Headache
Medicine
Headache
Medicine
Headache Medicine, v.9, n.1, p.1, Jan./Feb./Mar. 2018 1
CONTENTS
EDITORIAL
Isso não está me cheirando bem! Cheiro desencadeando crises de migrânea que podem ser tratadas com
aromaterapia?
Hmm, something smells fishy! Smell triggering migraine attacks that can be treated with aromatherapy? ................... 4
Marcelo Moraes Valença
ORIGINAL ARTICLE
Características da cefaleia durante a hemodiálise em clínica especializada na cidade de
Santos, SP, Brasil
Characteristics hemodialysis headache in a specialized unit in the city of Santos, Brazil .............................................. 6
Caroline Vieira Spessotto, Bruno Henrique Graçaplena Vieira, Adriane Souza de Gubeissi Pinto,
Flávia Rennó Troiani, Luis Henrique de Arruda, Yara Dadalti Fragoso
VIEW AND REVIEW
Osmofobia e cefaleias primárias em crianças e adolescentes
Osmophobia and primary headaches in children and adolescents ...............................................................................9
Albérico Albanês Oliveira Bernardo, Fabíola Lys de Medeiros, Pedro Augusto Sampaio Rocha-Filho
Cefaleia e abuso de internet: uma revisão narrativa
Headache and internet addiction: a narrative review ................................................................................................. 16
Tathiana Corrêa Rangel, Pedro Augusto Sampaio Rocha-Filho
Hipotireoidismo subclínico e cefaleias
Subclinical hypothyroidism and headaches................................................................................................................ 24
Marise de Farias Lima Carvalho, Pedro Henrique Muniz Falcão do Espírito Santo,
Raphaella Von Sohsten Calabria Lima, Helena Mello de Godoy Donato
Cefaleias ocupacionais: quando suspeitar?
Occupational headaches: when to suspect? .............................................................................................................. 29
Patrick Emanuell Mesquita Sousa Santos, Alanny Gabrielly Diogenes Campelo, Ezequiel Gonçalves da Costa,
Guilherme Antonio Morais Lima, Matheus Saraiva Valente Rosado, Raimundo Pereira Silva-Néto
OPINIÃO PESSOAL
Cuidado com a cefaleia crônica diária!
Be careful with the chronic daily headache! ............................................................................................................... 33
Paulo Sergio Faro Santos
THESIS
Catastrofização da cefaleia e associação com outras condições clínicas
Catastrofization of headache and association with other clinical conditions .............................................................. 35
Erlene Roberta Ribeiro dos Santos
INFORMATIONS FOR AUTHORS ........................................................................................................................... 36
Capa/Cover – Um escultura em argila intitulada "A Enxaqueca", trabalho de Vera Moraes Valença, 90 anos, médica,
professora de Medicina aposentada da Universidade Federal de Pernambuco, que sofreu de enxaqueca por muitos anos.
Scientific Publication of the Brazilian Headache Society
Volume 9 Number 1 January/FebruaryMarch 2018
Headache Medicine
ISSN 2178-7468
2 Headache Medicine, v.9, n.1, p.2-3, Jan./Feb./Mar. 2018
Headache Medicine
ISSN 2178-7468
A revista Headache Medicine é uma publicação de propriedade da Sociedade Brasileira de Cefaleia, indexada no Latindex e no Index Scholar, publicada pela
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Medicina e faculdades de Medicina do Brasil, e sociedades congêneres.
Editor-in-Chief
Marcelo Moraes Valença
Past Editors-in-Chief
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José Geraldo Speciali (1996-2002)
Carlos Alberto Bordini (1996-1997)
Abouch Valenty Krymchantowsky (2002-2004)
Pedro André Kowacs and Paulo H. Monzillo (2004-2007)
Fernando Kowacs (2008-2013)
Editor Emeritus
Wilson Luiz Sanvito, São Paulo, SP
Associate Editors
Mario Fernando Prieto Peres (São Paulo)
Pedro Augusto Sampaio Rocha Filho (Recife)
Eduardo Grossmann (Porto Alegre)
Abouch Valenty Krymchantowski, Rio de Janeiro, RJ
Alan Chester F. Jesus, Aracaju, SE
Ana Luisa Antonniazzi, Ribeirão Preto, SP
Carla da Cunha Jevoux, Rio de Janeiro, RJ
Carlos Alberto Bordini, Batatais, SP
Célia Aparecida de Paula Roesler, São Paulo, SP
Claudia Baptista Tavares, Belo Horizonte, MG
Cláudio M. Brito, Barra Mansa, RJ
Daniella de Araújo Oliveira, Recife, PE
Deusvenir de Sousa Carvalho, São Paulo, SP
Djacir D. P. Macedo, Natal, RN
Élcio Juliato Piovesan, Curitiba, PR
Elder Machado Sarmento, Barra Mansa, RJ
Eliana Meire Melhado, Catanduva, SP
Fabíola Dach, Ribeirão Preto, SP
Fernando Kowacs, Porto Alegre, RS
Henrique Carneiro de Campos, Belo Horizonte, MG
Hugo André de Lima Martins, Recife, PE
Jano Alves de Sousa, Rio de Janeiro, RJ
João José de Freitas Carvalho, Fortaleza, CE
Joaquim Costa Neto, Recife, PE
José Geraldo Speziali, Ribeirão Preto, SP
Luis Paulo Queiróz, Florianópolis, SC
Marcelo C. Ciciarelli, Ribeirão Preto, SP
Marcelo Rodrigues Masruha, Vitória, ES
Marcos Antônio Arruda, Ribeirão Preto, SP
Mario Fernando Prieto Peres, São Paulo, SP
Maurice Vincent, Rio de Janeiro, RJ
Mauro Eduardo Jurno, Barbacena, MG
Paulo Sergio Faro Santos, Curitiba, PR
Pedro Augusto Sampaio Rocha Filho, Recife, PE
Pedro Ferreira Moreira Filho, Rio de Janeiro, RJ
Pedro André Kowacs, Curitiba, PR
Raimundo Pereira da Silva-Néto, Teresina, PI
Renan Domingues, Vitória, ES
Renata Silva Melo Fernandes, Recife, PE
Thais Rodrigues Villa, São Paulo, SP
Headache Medicine
Scientific Publication of the Brazilian Headache Society
Editorial Board
Headache Medicine, v.9, n.1, p.2-3, Jan./Feb./Mar. 2018 3
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Marcelo Moraes Valença
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Comitê de Cefaleia na Infância
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Representante junto à ABN
Célia Aparecida de Paula Roesler
Fernando Kowacs
Raimundo Pereira da Silva-Néto
Responsável pelas Midias Sociais
Thais Rodrigues Villa
4 Headache Medicine, v.9, n.1, p.4-5, Jan./Feb./Mar. 2018
Isso não está me cheirando bem! Cheiro desencadeando
crises de migrânea que podem ser tratadas com
aromaterapia?
Hmm, something smells fishy! Smell triggering migraine attacks that
can be treated with aromatherapy?
EDITORIAL
olfato sempre fascinou o neurocientista. A função olfativa é um dos sentidos
mais primitivos na escala filogenética, muito importante na preservação da vida no
planeta. Para Taniguchi,
(1)
o olfato é a primeira sensação que surgiu durante a filogenia.
Na evolução até chegar ao Homo sapiens duas funções foram de extrema impor-
tância: o processo da alimentação e o sexo na reprodução. Assim, os desejos por
alimentos e por sexo são responsáveis pela perpetuação das espécies, com melhor
escolha dos alimentos e na procura do parceiro, exemplificando este último com os
feromônios.
(2)
Uma disfunção do sistema olfativo que ocorre nos pacientes com migrânea já foi
bem documentada por especialistas.
(3-5)
Pacientes com migrânea podem apresentar (1) osmofobia, (2) ter suas crises
desencadeadas por estímulos de natureza olfativa, (3) apresentar aura olfativa, (4)
hipersensibilidade olfativa e (5) disfunção na percepção do cheiro tanto nas crises como
nos períodos entre as crises de cefaleia.
Curiosamente, muitos dos tratamentos encontrados na Medicina popular para tra-
tamento agudo ou preventivo da migrânea envolvem o uso de substâncias com odor
forte e agradável (aromaterapia), como nos seguintes exemplos: hortelã, lavanda, ale-
crim, sálvia, eucalipto, camomila, rosa, melissa, jasmim, helichrysum, capim-limão e
sândalo (https://www.saudedica.com.br/os-15-oleos-essenciais-para-dores-de-cabeca-
e-enxaquecas/)
O artigo de Bernardo e colegas
(6)
aborda o tema da osmofobia em crianças e
adolescentes, queixa tão citada por aqueles que sofrem de migrânea, a ponto de servir
como critério diagnóstico para essa cefaléia primária.
(3,7,8)
Para muitos dos migranosos,
alguns cheiros são deflagradores de uma crise de migrânea, justificando certos hospi-
tais e eventos científicos proibirem o uso de perfume para evitar o desencadeamento de
crises em seus pacientes, funcionários ou participantes.
Silva-Néto e colaboradores
(3)
relataram que 70% dos pacientes com migrânea refe-
riram que a crise de cefaleia pode ser desencadeada por odores após 25,5 ± 1,9
minutos da exposição. Os pacientes citaram como substâncias que regularmente provo-
cavam crises de cefaleia: perfumes (75,7%), tintas (42,1%), gasolina (28,6%) e água
sanitária (27,1 %).
