
uma cefaleia secundária.
(6)
Comorbidade é um termo que se refere a condições
clínicas distintas em um mesmo paciente. Esta associação
ocorre de forma provavelmente não causal, entre uma
doença inicial e uma ou mais doenças físicas ou
psicológicas. O termo comorbidity foi cunhado por
Feinstein em 1970 para definir a coexistência de mais
de uma condição mórbida numa mesma pessoa.
Headache Medicine, v.4, n.1, p.25-30, Jan./Feb./Mar. 2013 27
Muitas vezes, entretanto, há o desconhecimento de
possíveis comorbidades, podendo levar ao erro na
identificação de uma afecção e as características de
uma outra subjacente, porém ignorada. A importância
em observar essas possíveis comorbidades reside no
fato de que as mesmas dificultem o diagnóstico e
posteriormente o tratamento.
(7)
Baseado em estudos clínicos e observações,
conclui-se que pacientes com migrânea têm cerca de
cinco vezes mais chances de apresentar comorbidades
quando comparados a sujeitos controles.
(8)
Abaixo, o
Quadro 1 demonstra as comorbidades mais frequentes
em migrânea, vale ressaltar que o mesmo encontra-se
ainda em crescimento, relacionando-se a doenças
neurológicas, psiquiátricas e sistêmicas.
(9,10)
Em determinada revisão, o autor destaca as dificul-
dades e limitações que os estudos retrospectivos apre-
sentam em relação ao estudo das comorbidades em
migrânea, dentre as quais enfatiza o pequeno tamanho
de amostras, a qualidade (representa apenas uma parte
da população) e muitas vezes a inexistência de um grupo
controle para verificação e comparação dos dados.
(12)
O mesmo autor ainda refere que muitos estudos
foram realizados antes da classificação da International
Headache Society com sua primeira edição em 1988,
posteriormente reclassificada em 2004, o que dificulta
muitas vezes uma compreensão e diagnóstico mais claro
devido a grande variabilidade das definições de migrâ-
nea empregadas.
(12)
Os estudos sobre a prevalência e incidência dos
transtornos podem ser realizados em populações gerais
e clínicas. Estudos populacionais apresentam vieses de
seleção diminuídos, entretanto, estudos em populações
clínicas podem reforçar os dados obtidos e auxiliar no
monitoramento do curso evolutivo, bem como as
comorbidades e ainda verificar a eficácia do tratamento.
As comorbidades entre as patologias podem
apresentar-se de forma uni ou bidirecional, como no caso
da depressão que aumenta o risco do surgimento da
migrânea, e esta o risco da depressão, sugerindo,
portanto, partilharem de uma etiologia em comum, alguns
autores enfatizam que a hipofunção das atividades
serotoninérgicas seria uma possibilidade etiológica em
comum.
(13)
Estudos sobre epilepsia por sua vez,
demonstram que a aparecimento da migrânea, facilitaria
o surgimento da epilepsia e vice-versa apontando fatores
genéticos e provavelmente a excitabilidade neuronal
como sendo responsáveis pela etiologia.
(12)
O tratamento da migrânea é geralmente influ-
enciado pelas comorbidades apresentadas contribuindo
para uma resposta mais fraca ao tratamento. Acredita-
se que as comorbidades podem representar oportu-
nidades, quando uma única medicação pode ser eficiente
para ambas, ou limitações, quando a medicação pode
ser útil em uma doença e contra-indicada para outra.
Sobretudo, o erro muitas vezes ressalta numa má obser-
vação do quadro clínico, sua evolução e no desco-
nhecimento de comorbidades, o que dificultaria um diag-
nóstico correto.
(7)
CEFALEIA, DEPRESSÃO E ANSIEDADE
Wolf, em 1937 realizou um dos primeiros estudos
que demonstravam uma associação entre cefaleias e
Essas afeccoes secundárias podem aparecer como
um transtorno (alterações comportamentais e psicológicas)
e/ou doença (entidades clínicas definidas).
Comorbidades podem existir entre transtornos de
grupos diagnósticos diferenciados, como por exemplo,
depressão e migrânea, ou entre transtornos do mesmo
grupo, no caso, depressão e distimia. A análise cuida-
dosa permite o estudo da etiologia, evolução e prog-
nóstico do quadro apresentado, fornecendo subsídios
importantes para o auxílio na prescrição do tratamento
adequado.
(11)
Outro fato que vale a pena ser ressaltado é o
impacto na qualidade de vida que pessoas portadoras
de migrânea e comorbidades exercem sobre o
paciente. Estudos demonstram que pacientes
migranosos possuem um custo de assistência médica
60% maior do que os não migranosos, sugerindo que
as comorbidades possivelmente seriam responsáveis
por este aumento.
(8)
As comorbidades, de acordo com
os estudiosos exerceriam um aumento em cerca de
33%, comprometendo significativamente a qualidade
de vida dos pacientes .
COMORBIDADES PSIQUIÁTRICAS EM PACIENTES DE CEFALEIAS PRIMÁRIAS
28 Headache Medicine, v.4, n.1, p.25-30, Jan./Feb./Mar. 2013
SANTOS CC, LIPPI GR
transtornos psiquiátrico, no qual denominou o termo
personalidade migranosa para caracterizar pacientes
migranosos que apresentavam comportamentos perfec-
cionistas, obsessivos, e de personalidade inflexível.
(14)
Embora não mais utilizado, este termo deu início a uma
vasta investigação posteriormente entre a correlação de
cefaleias e quadros psiquiátricos.
A maioria das características psicológicas apre-
sentadas pelos pacientes migranosos pode ser melhores
definidas como sintomas psicopatológicos ao invés de
traços de personalidade.
(15)
Estudos apontam que em
pacientes com quadros intensos de cefaleia, apresentavam
altos níveis de comorbidade psiquiátrica.
(16-19)
Em estudos
com familiares, foram encontrados não apenas grande
associação positiva para migrânea entre familiares como
também a depressão foi fortemente relacionada, diferen-
temente dos achados em grupos de pessoas sadias.
(15)
Estudos em crianças e adolescentes identificaram
sinais de instabilidade emocional, imaturidade mental,
ansiedade e depressão quando comparadas a grupos
controles. Estudos com jovens adultos conseguiram
replicar os mesmos achados, sobretudo os transtornos
psiquiátricos.