(3)
Em trabalho recente, identificou-se que o volume do bulbo olfativo e profundidade
do sulco olfativo eram menores no grupo de pacientes com migrânea.
(9)
Em pacientes
com migrânea e osmofobia, o bulbo olfativo tinha um volume menor,
(9)
sugerindo um
dano anatômico causado por crises repetidas da doença.
O
Headache Medicine, v.9, n.1, p.4-5, Jan./Feb./Mar. 2018 5
Marcelo Moraes Valença
Professor Titular, Neurologia e Neurocirurgia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil
mmvalenca@yahoo.com.br
ISSO NÃO ESTÁ ME CHEIRANDO BEM! CHEIRO DESENCADEANDO CRISES DE MIGRÂNEA QUE PODEM SER TRATADAS COM AROMATERAPIA?
Fantosmia, ou alucinação olfativa, pode ocorrer raramente como aura de uma crise de migrânea.
(6,10-12)
As
mais frequentes auras migranosas são visuais, sensitivas e de linguagem. Em um estudo, cerca de 0,7% dos
migranosos referiram alucinações olfativas, relatadas como percebendo o cheiro de algo queimando ou de
fumaça, lixo ou esgoto. A aura pode também ser uma alucinação com cheiro agradável como de foie gras,
laranja ou café, porém em menor frequência
(12)
(https://www.reuters.com/article/us-migraines-smell/imagined-
smells-can-precede-migraines-study-idUSTRE79G02X20111017).
Pacientes com migrânea, em resposta à estimulação olfativa com cheiro de rosas, apresentaram ativação em
estruturas límbicas (amígdala e córtices insulares) e na ponte rostral.
(13)
Desta forma, parece haver na migrânea, além da dor, um distúrbio envolvendo o sistema alimentar, com
perturbação da função olfativa, náusea e vômitos. Muito curioso o fato de determinados tipos de odores provo-
carem crises de migrânea enquanto que outros, ao serem percebidos, podem atenuar a cefaleia e por isso são
usados no tratamento.
REFERÊNCIAS
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Cephalalgia 2014;34(12):977-85.
5. Demarquay G, Royet JP, Giraud P, Chazot G, Valade D, Ryvlin P. Rating of olfactory judgements in migraine patients. Cephalalgia
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J Neurol Sci 2014;339(1-2):118-22.
8. Silva-Neto RP, Rodrigues AB, Cavalcante DC, Ferreira PH, Nasi EP, Sousa KM, et al. May headache triggered by odors be regarded
as a differentiating factor between migraine and other primary headaches? Cephalalgia 2017;37(1):20-28.
9. Dogan A, Bayar Muluk N, Sahan MH, Asal N, Inal M, Ergun U. Olfactory bulbus volume and olfactory sulcus depth in migraine patients:
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10. Mainardi F, Rapoport A, Zanchin G, Maggioni F. Scent of aura? Clinical features of olfactory hallucinations during a migraine attack
(OHM). Cephalalgia 2017;37(2):154-60.
11. Diamond S, Freitag FG, Prager J, Gandi S. Olfactory aura in migraine. N Engl J Med 1985;312(21):1390-1.
12. Coleman ER, Grosberg BM, Robbins MS. Olfactory hallucinations in primary headache disorders: case series and literature review.
Cephalalgia 2011;31(14):1477-89.
13. Stankewitz A, May A. Increased limbic and brainstem activity during migraine attacks following olfactory stimulation. Neurology
2011;77(5):476-82.
6 Headache Medicine, v.9, n.1, p. 6-8, Jan./Feb./Mar. 2018
Características da cefaleia durante a hemodiálise em
clínica especializada na cidade de Santos, SP, Brasil
Characteristics hemodialysis headache in a specialized unit in the city of Santos, Brazil
Caroline Vieira Spessotto
1
, Bruno Henrique Graçaplena Vieira
2
, Adriane Souza de Gubeissi Pinto
2
, Flávia Rennó Troiani
3
,
Luis Henrique de Arruda
3
, Yara Dadalti Fragoso
1,3
1
Neurology, Neurocience and Headache (NNH), Santos, SP, Brasil
2
Clínica Integrada Nefrológica de Santos Ltda(CLINES),Santos, SP, Brasil
3
Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES), Santos, SP, Brasil
Spessotto CV, Vieira BHG, Pinto ASG, Troiani FR, Arruda LH, Fragoso YD. Características da cefaleia durante a hemodiálise
em clínica especializada na cidade de Santos, SP, Brasil. Headache Medicine. 2018;9(1):6-8
ORIGINAL ARTICLE
RESUMO
Introdução: Há cinco estágios da doença renal crônica,
sendo o estágio V a fase final. Quando estes pacientes vão
para sessões de hemodiálise, podem desenvolver complica-
ções sistêmicas e dentre elas os sinais e sintomas neurológi-
cos. A cefaleia parece ser uma queixa comum neste grupo
de pacientes. Os autores avaliaram as características da
cefaleia durante a hemodiálise em uma unidade especi-
alizada em doença renal na cidade de Santos, Brasil. Ma-
terial e Métodos: O grupo foi composto por trinta pacien-
tes com diagnóstico de doença renal crônica estágio V e
que apresentavam cefaleia relacionada ao procedimento
de hemodiálise. Foi feita uma entrevista individual e estru-
turada com os pacientes. Resultados: Houve predomínio
de pacientes do sexo masculino (56,6%) com média de ida-
de de 50 anos. As principais características das cefaleias
foram dor em aperto (43,3%) de localização occipital (50%),
duração média de 145 minutos e intensidade 6,9 (escala de
dor 0 a 10). O tratamento foi feito com analgésicos em
63,3% dos casos. Conclusão: A cefaleia durante a hemo-
diálise neste grupo foi mais frequente no sexo masculino e
na 5ª década de vida. A cefaleia teve características típicas
do tipo tensional.
Palavras-chave: Cefaleia; Hemodiálise; Insuficiência renal;
Dor
ABSTRACT
Introduction: There are five stages of kidney disease, the V
stage being terminal. When these patients are submitted to
hemodialysis, they can develop systemic complication, including
neurological signs and symptoms. Headache seems to be a
common complaint in this group of patients. The authors
assessed the characteristics of hemodialysis headache in
patients attending a specialized kidney disease unit in the city
of Santos,SP, Brazil. Material and Method: The group
consisted of thirty individuals with the diagnoses of stage V
chronic kidney disease who presented headache related to
hemodialysis. Patients went for a structured individual interview.
Results: There was a predominance of male patients (56.6%)
aged, on average, 50 years. The main characteristics of the
headache were tightness pain (43.3%) localized in the occipital
area (50%), lasting an average of 145 minutes, with intensity
rated as 6.9 (scale 0 to 10). Analgesics were used as treatment
in 63.3% of cases. Conclusion: Hemodialysis headache in
this group was more frequent in men and in the fifth decade of
life. The headache typically had tension-type characteristics.
Keywords: Headache; Hemodialysis; Kidney disease; Pain
INTRODUÇÃO
As cefaleias são divididas em primárias e secundárias
de acordo com a Classificação Internacional de Cefaleias
de 2014.
(1)
Ocorrendo durante o procedimento de
hemodiálise, esse sintoma é caracterizado como secundá-
rio, possivelmente decorrente de um desequilíbrio
homeostático, seja por causa hemodinâmica ou hiperten-
são intracraniana secundária a causa metabólica.
(2,3)
A
prevalência de cefaleias em pacientes submetidos à
hemodiálise varia entre 6,6% a 68%, conforme relatos da
Headache Medicine, v.9, n.1, p.6-8, Jan./Feb./Mar. 2018 7
literatura.
(4)
A prevalência de dor intensa e incapacitante
variou entre 36% e 88% entre os estudos recentemente
revisados.
(4)
A cefaleia com características do tipo tensional
parece predominar na população de pacientes com doen-
ça renal grave, submetidos ao procedimento de hemo-
diálise.
(5)
Curiosamente, diálise peritoneal não tem sido
descrita como causa de cefaleia em pacientes renais crô-
nicos, apesar destes apresentarem níveis significativamente
mais baixos de sódio, potássio, cálcio, fosfato, ureia e
creatinina do que aqueles em hemodiálise.
(5,6)
Os pacien-
tes submetidos à dialise peritoneal parecem ter predomínio
de doença renal vascular, enquanto aqueles em hemodiálise
parecem ter principalmente doença renal parenquimatosa.
(6)
O objetivo do presente estudo foi a avaliação das
características da cefaleia de pacientes durante as sessões
de hemodiálise em uma unidade especializada em doença
renal na cidade de Santos, Brasil.
MATERIAL E MÉTODO
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Metropolitana de Santos sob o
número CAAE 64533817.6.0000.5687. O estudo foi
transversal, abrangendo todos os pacientes em tratamento
por hemodiálise na Clínica Integrada Nefrológica de San-
tos, Santos, SP, Brasil, incluindo 168 casos com diagnósti-
co de doença renal crônica em estágio final (estágio V).
Esses pacientes já estavam em programação de hemo-
diálise. Os pacientes responderam a um questionário es-
pecífico contendo as informações demográficas, dados da
diálise e da cefaleia. Os dados são apresentados de forma
descritiva, sem análise estatística específica. Todos os paci-
entes concordaram em participar do estudo e assinaram o
termo de consentimento.
RESULTADOS
Do grupo total de 168 pacientes em hemodiálise na
clínica, foram identificados trinta casos (17,9%) de cefaleia
associada ao procedimento dialítico com permicath
(93,3%) ou fístula arteriovenosa. A maioria dos pacientes
foi do sexo masculino (56,6%) com idade média de 50
anos. As principais características da cefaleia durante as
sessões de hemodiálise foram dor em aperto (43,3%),
mais frequentemente localizada na região occipital (50%),
com média de intensidade pontuada como 6,9 (escala
visual analógica de 0 a 10). A dor tipicamente surgia na
segunda metade da sessão (76,6% dos casos) e durava,
em média, 145 minutos. Pacientes referiram melhora com
dipirona 500 mg a 1 g (43,4%), acetaminofeno 400-
750 mg (20%), ou enalapril 5 mg (26,6%). Nenhuma
medicação era utilizada para a cefaleia em 10% dos pa-
cientes, que consideravam a dor tolerável. A Tabela 1
traz um resumo das informações aqui citadas, separadas
pelo sexo do paciente.
DISCUSSÃO
O presente estudo confirma dados achados por ou-
tros pesquisadores que investigaram a cefaleia associada à
hemodiálise. Por exemplo, existe concordância nos dados
de prevalência de sexo masculino e de média da faixa
etária de 50 anos.
(4)
No entanto, os dados de prevalência
da cefaleia durante hemodiálise são díspares entre os estu-
dos. Na Croácia,
(7)
por exemplo, a prevalência desta
cefaleia foi 6,6% dos pacientes em hemodiálise, enquanto
que, em Sergipe,
(8)
esta cefaleia foi relatada por 76,1%
dos pacientes e, em Ribeirão Preto,
(9)
por 70,7% deles.
Uma recente revisão da literatura estima que a cefaleia
associada à hemodiálise esteja presente em 27% a 73%
dos pacientes.
(10)
A presente pesquisa foi limitada pela ausência de con-
trole laboratorial concomitante à cefaleia. Alterações iônicas
CARACTERÍSTICAS DA CEFALEIA DURANTE A HEMODIÁLISE EM CLÍNICA ESPECIALIZADA NA CIDADE DE SANTOS, SP, BRASIL
8 Headache Medicine, v.9, n.1, p. 6-8, Jan./Feb./Mar. 2018
poderiam explicar um gatilho para a dor, embora acredite-
se que a fisiopatologia desta cefaleia seja muito mais com-
plexa e inclua edema cerebral, ativação de óxido nítrico e
neurotransmissores associados à vasodilatação.
(10)
CONCLUSÃO
A cefaleia que ocorre durante a hemodiálise foi mais
frequente no homem por volta dos 50 anos de idade. De
forma geral, a dor foi descrita como sendo do tipo tensional,
predominantemente em aperto, na região occipital e de
moderada intensidade.
REFERÊNCIAS
1. Classificação Internacional de Cefaleias. Tradução portugue-
sa de: Internacional Classification of Headache Disorders ICHD-
3 beta - 2013. Cefaleia atribuída a perturbação da homeostasia
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associated with dialysis.The IHS criteria revisited. Cephalalgia.
2003;23:146-9.
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2016 Jun 23;10:1131-50. doi: 10.2147/PPA.S103927.
5. Milinkovic M, Zidverc-Trajkovic J, Sternic N, Trbojevic-Stankovic
J, Maric I, Milic M, et al. Hemodialysis headache. Clin Nephrol.
2009 Feb;71(2):158-63.
6. Stojimirovic B, Milinkovic M, Zidverc-Trajkovic J, Trbojevic-
Stankovic J, Maric I, Milic M, et al. Dialysisheadache in patients
undergoing peritoneal dialysis and hemodialysis. Ren Fail. 2015;
37(2):241-4. doi: 10.3109/0886022X.2014.982486.
7. Sav MY, Sav T, Senocak E, Sav NM. Hemodialysis-related
headache. Hemodial Int. 2014 Oct;18(4):725-9.
8. Jesus AC, Oliveira HA, Paixão MO, Fraga TP, Barreto FJ, Valença
MM. Clinical description of hemodialysis headache in end-stage
renal disease patients. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67:978-81.
9. Antoniazzi AL, Bigal ME, Bordini CA, Tepper SJ, Speciali JG.
Headache and hemodialysis: a prospective study. Headache.
2003;43:99-102.
10. Sousa Melo E, Carrilho Aguiar F, Sampaio Rocha-Filho PA.
Dialysis headache: a narrative review. Headache. 2017;57
(1):161-4.
Correspondência
Caroline Spessotto
NNH - Rua Eloy Fernandes 42
11055-110 – Santos, SP, Brasil
Recebido: 11 de fevereiro de 2018
Aceito: 03 de março de 2018
SPESSOTTO CV, VIEIRA BHG, PINTO ASG, TROIANI FR, ARRUDA LH, FRAGOSO YD
Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018 9
Osmofobia e cefaleias primárias em crianças e
adolescentes
Osmophobia and primary headaches in children and adolescents
Albérico Albanês Oliveira Bernardo
1
, Fabíola Lys de Medeiros
2
, Pedro Augusto Sampaio Rocha-Filho
3
1
Pós-Graduando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, Brasil
2
Neurologista infantil, responsável pelo Ambulatório de Cefaleias em crianças e adolescentes do Hospital Universitário
Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil
3
Professor Adjunto de Neurologia, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil
Ambulatório de Cefaleias, Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil
Bernardo IAO, Medeiros FL, Rocha-Filho PAS. Osmofobia e cefaleias primárias em crianças e adolescentes
Headache Medicine. 2018;9(1):9-15
VIEW AND REVIEW
RESUMO
A cefaleia é uma das queixas mais frequentes em crianças
e adolescentes e existem dificuldades diagnósticas especí-
ficas na população pediátrica, principalmente pelo fato da
imaturidade biológica e psíquica. Existe uma relação im-
portante entre odores e dores de cabeça primárias. A
osmofobia pode ocorrer durante as dores de cabeça e os
odores podem desencadear ataques de dor de cabeça. A
prevalência de osmofobia em pacientes dessa faixa etária
com migrânea varia entre 25-35%, sendo um sintoma de
baixa sensibilidade, mas alta especificidade no diagnósti-
co diferencial entre a migrânea e a cefaleia do tipo tensional.
A intolerância a odores, quando presente, não parece ser
difícil de ser reportada e caracterizada por adultos ou cri-
anças.
Palavras-chave: Cefaleia; Osmofobia; Crianças; Odores;
Migrânea.
ABSTRACT
Headache is one of the most frequent complaints in children
and adolescents and there are difficulties to specify the
diagnostic in the pediatric population, mainly due to the fact
of biological and psychic immaturity. There is an important
relationship between odors and primary headaches.
Osmophobia can occur during headaches and odors can
trigger headache attacks. The prevalence of osmophobia in
pediatric patients with migraine varies from 25% to 35%, being
a symptom of low sensitivity, but high specificity in the
differential diagnosis between migraine and tension-type
headache. Odor intolerance, when present, does not appear
to be difficult to report and characterized by adults or children.
Keywords: Headache; Osmophobia; Children; Odors;
Migraine
INTRODUÇÃO
A osmofobia é definida como um aumento de sensibi-
lidade a odores que não provocariam aversão quando fora
do período de crise de cefaleia e que pode levar o pacien-
te a evitá-los ou pode levar a uma piora da cefaleia.
(1)
Em 2004, na segunda edição da International
Classification of Headache Disorders (ICHD-II), os sinto-
mas acompanhantes de fonofobia, fotofobia, náusea e vô-
mito permaneceram uma parte essencial do diagnóstico
diferencial entre migrânea e cefaleia do tipo tensional (CTT).
Entretanto, no Apêndice desta classificação (A1.1, ponto
D) foi proposto que a osmofobia poderia ser introduzida
entre os critérios diagnósticos de migrânea. A proposta era
que, pelo menos dois dos cinco seguintes sintomas deveri-
am estar presentes: fonofobia, fotofobia, náusea, vômito e
osmofobia.
(2)
Desde então, diversos estudos vêm sendo re-
alizados no intuito de comprovar se a osmofobia é um forte
indicador de migrânea para qualquer população.
10 Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018
BERNARDO IAO, MEDEIROS FL, ROCHA-FILHO PAS
No Brasil, Silva-Néto e colaboradores estudaram a
osmofobia no diagnóstico diferencial de migrânea e cefaleia
tipo tensional. Foram avaliados duzentos pacientes com
migrânea e duzentos com CTT, e foi constatado que a
osmofobia ocorreu durante a crise em 86% dos pacientes
com migrânea e 6% dos pacientes com CTT. Nesse estudo
também houve alta sensibilidade e especificidade na asso-
ciação da osmofobia com náusea, fotofobia e fonofobia.
No período entre crises, a osmofobia apenas esteve pre-
sente nos migranosos. Os autores sugeriram que a osmo-
fobia pudesse ser um marcador específico na diferencia-
ção de Migrânea e CTT.