(20)
Pesquisas recentes referem que a cefaleia apresenta-
se duas vezes mais frequentes em adolescentes com
depressão, e que o surgimento da depressão maior na
adolescência era preditiva de cefaleia em adultos jovens
conforme os critérios diagnósticos do DSM IV (Diagnostic
and Statistical Manual of Mental Disorders, 1994). Abaixo
o quadro com os critérios da referida classificação, para
o diagnóstico de depressão é necessário que cinco dos
sintomas listados deva estar presentes, dentre os quais o
estado deprimido ou falta de motivação deva estar
presente há pelo menos duas semanas.
Atualmente acredita-se que pacientes com migrânea
apresentam o risco de 30% a mais de desenvolverem
depressão do que pessoas sem migrânea (10%), enfa-
tizando que pacientes migranosos tem o risco três vezes
maior de apresentar depressão do que os não migra-
nosos, através de estudos populacionais, a associação
entre a depressão e migrânea encontra-se bem estabe-
lecida, o que foi replicado em estudos clínicos e epide-
miológicos, possuindo prevalências semelhantes em
migrânea (mulheres 24%, homens 9%) e depressão maior
(mulheres 24% e homens 13%).
(15,16,21)
Estudos referem o grande sofrimento vivenciado por
pacientes deprimidos, seja pelos seus sintomas, como
também pelo prejuízo causado pela depressão. Em muitos
casos é possível observar alterações em sua dinâmica
social e laboral.
(22,23)
Percebe-se que apesar de poder
acometer indivíduos nas mais variadas faixas etárias, a
depressão é mais prevalente em idades médias, nas quais
os indivíduos, estudam, trabalham e formam novos
grupos familiares, devido a isto, muitas vezes o impacto
causado pela depressão em seu cotidiano e qualidade
de vida assume dimensões imensas.
(23,24)
O diagnóstico da depressão pode ser auxiliado
através da utilização de escalas e inventários como os
de Beck (BDI), Montgomery-Asberg e Hamilton, escalas
muito utilizadas em estudos clínicos e epidemiológicos,
possuindo grande sensibilidade para a depressão.
(25)
Em relação à ansiedade, percebemos uma alta
prevalência em pessoas com cefaleia, principalmente em
pacientes com cefaleia do tipo tensional crônica, cefaleia
mista e cefaleia por abuso de analgésicos.
(26)
A ansiedade é considerada um transtorno com sinais
e sintomas bem definidos. Em portadores de cefaleia, a
ansiedade possui a alarmante prevalência de 60%, os
dados são baseados em estudos realizados com o
Inventário de ansiedade de Beck, entre outras escalas.
(27,28)
Muitos pacientes referem grande receio ansiogênico
de serem portadores de doenças mais graves, como
tumores cerebrais ou doenças cerebrovasculares, isso
denota a importância de explicar ao paciente corre-
tamente a etiologia de sua dor, buscando inteirar o
paciente com a sua condição clínica real, eliminando
receios desnecessários, facilitando então a adesão ao
tratamento.
(27)
Acredita-se que a depressão e a ansiedade facilitem
as aferências dolorosas quando atuam em níveis centrais,
participando desta forma da patogênese da dor.
A prevalência de transtornos ansiosos é aumentada
em pacientes migranosos ao longo da vida quando estes
Headache Medicine, v.4, n.1, p.25-30, Jan./Feb./Mar. 2013 29
são comparados a sujeitos controles. Foram observadas
as seguintes proporções: transtorno de pânico (10,9%
vs. 1,8%), transtorno de ansiedade generalizada (10,2%
vs. 1,9%), transtorno obsessivo compulsivo (8,6% vs. 1,8%)
e transtornos fóbicos (39,8% vs. 20,6%). Foi constatado
em um dos estudos sobre comorbidades em cefaleia que
pacientes migranosos com aura tinham a prevalência mais
aumentada a vários transtornos de ansiedade enquanto
que pacientes migranosos sem aura, possuíam maior
prevalência em transtorno de pânico e transtornos
fóbicos.
(29-31
O mesmo autor percebeu em suas amostras longi-
tudinais que a ansiedade precedia a idade de início da
migrânea e esta era seguida pela depressão, com isto,
sugeriu uma relação sindrômica entre essas patologias,
iniciando com a ansiedade, seguida da migrânea e
posteriormente episódios depressivos.
(29,30)
Esses achados nos levam a repensar a migrânea e
seu impacto na qualidade de vida dos sujeitos acome-
tidos, ressaltando a importância da compreensão dessas
patologias como entidades clínicas diferenciadas, porém
podem aparecer num mesmo paciente simultaneamente
ou separadamente ao longo de sua vida. O conhe-
cimento dos sintomas auxiliaria a médico na prescrição
do tratamento adequado e individualizado com a fina-
lidade de obter a remissão ou controle dos sintomas
evitando recidivas, oferecendo portanto melhor qualidade
de vida. Desconhecer essas e outras comorbidades
poderia indicar insucesso no tratamento.
(32)
TRATAMENTOS
As crises apresentadas pelos pacientes podem ser
incapacitantes, impedindo-os muitas vezes de realizarem
suas atividades cotidianas, devido à dor e o desconforto
sentidos, sobretudo quando a cefaleia apresenta comor-
bidades, muitas vezes favorecidas pelas dificuldades nas
relações laborais, pessoais e sociais apresentadas por
esses pacientes. É importante o conhecimento do médico
sobre as patologias para que então possa ajudar o
paciente em suas dificuldade e limitações. Sabe-se que
as crises migranosas associadas ou não a comorbidades
psiquiátricas podem ser desencadeadas por fatores
internos e externos, por isto faz-se necessário o
conhecimento da fisiopatologia da mesma.
O tratamento a ser implantado deverá ser funda-
mentado na história clínica do paciente, levando em
consideração as comorbidades e efeitos indesejáveis que
possam surgir.
Em pacientes que apresentam depressão e migrâ-
nea, se não houver a possibilidade de tratar simulta-
neamente as duas patologias, é interessante priorizar a
que cause mais sofrimento ao paciente. Alguns estudos
referem que antidepressivos tricíclicos podem ser eficientes
na profilaxia da migrânea em pequenas doses. Embora
seja útil no controle dos sintomas ansiosos, para o controle
da depressão é necessário doses mais altas, o que
poderia acarretar alguns sintomas indesejáveis. Os inibi-
dores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) por
sua vez, auxiliariam no bem-estar do paciente, entretanto,
estudos sobre os ISRS na profilaxia da migrânea ainda
são poucos.