(3)
Outro estudo de Silva-Néto e colaboradores, também
em 2014, avaliou se os odores desencadeavam ataques
de migrânea e o tempo de início da dor de cabeça após a
exposição do odor. Foram estudados duzentos pacientes
com migrânea e duzentos pacientes com CTT, de ambos os
sexos com idade, 38,6 ± 9,9, e foi constatado que 70%
(140/200) dos pacientes com migrânea e nenhum com
CTT apresentaram cefaleias desencadeadas por odores após
25,5 ± 1,9 minutos de exposição. Esse estudo demonstrou
uma baixa sensibilidade (70%, IC95% 63,1-76,2) e alta
especificidade (100%, IC 95% 97,6-100) para o diag-
nóstico de migrânea para o odor como desencadeante da
cefaleia. Além disso, os odores desencadeantes de cefaleia
foram distribuídos na seguinte ordem de frequência: perfu-
mes (106/140, 75,7%), tintas (59/140, 42,1%), gasoli-
na (40/140, 28,6%) e água sanitária (38/140, 27,1 %).
Houve associação significativa de migrânea desencadeada
por odor com perfumes e produtos de limpeza, odores de
comida, produtos de beleza e mau cheiro. Os autores con-
cluíram que os odores isolados ou em associação, especi-
almente perfumes, podem desencadear ataques de migrâ-
nea após alguns minutos de exposição.
(4)
Não se sabe o exato mecanismo de ação dos odores
como gatilhos da migrânea. O odor pode ser um estímulo
para desencadear a depressão alastrante cortical em um
córtex hiperexcitável. Acredita-se que pacientes migranosos
apresentam processamento cortical olfativo disfuncional e
usualmente relatam aumento da sensibilidade a odores,
evitando a sua exposição. O odor seria o responsável pela
liberação de substâncias químicas, como peptídeo vasoativo
intestinal e peptídeo geneticamente relacionado à calci-
tonina (CGRP), que estimulariam as terminações aferentes
nervosas trigeminais, ocasionando edema e inflamação
neurogênica. A fisiopatologia aventada também envolve
um aumento da atividade de estruturas límbicas (como
amígdalas e regiões insulares) bem como estruturas do tron-
co encefálico, especificamente a parte rostral da ponte,
em exposição aos odores durante crises de migrânea. Este
fato sinaliza uma forte relação entre vias olfativas e vias
nociceptivas trigeminais na migrânea.
(5)
Outra hipótese é
que o estímulo olfatório excita o locus ceruleus em paci-
entes com migrânea e promove a liberação de noradre-
nalina com consequente liberação de duas substâncias in-
flamatórias e potentes vasodilatadoras, a substância P e o
CGRP, que desencadeariam o fenômeno doloroso.
(4,6)
A cefaleia, além de ser um sintoma muito frequente
na população em geral, também possui uma alta preva-
lência em crianças e adolescentes (5%-15%),
(7)
e com um
forte impacto na qualidade de vida.
(8)
Sua correta caracte-
rização na população pediátrica é uma tarefa árdua, so-
bretudo pelos aspectos de informação e entendimento por
parte da criança quanto aos seus sintomas. Quanto mais
nova a criança e menor o tempo de evolução de sua
cefaleia, maiores as dificuldades na obtenção desses da-
dos. Então, em crianças muito pequenas, procuramos in-
formações indiretas que nos permitam caracterizar os sin-
tomas, como fotofobia e fonofobia, que podem ser inferidas
pela informação da criança preferir lugar escuro e silenci-
oso durante os episódios de cefaleia.
(9)
Em crianças e adolescentes, a prevalência de osmo-
fobia em pacientes dessa faixa etária com migrânea varia
entre 25%-35%,
(10,11)
sendo um sintoma de baixa sensibili-
dade, mas alta especificidade no diagnóstico diferencial
entre a migrânea e a CTT.
(11-14)
O diagnóstico de cefaleia
primária pode mudar ao longo do tempo, e a mudança de
diagnóstico da CTT para migrânea é relativamente frequente,
variando de 11% a 42% dos casos.
(15-18)
Existem poucos
estudos na literatura relatando osmofobia em crianças com
cefaleia primária, e seu papel prognóstico ainda não foi
considerado.
(11,19,20)
A presença de osmofobia é uma ca-
racterística clínica importante, intimamente associada à
migrânea. A osmofobia também pode ter valor prognósti-
co relevante na evolução da CTT para a migrânea durante
um seguimento anual desses pacientes.
(15-18)
A maioria dos estudos sobre osmofobia entre paci-
entes com migrânea foi realizada em ambulatórios de dor
de cabeça de nível terciário, e isso comprometeu sua ca-
pacidade de generalização. Além disso, a osmofobia tem
sido pouco estudada em relação a outras cefaleias pri-
márias.
A ocorrência de osmofobia em cefaleias secundárias
só foi relatada em um estudo realizado com 402 pacien-
tes, sendo identificados 38% (153/402) com cefaleias se-
cundárias, e a osmofobia ocorreu em apenas dois pacien-
tes com cefaleia secundária, que tinham diagnóstico pré-
vio de migrânea.
(21)
Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018 11
Um estudo em uma unidade de saúde em atenção
primária aos adultos, realizado por Rocha-Filho e colabo-
radores, investigou a prevalência de osmofobia entre as
cefaleias primárias, avaliou a associação entre osmofobia
e as características dos pacientes e suas cefaleias, e verifi-
cou a utilidade desse sintoma para o diagnóstico de
migrânea. Foram entrevistados os pacientes que buscaram
atendimento médico consecutivamente em uma unidade
de atenção primária, sendo questionados sobre pelo me-
nos um episódio de dor de cabeça durante os últimos 12
meses. O estudo foi composto de 235 pacientes, sendo
147 pacientes com migrânea (53% deles com osmofobia),
87 com CTT (11,5% deles tinham osmofobia), e um paci-
ente apresentava cefaleia inclassificável. Entre os pacien-
tes com migrânea e mais anos de cefaleia, houve presença
significativa da osmofobia. A sensibilidade e a especifici-
dade da osmofobia para estabelecer o diagnóstico de
migrânea foram de 53,1% e 87,5%, respectivamente. O
valor preditivo positivo e valor preditivo negativo foram
87,6% e 52,7%, respectivamente. Finalmente, os autores
concluíram que existe alta prevalência de osmofobia entre
os pacientes com migrânea na atenção primária aos adul-
tos, podendo esse sintoma corroborar com o diagnóstico
de migrânea.
(22)
Na população de crianças e adolescentes, existem
escassos estudos a respeito da ocorrência de osmofobia
com cefaleia, e todos foram conduzidos em centros terciá-
rios especializados em cefaleia, comprometendo a capaci-
dade de generalização dos estudos.
(10-12,19,20,23,24)
MATERIAL E MÉTODOS
Para estudar as evidências de uma associação de
osmofobia e odores com cefaleia na população infanto-
juvenil, realizamos uma revisão da literatura clínica e ex-
perimental disponível. Nós pesquisamos o banco de dados
eletrônicos PubMed, Medline, Cocraine Library e SciELo
para obter o maior número possível de artigos originais
relevantes sobre os temas de osmofobia e cefaleia na po-
pulação infantojuvenil publicados de janeiro de 2004 a
junho de 2018, usando variadas combinações dos seguintes
descritores: osmophobia, odorant, olfactory, headache,
migraine, childhood, pediatric, juvenil. Usamos termos de
pesquisa indexados para garantir a inclusão de termos re-
lacionados.
Filtramos nossos resultados para resumos e títulos de
artigos em inglês disponíveis nos últimos 14 anos. A sele-
ção de artigos relevantes foi realizada pelos autores que
conduziram independentemente os processos de busca e
seleção. Após a triagem do título e resumo de todos os
artigos obtidos, os artigos potencialmente relevantes foram
selecionados em texto completo, utilizando-se critérios pré-
definidos de inclusão como: presença de osmofobia na
população infantojuvenil entre os casos estudados com
qualquer tipo de cefaleia; e como critérios de exclusão:
diagnóstico de osmofobia ou queixas olfatórias relaciona-
das a população de adultos, a outras doenças ou condiçoes
diversas, publicação redundante de casos relatados anteri-
ormente; artigos de revisão, editoriais ou comentários/res-
posta aos autores, pesquisas experimentais com modelos
animais. Todos os estudos publicados considerados elegí-
veis para inclusão, como estudo de caso, série de casos,
caso controles, coorte, transversal, e estudos de patogênese
foram utilizados nessa revisão.
RESULTADOS
Foram encontrados 221 artigos, e destes foram exclu-
ídos 41 artigos considerados não elegíveis quanto ao tema,
94 artigos repetidos, 79 artigos relacionados ao tema alvo
da nossa pesquisa, mas realizada com adultos, e, final-
mente, seis artigos e um resumo (cujos resultados foram
relevantes) foram selecionados para revisão de osmofobia
e cefaleias na população de crianças e adolescentes .
Cefaleias primárias e osmofobia em crianças e
adolescentes
A cefaleia é um sintoma muito frequente na popula-
ção em geral e, particularmente, nas crianças e adoles-
centes. Sua caracterização é difícil devido aos aspectos
maturacionais neurobiológicos e psicológicos envolvidos,
que afetam profundamente sua expressão nesta faixa etária.
O reconhecimento da importância e a repercussão das
cefaleias no desenvolvimento psicológico, rendimento es-
colar e interação social na infância são fundamentais para
evitar consequências como cefaleias crônicas. As cefaleias
mais frequentes na população pediátrica são a migrânea e
a CTT, predominando a migrânea nas crianças atendidas
no setor terciário e as CTT, em estudos populacionais. Outras
formas de cefaleias primárias, como cefaleia em salvas,
hemicrânia paroxística crônica e a cefaleia primária em
facada também podem raramente ocorrer na infân-
cia.
(9,25,26)
A osmofobia parece ser altamente específica, mas não
sensível para o diagnóstico da migrânea, porque está au-
sente em outros tipos de dores de cabeça. No entanto, a
prevalência de osmofobia na população infantil parece
OSMOFOBIA E CEFALEIAS PRIMÁRIAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
12 Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018
menor do que a relatada nos adultos. Possivelmente isso
ocorre porque a duração da crise de migrânea é maior na
população adulta, bem como há maior dificuldade em
perguntar às crianças sobre essas características clínicas.
Além do mais, até esse momento, todos os estudos relacio-
nando osmofobia e cefaleias em crianças e adolescentes
foram realizados em centros terciários (Tabela 1), especia-
lizados no atendimento de cefaleia dessa população, o
que pode retratar uma associação da osmofobia apenas
BERNARDO IAO, MEDEIROS FL, ROCHA-FILHO PAS
quando a intensidade da cefaleia for de modo acentuado,
visto que os pacientes são geralmente encaminhados para
esse tipo de centro de atendimento quando possuem
cefaleias mais graves.
Ao confrontar migrânea com CTT, sete estudos com-
provaram predomínio absoluto de osmofobia durante as
crises de migrânea na população infantojuvenil. Adicio-
nalmente, a CTT e sua relação com osmofobia foi relatada
em cinco estudos, conforme demonstrado na Tabela 2.
Em crianças e adolescentes, a osmofobia também
possui forte associação com a cefaleia, em especial a
migrânea, e sua prevalência em pacientes dessa faixa
etária com migrânea variou entre 25%-42%, sendo um
sintoma de baixa sensibilidade, mas alta especificidade
no diagnóstico diferencial entre a migrânea e a CTT.
(10,11,20)
Adicionalmente, a migrânea sem aura foi mais prevalente
nas populações avaliadas nos estudos selecionados, sen-
do presente de 52,4% a 80% e a osmofobia esteve pre-
sente de 10,4% a 27%, nesses estudos.
(10,11,24)
No estudo de Raieli e colaboradores, a osmofobia
esteve presente exclusivamente nos pacientes migranosos,
e predominou discretamente em meninos, provavelmente
porque a maioria encontrava-se na faixa etária pré-púbere.
Outro dado importante levantado nesse estudo foi que os
pacientes migranosos apresentaram cefaleia de intensida-
de acentuada quando havia a presença concomitante dos
sintomas de alodínia e osmofobia. Nesse estudo, as cefaleias
secundárias foram registradas em 18%, entretanto, nenhum
paciente apresentou osmofobia associada.
(20)
Em 2008, Corletto e colaboradores avaliaram 305
pacientes, excluíram vinte pacientes com outras cefaleias
primárias, quatro com cefaleias secundárias e seis com
cefaleias inclassificáveis, restando 275 pacientes que fo-
Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018 13
ram estudados (144 com migrânea sem aura, 23 com
migrânea com aura e 108 portadores de CTT). A preva-
lência da osmofobia foi detectada em 18,5% dos 275 pa-
cientes, sendo a osmofobia presente em 25,1% dos paci-
entes migranosos e 8,3% nos pacientes com CTT. Os auto-
res também observaram que pacientes com história famili-
ar positiva para migrânea, quando foram comparados quan-
to aos grupos com osmofobia (77,7%) e sem osmofobia
(43,4%), houve diferença significativa (p <0.05). Ainda
nesse estudo, quanto à especificidade no diagnóstico dife-
rencial de migrânea sem aura e CTT, a osmofobia foi de
92%, maior que a fotofobia (61,4%) e fonofobia (45,5%).
Finalmente, os autores concluíram que a osmofobia é um
sintoma com baixa sensibilidade (27,1%) mas alta espe-
cificidade (92%), podendo servir de suporte no critério de
diagnóstico diferencial entre migrânea sem aura e CTT de
crianças e adolescentes. O valor preditivo positivo para o
diagnóstico de migrânea, levando-se a osmofobia em con-
sideração, foi de 82,3% e o valor preditivo negativo foi de
44,8%11. Dentre os artigos incluídos nesta revisão, o es-
tudo de Corletto e colaboradores foi o único a expressar
de maneira direta estes valores.
Em 2010, De Carlo e colaboradores realizaram um
estudo multicêntrico em dez centros de cefaleia juvenil na
Itália. Nesse estudo foi aplicada a ICDH-II, e os autores
observaram que houve associação significativa da osmo-
fobia às histórias familiares de migrânea e de osmofobia.
Também ocorreu associação significativa da osmofobia
com fotofobia, ou fonofobia, ou náusea, ou vômito, nos
pacientes migranosos, reforçando que a osmofobia é um
sintoma tão importante quanto os outros já estabelecidos
no diagnóstico de migrânea.
(19)
Novamente, De Carlo e colaboradores, em 2012,
avaliaram exclusivamente, pacientes menores de 18 anos
com CTT. Nesse estudo, dos 1.020 pacientes, noventa
pacientes portadores de CTT foram selecionados, e o es-
tudo teve como objetivo predizer se no seguimento de três
anos esses pacientes com CTT que apresentassem
osmofobia desenvolveriam migrânea. O resultado demons-
trou que 56 (62%) pacientes apresentavam osmofobia no
início do estudo, e esse percentual evoluiu para 85%, em
três anos. Portanto, o risco dos pacientes com CTT se
tornarem migranosos após três anos é significativamente
aumentado pela presença de osmofobia e ainda maior se
esse sintoma estiver associado a outros preditores, como
fonofobia e/ou um provável diagnóstico de CTT. Esse es-
tudo confirmou que a osmofobia tem importante papel
no diagnóstico e prognóstico de crianças e adolescentes
com cefaleias primárias.
(12)
Ghandehari e colaboradores, em 2012, relataram
que especialistas asiáticos em cefaleias não utilizaram a
ICDH-II para diagnóstico de cefaleias, e, sim, utilizaram
suas experiências práticas com os critérios asiáticos para
cefaleias. Esse estudo foi conduzido com 344 adultos, e
com 109 crianças. Vamos tecer apenas comentários so-
bre a população infantil. Migrânea foi detectada em
52,8% das meninas com cefaleias. A presença de osmo-
fobia ocorreu em 48,6% para a população em geral do
estudo (** vide Tabela 2), entretanto, a presença da
osmofobia apenas foi estatisticamente significativa na po-
pulação dos adultos (p < 0,0001), particularmente as
mulheres adultas com migrânea (p < 0,0001, com ra-
zão de verossimilhança de 57,45 para o sexo feminino
contra 32,83 para o sexo masculino). Na população
pediátrica com migrânea, a presença de osmofobia não
foi significativa para estabelecer uma associação entre a
osmofobia e migrânea nesta faixa etária (p= 0,09, com
razão de verossimilhança de 3,31).
(23)
Bosetti e colaboradores publicaram um resumo para
congresso com uma casuística de 482 crianças de um
centro de cefaleia para crianças e observaram que a
osmofobia foi um sintoma pouco presente, mas, quando
presente, ocorria mais frequentemente nos pacientes com
migrânea sem aura.
(10)
No estudo epidemiológico do nordeste da Itália,
Tarasco e colaboradores, em 2015, diagnosticaram 495
crianças com migrânea, sendo, 70,3% sem aura e 29,7%
com aura. Osmofobia ocorreu em cerca de 24,7% dos
pacientes com migrânea sem aura, sendo esse resultado
significativo quando comparado ao grupo com aura, onde
apenas 6,1% corroboraram a associação com osmofobia
(p< 0,001)24.
Odores relacionados a cefaleia em crianças e
adolescentes
Existem apenas dois estudos a respeito dos odores
mais relacionados a crises de cefaleias em crianças e
adolescentes. Todos foram conduzidos em centros terciários
especializados em cefaleia,
(10,19)
o que acaba comprome-
tendo a capacidade de distinção dos odores responsáveis
pela osmofobia.
No estudo de 2010, De Carlo e colaboradores estu-
daram 1.020 crianças e adolescentes com cefaleias do
tipo migrânea sem aura, migrânea com aura e CTT, e
registraram que os odores mais frequentes que estavam
associados às cefaleias de modo geral foram na seguinte
ordem: perfume (em 149 pacientes, 14,6%); comida (em
OSMOFOBIA E CEFALEIAS PRIMÁRIAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
14 Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018
112 pacientes, 11%); e cigarro (em 84 pacientes, 8,2%).
Todos esses odores não foram estatisticamente associados
aos diagnósticos de cefaleias porque tiveram prevalência
similar nos pacientes com migrânea e CTT. Apenas o odor
de comida foi referido mais frequentemente e de modo
significativo pelos pacientes com migrânea (p=0.02).
Houve também a correlação de odores desagradáveis de
comida com náusea e vômito no grupo de pacientes migra-
nosos (p<0,05).