(33)
Atualmente, muitos médicos vêm receitando o uso
do topiramato, obtendo ótimos resultados, porém poucos
estudos descrevem melhora no controle da depressão.
Fármacos como a lamotrigina e carbonato de lítio,
também se mostraram muito eficientes na estabilização
do humor e no controle das crises migranosas, assim como
o valproato de sódio.
(34)
Os betabloqueadores por sua vez, são contra-
indicados em pacientes com história de depressão, por
induzirem sintomatologia depressiva.
Levando em consideração que dependendo do
histórico clínico do paciente algumas vezes a
politerapia é contraindicada, é importante optar por
medicamentos que ofereçam boa relação entre
eficácia terapêutica e efeitos colaterais, esclarecendo
ao paciente sobre os possíveis efeitos indesejáveis que
possam surgir, evitando assim o abandono do
tratamento pelo paciente.
O tratamento não medicamentoso baseia-se na
reeducação do paciente, no esclarecimento da doença,
como sendo fundamentalmente biológica e muitas vezes
hereditária, informando a importância de evitar fatores
desencadeantes e/ou agravantes como por exemplo
alimentação e hábitos de vida em alguns casos,
facilitando e motivando então a adesão ao tratamento
por parte do paciente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A hipótese de que a fisiopatologia das cefaleias
poderia contribuir para o surgimento e evolução de
sintomatologia depressiva e ansiosa, bem como as
limitações e dificuldades apresentadas pelos pacientes
devidos as dores e impacto na vida cotidiana, foram
confirmadas através do levantamento de vários autores
apresentados.
COMORBIDADES PSIQUIÁTRICAS EM PACIENTES DE CEFALEIAS PRIMÁRIAS
30 Headache Medicine, v.4, n.1, p.25-30, Jan./Feb./Mar. 2013
Correspondence
Camila Cordeiro dos SantosCamila Cordeiro dos Santos
Camila Cordeiro dos SantosCamila Cordeiro dos Santos
Camila Cordeiro dos Santos
Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária
50670-901 – Recife, PE
Fone PABX: (81) 2126.8000
camilachristielly@hotmail.com
O presente estudo teve como pretensão oferecer
informações baseadas em recentes estudos publicados
na área de cefaleias e comorbidades psiquiátricas,
ressaltando a importância do conhecimento do
profissional de saúde sobre o tema, favorecendo sua
prática e eficiência no tratamento, além da adesão do
paciente, auxiliando então, a promoção da sua
qualidade de vida.
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SANTOS CC, LIPPI GR
Headache Medicine, v.4, n.1, p.31-35, Jan./Feb./Mar. 2013 31
Protrusão da cabeça em adultos com cefaleia
Forward head in adults with headache
VIEW AND REVIEWVIEW AND REVIEW
VIEW AND REVIEWVIEW AND REVIEW
VIEW AND REVIEW
Gabriela Natália Ferracini
1
, José Geraldo Speciali
2
1
Fisioterapeuta, doutoranda da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP)
Ribeirão Preto, SP, Brasil
2
Professor Associado de Neurologia do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). Ribeirão Preto, SP, Brasil
Ferracini GN, Speciali JG. Protrusão da cabeça em adultos com cefaleia.
Headache Medicine. 2013;5(1):31-5
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
Justificativa e objetivos:Justificativa e objetivos:
Justificativa e objetivos:Justificativa e objetivos:
Justificativa e objetivos: Algumas disfunções musculo-
esqueléticas da região crânio-cervical, como protrusão da
cabeça, diminuição da mobilidade cervical e os pontos
gatilhos miofasciais, têm sido estudados nos indivíduos com
cefaleias. A protrusão da cabeça parece ser uma postura
antálgica e um fator perpetuador das cefaleias, e não um
fator causativo. O objetivo deste estudo foi revisar a literatura
as alterações posturais da coluna cervical e do posicionamento
do crânio em indivíduos com cefaleia.
Conteúdo:Conteúdo:
Conteúdo:Conteúdo:
Conteúdo: Conduziu-
se uma busca sistemática nos bancos de dados bibliográficos
Pubmed (National Library of Medicine) e Lilacs (Literatura
Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), para
identificar estudos científicos relevantes. Após análise de 51
artigos científicos encontrados, 8 preencheram os critérios
estabelecidos, sendo selecionados para essa revisão,
totalizando 314 indivíduos, 128 com diagnóstico de cefaleia
do tipo tensional crônica, 51 com cefaleia do tipo tensional
episódica, 20 com migrânea e 115 indivíduos sem cefaleia.
Conclusão:Conclusão:
Conclusão:Conclusão:
Conclusão: Os resultados dos estudos revisados sugerem
que os indivíduos com migrânea e cefaleia do tipo tensional
(episódica e crônica) apresentam mais protrusão da cabeça
do que os controles sem cefaleia.
PP
PP
P
alavrasalavras
alavrasalavras
alavras
--
--
-
chave:chave:
chave:chave:
chave: Cefaleia; Cefaleia tipo tensional; Postura;
Disfunção musculoesquelética
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
Background and objectives:Background and objectives:
Background and objectives:Background and objectives:
Background and objectives: Some musculoskeletal
disorders of the cranio-cervical region, as head protrusion,
decreased mobility and cervical myofascial trigger points, have
been studied in subjects with headache. The protrusion of the
head seems to be an antalgic posture and a factor perpetuating
the headache, not a causative factor. The aim of this study
was to review the literature regarding changes in the cervical
spine and skull positioning in patients with headache.
Content: Content:
Content: Content:
Content: We carried out a systematic search in bibliographic
databases PubMed (National Library of Medicine), and Lilacs
(Latin American and Caribbean Health Sciences) to identify
relevant scientific studies. After analysis, eight met the criteria
and were selected for this review, resulting in total of 51 papers,
only eight articles met all the selection criteria, totaling 314
individuals, 128 with a diagnosis of chronic tension-type
headache, 51 with headache episodic tension-type, 20 and
115 individuals with migraine without headache.
Conclusion:Conclusion:
Conclusion:Conclusion:
Conclusion: The results of these studies suggest that
individuals with migraine and tension-type headache (episodic
and chronic) have more protrusion of the head than the
controls without headache.
KK
KK
K
eywords:eywords:
eywords:eywords:
eywords: Headache; Tension-type headache; Posture;
Musculoskeletal dysfunction
INTRODUÇÃO
A cefaleia está entre os principais problemas de
saúde na população geral, gerando incapacidade e
diminuição da qualidade de vida.
(1)
Dentre os vários tipos
de cefaleia, a cefaleia do tipo tensional (CTT) é a mais
comum na população e mais frequente entre adultos,
com prevalência de 38,3% para cefaleia do tipo tensional
episódica (CTTE) e 2,2% para cefaleia do tipo tensional
crônica (CTTC),
(2)
enquanto que a prevalência da migrâ-
nea é de 16% na população mundial.
(1)
A CTTC difere-
32 Headache Medicine, v.4, n.1, p.31-35, Jan./Feb./Mar. 2013
FERRACINI GN, SPECIALI JG
se da CTTE não somente pela frequência, mas também
em relação à fisiopatologia, ao pior nível de incapa-
cidade, a falta de respostas aos tratamentos, a maior
uso de medicação analgésica e maior custo socio-
econômico.
(3)
A fisiopatologia das cefaleias do tipo tensional ainda
não está bem compreendida. Bendtsen
(4)
descreve que
mecanismos periféricos (sensibilidade miofascial das
estruturas periféricas) e centrais (sensibilização dos
neurônios supraespinhais e diminuição da atividade
antinociceptiva das estruturas supraespinhais) poderiam
explicar alguns dos sintomas das CTT.
Algumas disfunções musculoesqueléticas da região
crânio-cervical, como protrusão da cabeça, diminuição
da mobilidade cervical e a presença de pontos gatilhos
miofasciais (PGM),
(2)
têm sido estudadas nos indivíduos
com cefaleias. Estas disfunções foram observadas em
indivíduos com cefaleia tipo tensional episódica
(2,3
) e
crônica
(3,5,6,8-10)
e com migrânea.
(2)
Supõe-se que a dor
miofascial no segmento cefálico atua como estímulos
periféricos que facilitam a ativação do sistema trigeminal,
contribuindo para o aumento da frequência e intensidade
da dor.
(6)
A alteração postural mais frequentemente observada
nos indivíduos com cefaleia é a protrusão (anteriorização)
da cabeça
(3)
com rotação posterior do crânio em relação
à coluna cervical alta e fechamento do triângulo sub-
occipital, podendo gerar pontos miofasciais nos músculos
dessa região e presença de dor referida no segmento
cefálico.
Um melhor entendimento das disfunções musculo-
esqueléticas da região crânio-cervical pode prover mais
informações sobre a fisiopatologia da CTT e da cefaleia
cervicogênica especificamente, facilitando o desenvol-
vimento de novos programas de tratamentos por meio
da fisioterapia.
(5)
A associação entre a postura crânio-cervical e
cefaleia tem sido amplamente pesquisada e discutida
na literatura,
(2,3,5-10)
mas ainda os resultados são
inconclusivos. Alguns estudos
(2,3,5)
demonstraram que
indivíduos com cefaleia do tipo tensional episódica e/ou
crônica e migrânea apresentam alteração no posicio-
namento do crânio (aumento do ângulo crânio-cervical),
mas ainda nos questionamos se esta é uma postura
antálgica e também se é um fator perpetuador das
cefaleias. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi realizar
uma revisão de literatura observando o posicionamento
do crânio (protrusão da cabeça) em indivíduos com
cefaleia.
DESENVOLVIMENTO
Foi conduzida uma busca sistemática nos bancos
de dados bibliográficos Pubmed (National Library of
Medicine) e LILACS (Literatura Latino-Americana e do
Caribe em Ciências da Saúde), por um dos autores (GNF),
para identificar os estudos. Foram utilizadas as palavras-
chave: "protrusão da cabeça", combinado com "cefaleia",
"migrânea", "cefaleia cervicogênica", "cefaleia tipo
tensional".
Os artigos foram selecionados entre 1994 e 2012.
Foram incluídos os estudos clínicos, de coorte e casos
controlados que continham dados epidemiológicos das
amostras. Os artigos foram selecionados a partir das
informações contidas no título e resumo. Os dados
relevantes foram: o tipo de estudo, o perfil da amostra e
os métodos de avaliação postural. Os estudos possivel-
mente relevantes foram selecionados, seguindo os
seguintes critérios de inclusão:
Artigo completo em língua inglesa ou portuguesa
do Brasil.
Indivíduos com idade entre 18 e 60 anos.
Indivíduos com diagnóstico de uma das seguintes
cefaleias: migrânea, migrânea crônica, cefaleia tensional
episódica e crônica e cefaleia cervicogênica, seguindo
os critérios de 1998 e 2004 da Classificação Interna-
cional das Cefaleias
(11)
da Sociedade Internacional de
Cefaleia.
Utilizado a técnica de fotografia e/ou raios-X
como método de avaliação postural.
Excluíram-se os relatos de casos e revisão de
literatura.
RESULTADOS
A busca realizada resultou no total de 51 artigos
científicos. Destes, 15 foram selecionados como artigos
em potencial para o estudo, de acordo com as
informações constantes do título e/ou resumo. Oito
artigos preencheram todos os critérios de seleção,
totalizando 314 indivíduos, 128 com diagnóstico de
cefaleia do tipo tensional crônica, 51 com cefaleia do
tipo tensional episódica, 20 com migrânea e 115
indivíduos sem cefaleia. Dos artigos incluídos
inicialmente, dois foram descartados, por não
apresentarem os critérios utilizados para o diagnóstico
da cefaleia.
Todos os estudos identificaram estatisticamente que
os indivíduos com cefaleia (migrânea, CTTE e CTTC)
Headache Medicine, v.4, n.1, p.31-35, Jan./Feb./Mar. 2013 33
apresentam mais protrusão da cabeça do que os
indivíduos sem cefaleia. Todos os participantes foram
avaliados fora da crise de cefaleia e deveriam ter sofrido
a última crise há pelo menos uma semana.
Na tabela 1 estão apresentados os dados dos
estudos incluídos.