(19)
O estudo de Bosetti e colaboradores, em 2015, ape-
sar de ser um resumo de congresso, contém informações
relevantes quanto aos odores e a relação com as crises de
cefaleia em crianças. Esse estudo, assim como o De Carlo
e colaboradores, também caracterizou os odores mais as-
sociados à cefaleia, dentre os indivíduos avaliados, na
mesma frequência de importância, primeiro os perfumes
(em 12 paciente, 2,5%), depois os odores de comida (em
nove pacientes, 1,9%), seguindo os odores de cigarro (em
quatro pacientes, 0,8%). Esse estudo também fez menção
à cefaleia associada a odores mistos como perfume e co-
mida em 5%, perfume e cigarro em 2,5%, outros odores
em 5%, e odores indefinidos em 15%.
(10)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cefaleia com a presença de osmofofobia em crian-
ças pode ser um forte indicador na diferenciação entre
migrânea e CTT e outras cefaleias não classificadas. A
despeito deste fato, existem poucos trabalhos que abor-
dam e aprimoram a interpretação deste sintoma para
um diagnóstico mais acurado dos tipos de cefaleia na
infância.
Estudos que aprofundem estas informações e tragam
mais dados elucidativos como sensibilidade, especi-
ficidade, valores preditivos e ainda uma melhor descrição
dos odores associados e se os mesmos, além da mera
coexistência, possam deflagrar as crises cefalálgicas, fa-
zem-se necessários. A inclusão de osmofobia como crité-
rio adicional para diagnosticar migrânea poderia ser con-
siderada na validação das próximas classificações para
evitar prováveis perdas significativas de diagnóstico.
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Correspondência
Pedro Augusto Sampaio Rocha Filho
Rua General Joaquim Inácio, 830, Sala 1412
Edifício The Plaza Business Center
50070-270 – Recife, PE, Brasil
pedroasampaio@gmail.com
Recebido: 15 de março de 2018
Aceito: 30 de março de 2018
OSMOFOBIA E CEFALEIAS PRIMÁRIAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
16 Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018
Cefaleia e abuso de internet: uma revisão narrativa
Headache and internet addiction: a narrative review
Tathiana Corrêa Rangel
1
, Pedro Augusto Sampaio Rocha-Filho
2
1
Pós-Graduanda em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil;
Professora Assistente da Disciplina de Saúde da Criança/Adolescente e Fisioterapia Neurofuncional, Departamento de
Fisioterapia, Universidade de Pernambuco, Petrolina, PE, Brasil
2
Professor Adjunto de Neurologia, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil;
Ambulatório de Cefaleias, Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
Rangel TC, Rocha-Filho PAS. Cefaleia e abuso de internet: uma revisão narrativa.
Headache Medicine. 2018;9(1):16-23
VIEW AND REVIEW
RESUMO
Contextualização: Entre os jovens, o prejuízo advindo da
cefaleia implica em incapacidade, fracasso e absenteísmo
escolar, além de maior vulnerabilidade às comorbidades.
Neste contexto, o uso intensivo de telefone celular e do com-
putador foram associados com hábitos insalubres. Pesquisas
reforçam a validade preditiva da influência da dependência
de internet nas condições físicas, no comportamento emocio-
nal e na qualidade de vida dos jovens. Poucos estudos asso-
ciam o abuso de internet com a prevalência de cefaleia.
Material e Métodos: O estudo foi uma revisão narrativa.
Resultados: O uso excessivo do computador e de instrumen-
tos tecnológicos é considerado um impacto negativo na saú-
de física, podendo estar associado a sintomas somáticos, como
cefaleias, depressão, dor musculoesquelética, fadiga e distúr-
bios de sono. Conclusões: Há necessidade de mais estudos
para avaliar as características da cefaleia atribuída ao abuso
de internet assim como o seu tratamento.
Palavras-chave: Dependência; Dor de cabeça; Internet.
ABSTRACT
Background: Among young people, headache-related
impairments imply inability, failure and school absenteeism, as
well as greater vulnerability to comorbidities. Based on this, the
intensive mobile phone and computer use were associated to
unhealthy habits. Previous researches reinforce the predictive
validity regarding the influence of internet dependence on
physical conditions, emotional behavior and quality of life of
young people. Few studies associate internet abuse with
headache prevalence. Material and Methods: This study was
a narrative literature review. Results: Excessive computer and
technological instruments use is considered to have a negative
impact on physical health and may be associated to somatic
INTRODUÇÃO
As cefaleias são consideradas um problema de saúde
pública no Brasil e no mundo devido ao impacto individu-
al e social que essa condição clínica acarreta,
(1)
pois gera
um elevado dispêndio econômico, além da redução da
qualidade de vida de seus portadores. As cefaleias se situ-
am entre as queixas mais comuns da medicina,
(2)
e podem
conduzir ao comprometimento de atividades escolares e
profissionais.
(3)
Em 2018, foi lançada a 3ª edição da Classificação
Internacional das Cefaleias (ICHD-3) para fins de apli-
cação clínica, educação, testes de campo ou outra pes-
quisa.
(4)
Entre os jovens estudantes, o prejuízo advindo dessa
dor implica incapacidade, fracasso educacional e
absenteísmo escolar em média de 2,8 dias/ano, além de
maior vulnerabilidade às comorbidades. As mulheres e adul-
tos jovens são os mais frequentemente acometidos.
(5,6)
Logo,
observa-se uma diminuição significativa na qualidade de
symptoms such as headache, depression, musculoskeletal pain,
fatigue and sleep disorders. Conclusions: Further studies are
needed to assess the characteristics of headache as a result of
internet abuse, as well as its treatment.
Keywords: Dependency; Headache; Internet
Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018 17
CEFALEIA E ABUSO DE INTERNET: UMA REVISÃO NARRATIVA
vida associada à presença das cefaleias, prejudicando as-
sim o desempenho na escola, no trabalho e durante a
realização das atividades de vida diária.
(2)
Além dessas repercussões negativas, as cefaleias po-
dem desencadear o surgimento de emoções como tristeza,
ansiedade ou raiva.
(3,6)
Existe uma associação bidirecional
entre a gravidade das cefaleias e a presença de transtornos
ansiosos e depressivos.
(7)
Com o desenvolvimento e o uso cada vez maior da
tecnologia ocupando espaços nas atividades diárias, a co-
municação e a busca de informações tornou-se uma im-
portante ferramenta de contato social, principalmente no
que se refere à eletrônica e à informática.
(8,9)
Nesse contexto, a internet viabilizou alternativas de
expressões e tarefas. No Brasil, o número de habitantes
com acesso virtual atingiu 79,9 milhões em 2011, com
crescimento de 8% em relação ao ano anterior, sendo os
adolescentes os que mais a acessam.
(10)
Além disso, pouco se sabe sobre a associação entre
uso excessivo da internet e queixas de saúde, levando em
consideração o tipo de atividade realizada na internet. Atu-
almente, o tempo on-line não pode ser computado como
um todo, já que os jovens também utilizam este sistema
para os seus trabalhos escolares. Por esta razão, existe a
necessidade de diferenciar entre o tempo gasto na internet
para o trabalho escolar e para o lazer.
(11)
Tomeé et al.
(12)
relataram que o uso abusivo da internet,
aumentou o risco de desenvolver sintomas depressivos e
distúrbios do sono entre jovens e adultos. Juntamente com
o aumento na popularidade do uso da rede mundial, sur-
giram relatos na literatura científica de indivíduos que es-
tariam "dependentes" da realidade virtual e de jogos ele-
trônicos.
(9)
Um estudo turco com 640 participantes (331 mulhe-
res) com idade entre 14 a 19 anos buscou conhecer as
características do uso da internet entre estudantes do ensi-
no médio e analisar separadamente os sintomas de déficit
de atenção e de hiperatividade. Foi encontrado que o dé-
ficit de atenção e a participação em jogos on-line foram
preditores significativos de abuso virtual, enquanto que a
hiperatividade e o uso de outros recursos da internet, como
a busca por informação e de redes sociais, não foram as-
sociados a essa dependência.
(13)
Os estudantes universitários são considerados um gru-
po de risco para o desenvolvimento de vício virtual, justa-
mente pelo crescimento do uso da internet entre os jovens
na última década, pela fácil acessibilidade nos campi uni-
versitários e pelos atuais desafios acadêmicos e sociais.
(14)
O uso abusivo da internet acompanha alta taxa de
transtornos de personalidade, distúrbios de humor, bai-
xa autoestima, impulsividade, suicídio, níveis mais bai-
xos de atividade física, migrânea, dores nas costas e
obesidade.
(15-17)
A internet pode ser utilizada de diferentes formas; as-
sim, alguns estudos buscaram conhecer as atividades mais
procuradas pelos adolescentes diagnosticados com depen-
dência virtual e encontraram que o maior tempo gasto é
com jogos on-line, principalmente entre os adolescentes
diagnosticados com o transtorno de déficit de atenção com
hiperatividade (TDAH), seguido por bate-papo ou redes
sociais e depois por atividades escolares.
(13,18)
Em 2012, o Departamento de Saúde e Serviços Hu-
manos dos Estados Unidos da América publicou um estu-
do quantificando o tempo ideal para o uso de meios
tecnológicos de tela, focalizando a internet. A recomenda-
ção é de que crianças de até 3 anos não devam fazer o
uso destas tecnologias; crianças de 3 a 12 anos, o tempo
ideal quantificado foi de meia hora a uma hora de uso por
dia; para adolescentes de 12 a 15 anos, até uma hora e
meia por dia; e para jovens com mais de 16 anos, até
duas horas por dia.