Para avaliação postural da coluna cervical, todos
os estudos
(2,3,6-10)
utilizaram a técnica de fotografia de
perfil. O método consistia em posicionar a base da
câmera na altura dos ombros dos indivíduos.
(2)
O trágus
e o processo espinhoso da sétima vértebra cervical (C7)
eram demarcados. Os indivíduos eram instruídos a
manter o olhar em um ponto a sua frente, a fim de
evitar uma flexão ou extensão da cabeça
(2)
e
fotografados em duas posições, sendo uma foto
sentada relaxadamente e uma em posição ortostática,
também relaxada. A partir dessas fotos era avaliado o
ângulo crânio-cervical (protrusão da cabeça) o que é
feito por meio do traçado de duas linhas, a primeira
horizontal, passando por C7, e a segunda ligando o
trágus ao processo espinhoso de C7 (Figura 1). Quanto
menor o ângulo, maior é a protrusão da cabeça.
(2)
Um
dos primeiros grandes estudos de análise postural data
de 1941, realizado por Cureton,
(12)
que avaliou a
posição dos ombros e da cabeça de adolescentes,
obtendo o valor médio de 53,6° (DP 6,4°) para o
ângulo crânio-cervical, o qual desde então é seguido
pelas pesquisas. Este modo de mensuração do ângulo
crânio cervical apresenta boa reprodutibilidade
(ICC=0,88).
(13)
PROTRUSÃO DA CABEÇA EM ADULTOS COM CEFALEIA
34 Headache Medicine, v.4, n.1, p.31-35, Jan./Feb./Mar. 2013
FERRACINI GN, SPECIALI JG
DISCUSSÃO
Nesta revisão foi observada que poucos estudos
abordam as alterações posturais cervicais em indivíduos
com cefaleia, e estes,
(3,5-10)
em sua maioria, limitaram-se
ao estudo da cefaleia do tipo tensional, apenas um
estudo
(2)
avaliou indivíduos com migrânea. Os indivíduos
com cefaleia cervicogênica parecem ter sido avaliados
em um estudo,
(14)
mas este não foi incluído nesta revisão,
por não apresentar claramente os critérios diagnósticos,
o que gerou dúvidas no diagnóstico diferencial entre
cefaleia do tipo tensional ou cervicogênica. Acredita-se
que isto tenha ocorrido devido a publicação ter sido em
1993, quando ainda não estavam claramente definidos
os critérios diagnósticos das cefaleias cervicogênicas pela
Sociedade Internacional de Cefaleia.
Em relação aos métodos de avaliação da postura
cervical, a inspeção visual é considerada o gold
standard.
(15)
A técnica de fotografia permite uma análise
quantitativa das alterações posturais, de forma não
invasiva e com baixo custo. Todos os estudos
(2,3,5-10)
utilizaram a técnica fotográfica para avaliação postural,
porém este método de avaliação não reproduz todas e
as reais curvaturas da coluna cervical,
(12)
devido às
influências dos tecidos. O melhor método é a radiografia,
pois abrange todos os ângulos, por outro lado, tem os
inconvenientes do custo mais elevado e da exposição
aos raios-x.
Na análise das oito publicações, sete
(2,3,5-7,9,10)
demons-
traram que os indivíduos com cefaleia apresentam mais
protrusão da cabeça do que os indivíduos sem cefaleia.
Apenas um estudo
(2)
avaliou indivíduos com migrâ-
nea, demonstrando que estes apresentaram maior
protrusão da cabeça, ou seja, um menor ângulo crânio-
cervical, do que os indivíduos sem cefaleia, em duas
posições (ortostática e sentada). Nenhuma diferença foi
encontrada entre os indivíduos com migrânea com e sem
aura ou aqueles que estavam em tratamento profilático
e os que não faziam uso de qualquer medicamento. E
ainda, não foi encontrada diferença entre os gêneros
em nenhum dos grupos.
Os estudos
(3,5,6,8-10)
que avaliaram indivíduos com
cefaleia do tipo tensional crônica e/ou episódica,
(2,7)
encontraram também um menor ângulo crânio-cervical,
ou seja, maior protrusão da cabeça do que os sem
cefaleia, na posição sentada. Um estudo
(9)
encontrou que
os indivíduos sem cefaleia apresentaram maior protrusão
da cabeça em pé comparada à posição sentada,
enquanto que nos com cefaleia não houve diferença.
Outra observação feita foi que a protrusão da
cabeça era maior quanto maior o tempo de início da
cefaleia.
(9)
Não é possível concluir se a protrusão da
cabeça está relacionada ao aumento da frequência,
intensidade e duração das crises de cefaleia. Dois
estudos
(5,10)
mostraram que a protrusão da cabeça foi
maior quanto maior a frequência e a duração da cefaleia.
Outro estudo
(8)
não demonstrou qualquer correlação entre
protrusão da cabeça e a frequência, intensidade e
duração das cefaleias nos indivíduos com cefaleia do
tipo tensional crônica.
A protrusão da cabeça parece estar associada com
a presença de pontos miofasciais tanto ativos como
latentes, nos músculos esternocleidomastoideos, escale-
nos, temporais, trapézio superior e os suboccipitais. Todos
os estudos
(2,3,5-10)
avaliaram a presença de pontos mio-
fasciais, conjuntamente com a avaliação da protrusão
da cabeça, e sete
(2,3,5-7,9-10)
encontraram que os indivíduos
com cefaleia (do tipo tensional episódica e crônica e
migrânea), que apresentam maior protrusão da cabeça,
possuem mais pontos miofasciais ativos nestes músculos,
principalmente nos músculos suboccipitais
(10)
do que os
indivíduos sem cefaleia.
Estes músculos, quando apresentam pontos mio-
fasciais, referem dor para a cabeça
(10)
e, dessa forma,
estes estímulos nociceptivos produzem uma aferência
contínua para o núcleo caudal do nervo trigeminal,
contribuindo na sensibilização, reforçando assim a hipótese
Figura 1 – Mensuração do ângulo crânio-cervical. O traçado é realizado
a partir de uma linha horizontal passando por C7 e outra ligando o
trágus.
Headache Medicine, v.4, n.1, p.31-35, Jan./Feb./Mar. 2013 35
de que os pontos miofasciais dos músculos da cabeça,
pescoço e ombros tem grande importância na etiologia
das CTT, especialmente os pontos ativos, que poderiam
ser causativos, mantenedores e perpetuadores das CTT.
(10)
Qualquer postura conjuntamente com uma contração
muscular prolongada pode causar disfunção na placa
motora e o desenvolvimento de pontos miofasciais, assim
as alterações da coluna cervical podem ser ativadores e
perpetuadores destes pontos.
(5)
E, por outro lado, o
encurtamento de um músculo devido à hiperatividade
de um ponto miofascial pode causar alterações posturais
e perpetuar a atividade do ponto.
(5)
Dentre os estudos selecionados foram obser-
vadas algumas limitações:
Estudos não encobertos e não controlados.
Incluídos somente pacientes com um diagnóstico
de cefaleia, não permitindo comparações entre os sub-
tipos de cefaleias.
Tamanho da amostra pequeno.
Centro de atendimento terciário.
Dos oito artigos selecionados para esta revisão,
sete
(2,3,5-7,9,10)
são do mesmo autor.
Os pacientes oriundos de ambulatórios terciários
geralmente apresentam um perfil diferente dos encon-
trados na população em geral no que diz respeito à sua
doença. Esses pacientes apresentam uma doença com
maior gravidade, além de complicações, refratariedade
a tratamentos instituídos e abuso de medicamentos.
CONCLUSÃO
De acordo com os estudos revisados, os indivíduos
com migrânea e cefaleia do tipo tensional (episódica e
crônica) apresentam mais protrusão da cabeça do que
os indivíduos sem cefaleia. Pelos artigos avaliados não
foi possível dizer se tal fato é causa de agravamento das
cefaleias ou, ao contrário, se pacientes com cefaleias
mais graves têm maior anteriorização do segmento
cefálico. Há necessidade da realização de estudos com
metodologia mais adequada, (duplo-cego por exemplo),
que utilizem diversos métodos de avaliação postural do
segmento cefálico e que avaliem a importância prática
desse conhecimento, na indicação de tratamentos não
medicamentosos, como por exemplo, os fisioterápicos.
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PP
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rofrof
rofrof
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. Dr. Dr
. Dr. Dr
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. José Geraldo Speciali.. José Geraldo Speciali.
. José Geraldo Speciali.. José Geraldo Speciali.
. José Geraldo Speciali.
Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento.
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
Avenida dos Bandeirantes, 3900
14048-900. Ribeirão Preto, SP, Brasil.
E-mail: josespeciali@yahoo.com.br.
Telefone: (16) 3602-2548
PROTRUSÃO DA CABEÇA EM ADULTOS COM CEFALEIA
36 Headache Medicine, v.4, n.1, p.36-39, Jan./Feb./Mar. 2013
Cefaleia e arte: ex-voto como arte da devoção e
gratidão
Headache and art: ex-voto as art of devotion and gratitude
NEUROARTNEUROART
NEUROARTNEUROART
NEUROART
Moema Peisino Pereira,
1
Luciana Patrízia A. Andrade-Valença,
1,3
Amanda Araújo da Silva,
1
Raimundo Silva-Néto,
1
Louana C. Silva,
1
Daniella Araújo de Oliveira,
2
Hugo André de Lima Martins,
1
Carlos Alberto Bordini,
4,5
Marcelo Moraes Valença
1,3
1
Unidade Funcional de Neurologia e Neurocirurgia, Departamento de Neuropsiquiatria,
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
2
Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
3
Hospital Esperança, Recife Brasil
4
Neurologia, Faculdade de Medicina Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
5
Clinica Neurológica Batatais, Batatais, São Paulo, Brasil
Pereira MP, Andrade-Valença LP, da Silva AA, Silva-Néto R, Silva LC, Oliveira DA, Martins HA,
Bordini CA, Valença MM. Cefaleia e arte: ex-voto como arte da devoção e gratidão.
Headache Medicine. 2013;4(1):36-39
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
Neste artigo, os autores revisam o uso do ex-voto como uma
forma de arte para expressar devoção e gratidão. Ex-voto
pode ser manifestado como objetos ou pinturas, como uma
forma de ação de graças por uma oração respondida ou
benção recebida. Muitos santos são invocados quando se
está lidando com dores de cabeça incapacitantes, como São
Denis, Santo Acacius, Santa Gemma e Santa Teresa de Ávila,
além do uso de objetos de arte, incluindo esculturas e pinturas,
que são produzidos comercialmente como base dessas práticas
religiosas.
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chaves: Ex-voto; São Denis; Arte; Pintura;
Religião.
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
In this article the authors review the use of ex-vote as an art
form expressing devotion and gratitude. Ex-voto may be
manifested as objects or paintings, as a form of thanksgiving
for an answered prayer or a blessing received. Several saints
are invoked when one is dealing with incapacitating
headaches, such as St. Denis, St. Acacius, Saint Gemma
and St. Teresa of Avila. Objects of art, including sculptures
or paintings, are commercially produced on the basis of
these religious practices.
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eywords: Ex-voto; St. Denis; Art; Painting; Religion.
INTRODUÇÃO
O ex-voto é uma manifestação artístico-religiosa que
desperta crescente interesse de historiadores, arqueólogos,
antropólogos, médicos e colecionadores. O termo ex-
voto é a abreviatura de ex-voto suscepto – ou voto
realizado e as palavras "votivo, votiva" vêm de votum
(desejo), donde deriva também "devoção". Uma
oferenda "votiva" é um dom que se faz como home-
nagem, desejo ou cumprimento de graça alcançada à
alguma divindade.
(1,2)
A prática votiva apresenta três etapas: realização
do voto, manifestação do milagre e pagamento da
promessa na forma uma pintura, escultura, fotografia,
placa, carta, bilhete, peça de vestuário, fios de cabelos
e órteses, entre outros, fazendo referência peculiar ao
sofrimento subido e graça alcançada.
(3-5)
Os ex-votos são uma "fé-pública", e não silenciosa.
Servem como testemunhos para outros fieis, reforçam a
devoção e credibilidade de um determinado Santo. São
expostos em recintos denominados "salas de milagres"
ou "salas de promessas" de templos sagrados, centros
de romarias e de peregrinações.
(1,6)
Atualmente, até a
internet é local de divulgação de ex-votos, havendo
endereços eletrônicos especializados.