(19)
Embora esses fenômenos ainda sejam pouco estuda-
dos, a maioria dos autores sugere que o uso excessivo da
internet pode se tratar de um novo transtorno psiquiátri-
co.
(20,21)
Pesquisas realizadas principalmente em países de-
senvolvidos e nos tigres asiáticos, onde o acesso à tecno-
logia ocorre de modo mais intenso, apontam que uma
parcela da população jovem e adulta apresenta caracte-
rísticas de uso problemático desses novos recursos eletrôni-
cos. Tais estudos, porém, são bastante heterogêneos e a
variabilidade da nomenclatura e a inexistência de uma
síndrome clinicamente identificável e confiável, devido à
falta de critérios diagnósticos e definições operacionais es-
tabelecidos, são alguns dos fatores responsáveis por essa
heterogeneidade.
(9)
A partir do exposto, pretende-se realizar um exercício
crítico-reflexivo da literatura científica sobre a correlação
entre a cefaleia e a dependência virtual para permitir uma
compreensão sobre a temática e propor possibilidades a
serem observadas nas condições físicas, no comportamen-
to emocional e na qualidade de vida de indivíduos.
Dependência virtual
A primeira tentativa de caracterização da dependên-
cia virtual ocorreu em 1995 pelo psiquiatra americano
Ivan Goldberg. No ano seguinte, Young conduziu uma
investigação utilizando como parâmetro um conjunto de
18 Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018
RANGEL TC, ROCHA-FILHO PAS
critérios derivados daqueles utilizados pelo Manual Diag-
nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) em
dependência de substâncias para a criação do primeiro
esboço conceitual.
(9)
No entanto, até três anos após esta
análise, pesquisas entre sociólogos, psicólogos ou psiquia-
tras ainda não identificavam formalmente o uso abusivo
da internet como um comportamento problemático.
(22)
Em 1998, Young
(22)
realizou uma pesquisa com 157
homens (média de idade = 29 anos) e 239 mulheres (mé-
dia de idade = 43 anos) considerados dependentes e 64
homens (média de idade = 25 anos) e 36 mulheres (mé-
dia de idade = 28 anos) não dependentes para diferenci-
ar o que seria normal e patológico no acesso à internet.
Na maioria dos casos, àqueles classificados como depen-
dentes relataram que o uso da internet causou impacto
moderado a grave em seu cotidiano diário devido à sua
incapacidade de controlar o seu uso. As tentativas frustra-
das poderiam ser paralelamente comparadas aos alcoóla-
tras, que são incapazes de regular ou impedir o uso exces-
sivo da bebida.
A literatura propõe que a dependência de internet seja
considerada um novo transtorno psiquiátrico do século XXI.
Uma das possíveis causas da concentração de estudos dessa
área na Ásia e no Oriente Médio talvez seja o reflexo do
crescimento econômico desses países, proporcionando uma
evolução tecnológica mais acelerada e facilitando o aces-
so a equipamentos e internet pela população adolescente,
com índices na população de estudantes diagnosticados
com dependência virtual na Ásia variando entre 2,4% e
10,6%.
(8)
A dependência em internet não envolve apenas o uso
da internet para acesso a jogos on-line; os critérios de
diagnóstico do abuso virtual implicam uma utilização mais
diversificada como mídias sociais ou outros usos.
(8)
É im-
portante considerar que atualmente a maioria dos disposi-
tivos móveis tem acesso à internet, o que dificulta uma
maior precisão na medição do uso do computador e das
mídias.
(23)
Nesse sentido, pesquisas futuras sobre o uso virtual
excessivo precisam seguir diretrizes similares e são esses os
esforços de pesquisadores na elucidação de quais critérios
comportamentais e/ou emocionais devem ser levados em
consideração em relação ao uso saudável ou não da internet
para a inclusão dessa dependência como psicopatologia
nas próximas edições do DSM.
(8)
Conceitualmente, o diagnóstico é um transtorno do es-
pectro compulsivo-impulsivo que envolve o uso de compu-
tadores on-line e/ou off-line.
(20)
O termo abuso de internet
também foi caracterizado como preocupações, impulsos ou
comportamentos mal controlados pela utilização de compu-
tadores e acesso à rede que levariam à aflição.
(24)
Nos estudos conduzidos por Young,
(22)
a dependência
da internet poderia ser baseada nos seguintes critérios: es-
tar preocupado com a internet e sentindo a necessidade
de usá-la, repetir esforços para finalizar o seu acesso, sen-
sação de inquietação por não estar conectado à rede, gastar
mais tempo do que o pretendido para utilizá-la, suspender
as relações sociais e utilizar a internet como ferramenta
para escapar de problemas pessoais.
O vício de internet compromete o funcionamento da
vida diária de maneira geral. Os prejuízos físicos relatados
se estendem a problemas de visão, privações de sono, fa-
diga, problemas com alimentação e desconforto músculo
esquelético.
(23,25)
Hakala et al.
(26)
sugerem que os sintomas
musculoesqueléticos geram dor de moderada a grave em
adolescentes usuários de computadores, sendo que o uso
diário por mais de duas horas, aumenta o risco de quadros
álgicos na maioria dos sítios anatômicos.
Muitos estudos apontam para a relação da dependên-
cia virtual e algumas comorbidades psiquiátricas e sintomas
somáticos, como: depressão, problemas nas relações
interpessoais, diminuição nas atividades e na comunicação
social, solidão, transtorno do humor bipolar e de ansiedade,
associações com os diferentes tipos de cefaleia e TDAH.
(9,25,27)
Ao avaliar o valor preditivo de sintomas psiquiátricos
para a ocorrência de abuso virtual, pesquisadores verifica-
ram que, entre mulheres, depressão, TDAH, fobia social e
hostilidade foram preditores do vício de internet, enquanto
que, entre homens, apenas TDAH e hostilidade mostraram
valor preditivo.
(28)
Conflitos familiares, sintomas físicos (cefaleias, dores
no pescoço e nas costas, dormência nos dedos, lacrimação
nos olhos), baixo desempenho escolar e acadêmico, além
de problemas elevados com os pares foram queixas
autorrelatadas pelos adolescentes acometidos pelo abuso
virtual. Aspectos relacionados a transtornos no sono tam-
bém foram observados em adolescentes que apresentaram
esse vício, quando comparados ao grupo controle.
(21,25)
A dependência de internet pode ser encontrada em
qualquer faixa etária, nível educacional e estrato socio-
econômico. Inicialmente, acreditava-se que esse problema
era privilégio de estudantes universitários que, buscando
executar suas atribuições acadêmicas, acabavam por per-
manecer mais tempo do que o esperado.
(9)
Sabe-se, hoje, que à medida que as tecnologias inva-
dem progressivamente as rotinas de vida, o contato com o
computador cada vez mais deixa de ser um fato ocasional
e, portanto, o número de atividades mediadas pela internet
Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018 19
aumenta de maneira significativa.
(9)
Um indivíduo com po-
tencial abusivo pode ser socialmente isolado e se sentir
mais à vontade na internet, evitando ambientes face a face.
Outro atrativo da virtualidade é a capacidade de que o
anonimato também facilita a socialização, o que é maxi-
mizado pelo seu acesso ser relativamente fácil e barato.
(21)
A farmacoterapia para o tratamento desse uso abusivo
é em tudo bem semelhante àquela praticada para o trata-
mento de transtornos psiquiátricos como quadros primári-
os de estresse, ansiedade e depressão. No que diz respeito
a outras formas de intervenção, sugere-se terapia de apoio
e de aconselhamento, terapia familiar, entrevista motiva-
cional e psicoterapia cognitivo-comportamental.
(9)
No que diz respeito à causa dessa dependência, uma
grande variedade de hipóteses tem sido levantada para a
compreensão etiológica, incluindo personalidade, dinâmi-
cas familiares, aspectos ambientais, comorbidade prévia,
dentre outros. Muitos clínicos defendem a tese de que as
pessoas em momentos de angústia, depressão ou mesmo
fuga se valeriam da realidade virtual como uma forma de
enfrentamento ou de procrastinação das dificuldades da
vida.
(29,30)
Os dependentes de qualquer idade usam a rede como
uma ferramenta social e de comunicação, pois têm uma
experiência maior de prazer e de satisfação quando estão
conectados (experiência virtual) do que quando não conec-
tados. Tais pacientes não mais se alimentam regularmente,
perdem o ciclo do sono, não saem mais de casa, têm
prejuízo no trabalho e nas relações pessoais e se relacio-
nam somente com conhecidos do mundo virtual.
(9,22)
Des-
sa maneira, não seria de se estranhar que essas pessoas
cheguem a ficar conectadas por mais de 12 horas por dia
e atinjam, com relativa frequência, 35 horas ininterruptas
de conexão.
(9)
Contudo, há necessidade de pesquisas que avancem
para uma melhor compreensão das atuais divergências em
relação à nomenclatura e ao diagnóstico da dependência
virtual. Nesse sentido, pesquisas que contribuam para a
melhor compreensão da dependência de internet, de modo
a estabelecer estratégias na prevenção e intervenções tera-
pêuticas, também se tornam essenciais, considerando-se
que, com o avanço tecnológico, a exposição e uso da
internet tendem a aumentar.