(7)
Headache Medicine, v.4, n.1, p.36-39, Jan./Feb./Mar. 2013 37
A arte votiva brasileira, mais especificamente a da
região nordeste do Brasil, tem grande representatividade
no animismo – herança da cultura africana. As esculturas
são confeccionadas com traços retos e formas geomé-
tricas, triangulares e retangulares.
(1,8)
Do ponto de vista artístico-estético, este gênero tem
características marcantes da arte popular, destacando-
se o anonimato, o tom sentimental e simbólico das obras
e a simplificação de cores, volumes e formas.
(1,9)
A
preocupação formal com a técnica está em segundo
plano, e grande parte dos artistas conhecidos como
"santeiros" ou "milagreiros" são artesãos locais com acesso
restrito a tradicionais escolas de arte.
(1)
Entretanto, há
exceções, com artistas que obtiveram sucesso e obras
clássicas com rigor à norma estética, como por exemplo
a Madonnna di Foligno de Raffaello Sanzio (Figura 1).
EX-VOTO ANATÔMICO
Quando o ex-voto é esculpido em formato de parte
do corpo humano – cabeça, perna, braço ou órgao
interno – é denominado "ex-voto anatômico".
(10)
Na
Figura 2 três esculturas representando cabeças humanas
são apresentadas. Notamos que diferem entre si em seus
traços fisionômicos e penteados. Não sabemos ao certo
se representam o fenótipo dos contemplados na ação
de graças ou se foram comissionadas a São Denis ou
Santo Acácio – santos protetores contra cefaleia,
(10)
mas
são arte e, como tal, segundo Pablo Picasso, uma mentira
que nos faz perceber a realidade.
Figura 1. Madonnna di Foligno de Raffaello Sanzio. Esta pintura
(1511-1512) foi uma encomenda de Sigismondo de' Conti, secretário
do papa Júlio II, para comemorar um milagre por sua casa ter sido
preservada após ter sido atingida por um raio. Note que na parte
superior do quadro se pode perceber o formato de um encéfalo (perfil
direito). Curioso é o fato de Michelangelo ter pintado o afresco "A
Criação de Adão" em 1511-1512 (Capela Sistina, Roma), onde também
se percebe imagem de um encéfalo (perfil esquerdo)
Figura 2. Ex-votos cefálicos anônimos esculpidos em madeira.
Exposiçao no Museu do homem do Nordeste-Fundação Joaquim
Nabuco, Recife, Brasil.
SÃO DENIS, SÃO ACÁCIO E OUTROS
SANTOS INVOCADOS PARA CURAR CEFALEIA
São Denis foi o primeiro bispo de Paris e mártir da
igreja católica. Foi perseguido e em 258 d.C. foi
decapitado no Montemartre (monte do mártir, em
referência ao martírio de São Denis). Diz a lenda que,
após ser decapitado, São Denis levantou-se e segurando
sua cabeça caminhou 10 km até sua igreja (hoje Basílica
de Saint-Denis), onde morreu e foi sepultado. São Denis
é invocado para a cura da cefaleia e é um dos Catorzes
Santos Auxiliares (The Fourteen Holy Helpers) cujo culto
surgiu no século XIV em local hoje pertencente à
Alemanha, vinculado com a epidemia da peste negra.
(11)
Esses 14 santos são venerados pela Igreja Católica
por se acreditar que podem ajudar na cura de várias
doenças. São eles: São Denis e São Acácio (ambos contra
CEFALEIA E ARTE: EX-VOTO COMO ARTE DA DEVOÇÃO E GRATIDÃO
38 Headache Medicine, v.4, n.1, p.36-39, Jan./Feb./Mar. 2013
PEREIRA MP, ANDRADE-VALENÇA LP, DA SILVA AA, SILVA-NÉTO R, SILVA LC, OLIVEIRA DA, MARTINS HA, BORDINI CA, VALENÇA MM
dores e males da cabeça), São Vito (contra epilepsia),
São Pantaleão (contra o câncer e a tuberculose, e pelos
médicos), Santa Margarida de Antióquia (contra os
ataques diabólicos e um bom parto), Santo Egídio (contra
a praga), São Jorge (em prol da saúde dos animais
domésticos), Santo Eustáquio (contra a discórdia familiar),
Santo Erasmo (contra doenças do ventre, intestinos e dores
no parto), São Cristóvão (contra a peste bubônica), Santa
Catarina de Alexandria (contra morte súbita), São Brás
(contra doenças da garganta), São Ciríaco (contra a
tentação no leito da morte) e Santa Bárbara (contra febre
e morte súbita). Como cada um tinha uma "especia-
lidade" ou incumbência especial todos juntos podiam
combater uma doença grave em toda sua plenitude, com
seus sintomas e manifestações. Essa incumbência foi
determinada na Idade Média de acordo com a lenda
ou martírio relacionada ao respectivo santo.
(11)
Esses poderes concedidos por Deus eram para afastar
certos perigos, curar doenças específicas e patrocinar
determinados ofícios. Muito interessante esse conceito de
"especialidade médica" vinculada a cada um desses
santos, algo que se desenvolveu somente muito tempo
depois na Medicina moderna.
Muitas vezes se usa uma oração para invocar esses
santos, como a que se encontra a seguir:
Oração aos Catorze Santos Auxiliares:Oração aos Catorze Santos Auxiliares:
Oração aos Catorze Santos Auxiliares:Oração aos Catorze Santos Auxiliares:
Oração aos Catorze Santos Auxiliares:
"Deus todo poderoso e misericordioso, que honrastes
com privilégios especiais vossos eleitos Jorge, Brás,
Erasmo, Pantaleão, Guido, Cristóvão, Dinis, Ciríaco,
Acácio, Eustáquio, Gil, Margarida, Catarina e Bárbara,
dignai-vos conceder a todos os que, em suas
necessidades, implorarem o socorro desses santos, a
graça de serem atendidos em vista da salvação eterna.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que convosco
vive e reina na unidade do Espírito Santo. Amém."
Outros recomendam: "Mergulhar uma fita branca em
água da chuva, e colocar no meio algumas pétalas de
cravo, um pouco de alho esmagado e uma pitada de canela
em pó. A fita deve ser amarrada ao redor da cabeça e se
fala a oração abaixo":
"Bem-aventurado São Denis,
Por favor, interceda em meu nome com o Senhor
para curar essa dor de cabeça, que está sobrecarregando
meu espírito, para que eu possa também ser, como se
estivesse em seu martírio, claro em meus pensamentos e
ser capaz de venerar nosso Senhor. Amém".
Quando a cefaleia for curada, a fita, o alho e a
canela devem ser mantidos por três dias. A fita pode ser
jogada fora, mas o alho deve ser preservado em água
pura e envolto em um saquinho verde ou pano. Esse servirá
como amuleto para evitar futuras dores de cabeça.
Santo Acácio (que também é conhecido por
Agathius, Achatius, Acacius) foi um centurião romano
natural da Capadócia que foi também decapitado. Na
Idade Média, Santo Acácio foi muito popular na Europa,
e lhe é atribuído o poder de curar dores de cabeça.
Gilberto Freyre refere que Santo Acácio já era invocado
em Pernambuco no século XVI por pessoas que sofriam
de cefaleia.
(11)
Santo Avertinus, Santo Atazano, Santa Catarina de
Siena e Santa Teresa de Ávila também são santos para
os quais orações são oferecidas para receber uma graça
de cura de uma dor de cabeça.
Outra santa invocada contra cefaleia é Santa
Bibiana. Com a morte de seus pais, a órfã Bibiana foi
aliciada para ser prostituta e, com a sua recusa, Bibiana
foi presa e torturada até a morte a chibatadas por não
ceder. Aqueles que a tocavam, de acordo com a lenda,
eram acometidos de loucura. Por conta disso, ela foi
transferida para um hospício, onde os doentes se
curavam. Tendo morrido em 361 d.C., seus restos mortais
foram lançados aos cães numa rua de Roma. No entanto,
eles não encostaram em seu corpo. No local onde o
corpo de Santa Bibiana foi enterrado floresceu um belo
jardim onde ervas eram colhidas para curar diversas
doenças, como dor de cabeça e epilepsia. Nesse local
foi construída a Igreja de Santa Bibiana.
Outros santos que supostamente podem curar outros
tipos de dor ou condições vinculadas a manifestação
dolorosa, são: São Madron (contra dor), Santa Apolônia
(contra dor de dente), São Policarpo (contra dor de
ouvido), São Wolfgang (contra dor de estômago), São
Bernardo (contra dor na coluna), Santa Amélia (contra
doenças dos braços), São João de Deus (contra doenças
do coração), Santa Juliana Falconiere e São Brice (contra
doenças do estômago), São Aldegundo e São Pharaildis
(contra doenças da infância) e São Lorenzo (Doenças
das juntas).
(12)
Ainda outra santa da Igreja Católica que é frequen-
temente invocada para interceder na cura de cefaleia é
Gemma Galgani (Maria Humberta Pia Galgani).
(13)
Santa
Gemma tinha fortes crises de cefaleia que se iniciavam
na quinta-feira e cediam na tarde da sexta-feira, ocasião
que falava receber sobre a cabeça a coroa de espinho
de Jesus.
Headache Medicine, v.4, n.1, p.36-39, Jan./Feb./Mar. 2013 39
Concluímos que a prática do ex-voto vem se
tornando uma forma de arte muito presente nos dias
atuais Figuras 3 e 4.
7.Brunetti R. Gli ex voto. Disponível em http://www.
riccardobrunetti.it/exvoto.htm acesso em 1 maio, 2013
8. Barros S. Arte, folclore e subdesenvolvimento (2ª ed.). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira 1977
9. Leite RR. Arte e Religião: um estudo dos aspectos estéticos e
religiosos dos ex-votos. Dissertaçao (Mestrado em
Antropologia). Universidade Federal de Sergipe. São Cristovão
2012.
10. Neves GP. A arte de ser grato. Aparentemente toscas, as figuras
ex-votivas revelam-se ricas em significados. Disponível em http:/
/www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/a-arte-de-ser-grato,
acesso em 30 de abril, 2013
11. Andrade LE. Quartorze Santos de Emergencia. Objetiva, 2006.
http://www.objetiva.com.br/arquivos/capas/8573028114.pdf
12. http://www.idagospel.com/2013/04/7-perguntas-aos-
catolicos-sobre-a-intercessao-dos-santos.html
13. http://pt.wikipedia.org/wiki/Gemma_Galgani
Figura 3. Ex-voto da ceramista pernambucana Delly Figueiredo.
Figura 4. Quadro da artista plástica Ana Veloso com o tema ex-voto,
onde se encontram varias imagens representando cabeças e membros.
REFERÊNCIAS
1. Duarte AHSD. Ex-votos e poiesis: representações simbólicas na
fé e na arte. 2011 397 f. Tese (Doutorado em História) Pontífica
Universidade Católica, São Paulo.
2. Assumpção, l. Ex-voto, mídia das camadas populares. Disponível
emhttp://www2.metodista.br/unesco/agora/
mapa_animadores_pesquisadores_lilian.pdf acesso em 01 de
maio, 2013
3. Abreu JLN. Difusão, produção e consumo das imagens visuais: o
caso dos ex-votos mineiros do século XVIII. Rev. Bras. Hist.,
São Paulo. 2005 ; 25(49).
4. Frade C. Santo de casa faz milagre: a devoção a Santa Perna. São
José dos Campos, SP: Fundação Cultural Cassiano Ricardo,
Centro de Estudos da Cultura Popular.
5. Teixeira lC, Cavalcante MM, Barreira KS, Aguiar AC, Gonçalves
SD, & Aquino EC. O corpo em estado de graça: ex-votos,
testemunho e subjetividade. Psicologia & Sociedade. (2010) ;
22(1):121-9.
6. Oliveira JCA. Ex-votos da sala de milagres do Santuário de Bom
Jesus da lapa na Bahia: semiologia e simbolismo no patrimônio
cultural. Revista Museu. 2006;1(1):13-21.
Correspondence
Marcelo M. VMarcelo M. V
Marcelo M. VMarcelo M. V
Marcelo M. V
alença.alença.
alença.alença.
alença.
Neurology and Neurosurgery Unit,
Department of Neuropsychiatry,
Federal University of Pernambuco, Cidade Universitária,
50670-420 – Recife, PE, Brazil
Phone: +55 81 99229394; +55 81 34263501;
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CEFALEIA E ARTE: EX-VOTO COMO ARTE DA DEVOÇÃO E GRATIDÃO