Cefaleia e abuso de internet
O uso excessivo do computador e de instrumentos
tecnológicos é considerado um impacto negativo na saú-
de física, podendo estar associado a sintomas somáticos,
como cefaleias, dor musculoesquelética, fadiga e distúrbi-
os de sono.
(27)
Choi et al.
(31)
observaram que o uso abusivo de
internet também afeta negativamente o sono noturno. A
pesquisa foi realizada com 2.336 estudantes (57,5% me-
ninos) da Coreia do Sul e constatou-se que a probabili-
dade de sonolência diurna excessiva foi 5,2 vezes maior
(Intervalo de Confiança 95%: 2,7-10,2) naqueles de-
pendentes virtuais.
A cefaleia e os distúrbios do sono são os sintomas
mais frequentes associados aos abusos do uso de internet e
de telefone celular. Porém, há uma falta de estudos sobre a
relação entre os diferentes tipos de cefaleia e o uso excessi-
vo das tecnologias supracitadas.
(27)
A Tabela 1 resume os
estudos disponíveis.
Cerutti et al. realizaram o primeiro estudo associando
o uso abusivo de internet e cefaleia. A presença ou ausên-
cia de cefaleia no estudo conduzido por Cerutti e colabo-
radores foi investigada com um questionário usado para
detectar as características da base de crises e utilizou os
critérios da versão beta do ICHD-III para classificação das
cefaleias. O uso da internet, de celular e a perturbação de
sono foram avaliados por meio de um questionário. Os
alunos foram convidados a especificar o número médio de
horas que eles utilizavam a internet por semana. O risco
de dependência de uma tecnologia foi avaliado baseado
nas escalas The Shorter PROMIS Questionnaire (SPQ).
Os sintomas somáticos referentes às duas últimas semanas
foram avaliados usando o Inventário de Somatização In-
fantil (CSI). O ponto de corte do CSI foi maior do que
quatro sintomas, para investigar a frequência sintomática,
incluindo também a cefaleia. Foram incluídos 841 estu-
dantes (51,1% eram homens), dos quais 236 (28%) ti-
nham cefaleia e 148 (17,6%) apresentaram migrânea.
Aproximadamente 14,9% dos indivíduos que abusavam
de internet, 26% de celular e 19,5% dos dois. Não foi
encontrada relação significativa entre os alunos com e sem
cefaleia em relação ao abuso de internet (p= 0,86). Em
relação aos tipos de cefaleia e o abuso de mídia, não
houve diferença significativa entre migrânea e cefaleia tipo
tensional (CTT).
(27)
Em 2015, Guidetti et al. pesquisaram sobre o uso
excessivo de internet e o impacto negativo na saúde física,
e observaram manifestações sintomáticas, como a cefaleia.
A amostra foi de 240 estudantes italianos do ensino médio
(51,7% eram mulheres). A cefaleia foi classificada de acordo
com o ICHD-2 (2004) e o abuso virtual identificado atra-
vés do Teste de Abuso de Internet (IAT). Cerca de 28,0%
dos participantes (n=67) tinham cefaleia, sendo que, des-
CEFALEIA E ABUSO DE INTERNET: UMA REVISÃO NARRATIVA
20 Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018
tes, 43 (18%) eram mulheres.
(17)
Foi avaliado se havia as-
sociação entre a migrânea e CTT com o abuso de internet
e a sintomatologia depressiva. A depressão de indivíduos
com migrânea ou CTT foi classificada em usuários de
internet problemáticos ou abusivos e foi comparada aos
participantes com migrânea ou CTT e classificados como
usuários com nível abaixo ou na média de acesso virtual.
Não houve diferença significativa entre os grupos (teste t;
p=0,09). A migrânea correlacionou-se positivamente com
a depressão (r=0,138, p<0,05).
(17)
Já a pesquisa de Suris et al.
(11)
avaliou, em uma amos-
tra aleatória de 3.067 adolescentes na Suíça (50, 3% eram
mulheres), se o uso de internet estava associado ao
surgimento de distúrbios somáticos. Os estudantes respon-
deram o questionário on-line. Foi utilizada a versão fran-
cesa do IAT. Não houve diferenças significativas na idade,
RANGEL TC, ROCHA-FILHO PAS
Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018 21
no gênero, nas principais variáveis sociodemográficas, no
uso de internet ou em algum dos problemas de saúde quan-
do comparados entre os integrantes das 35 escolas partici-
pantes. Entre os pacientes com uso problemático da internet,
27,2% apresentavam cefaleia, enquanto que 15,3% dos
sem uso problemático da internet tinham cefaleias
(p<0,01).
Conforme normativas descritas por Sinkkonen et al.,
(21)
a amostra analisada foi classificada em usuários on-line
médios (IAT<50; n=2.704, 88,2%), usuários frequentes
(IAT 50-79; n=346, 11,3%) e usuários virtuais signifi-
cativos (IAT 80; n=17, 0,6%). Devido ao pequeno nú-
mero de casos na categoria de usuários significativos, a
amostra foi combinada com aqueles dos usuários frequen-
tes para criar a categoria de usuários abusivos (n=363;
11,8%). Na análise bivariada foram comparados os gru-
pos de usuários on-line médios com usuários abusivos. Os
resultados foram significativos com percentual maior nos
indivíduos com abuso nas seguintes variáveis: problemas
nas costas (p<0,001), problemas com o peso (p<0,001),
cefaleia (p<0,01), problemas musculoesqueléticos
(p<0,01), problemas no sono (p<0,01) e problemas vi-
suais (p<0,01). Na mesma condição comparativa, porém
para análise multivariada, só houve significância estatísti-
ca na variável problema no sono (p<0,001).
(11)
Em outro estudo realizado por Guidetti e colaborado-
res
(32)
com764 estudantes (sexo masculino=396), os re-
sultados foram: sem dependência virtual 620 (88%); com
dependência de internet 92 (12%); dependentes com
migrânea 72/92(78,3%) e dependentes sem migrânea 22/
92 (23,9%) (p<0,001). Não foram encontradas diferen-
ças estatísticas entre a migrânea e CTT.
Utilizando uma proposta diferente em relação aos es-
tudos supracitados, Al-Dubai et al.
(33)
avaliaram a associa-
ção direta entre o acesso da mídia social Facebook com a
saúde física, comportamento insalubre e relações sociais
de estudantes de medicina da Universidade da Malásia. A
amostra foi de trezentos universitários (204 mulheres, 68%)
e todos apresentavam uma conta no Facebook. A média
de acesso diário foi de 2,5 (±1,7) horas. Os seguintes
efeitos adversos à saúde devido ao uso da mídia foram
identificados e classificados (nunca, às vezes ou frequente-
mente manifestaram): dores nas costas (n=209/às vezes),
dores nos ombros (n=195/às vezes), dores nos pulsos
(n=185/às vezes), cefaleia (n=187/às vezes) e irritação
nos olhos (n=193/às vezes). Ainda no que diz respeito à
cefaleia, oitenta indivíduos nunca relataram manifestá-la e
vinte frequentemente apresentaram o sintoma durante o
uso do Facebook. Os estudantes com cefaleia tinham sig-
nificativamente maior número de horas acessando esta rede
social (p<0,009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, existem poucos estudos que abordam a
relação entre a presença de cefaleia com o uso abusivo de
CEFALEIA E ABUSO DE INTERNET: UMA REVISÃO NARRATIVA
22 Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018
internet, embora a dependência virtual tenha sido inicial-
mente mencionada e associada ao aparecimento de trans-
tornos psiquiátricos desde 1995. Ainda há falta de
epidemiologia de estudos sobre as características clínicas
mais comuns da causa das cefaleias proveniente dessa
dependência.
Mais estudos prospectivos sobre essa associação são
necessários para obter uma melhor compreensão e defini-
ção da entidade clínica, observando as características das
cefaleias entre os pacientes com abuso de internet, classifi-
cando-os de acordo os critérios atuais da 3ª edição da
Classificação Internacional das Cefaleias (ICHD-3), e tes-
tando as possíveis condutas terapêuticas, inclusive para a
dependência virtual mediante os critérios da versão atuali-
zada do DSM.
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CEFALEIA E ABUSO DE INTERNET: UMA REVISÃO NARRATIVA
Correspondência
Pedro Augusto Sampaio Rocha Filho
Rua General Joaquim Inácio, 830, Sala 1412
Edifício The Plaza Business Center
50070-270 – Recife, PE, Brasil
pedroasampaio@gmail.com
Recebido: 15 de março de 2018
Aceito: 25 de março de 2018
24 Headache Medicine, v.9, n.1, p.24-28, Jan./Feb./Mar. 2018
Hipotireoidismo subclínico e cefaleias
Subclinical hypothyroidism and headaches
Marise de Farias Lima Carvalho
1
, Pedro Henrique Muniz Falcão do Espírito Santo
2
,
Raphaella Von Sohsten Calabria Lima
2
, Helena Mello de Godoy Donato
2
1
Médica endocrinologista e docente do Curso de Medicina da Universidade
Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, PE, Brasil
2
Discente do Curso de Medicina da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, PE, Brasil
Lima Carvalho MF, Espírito Santo PHMF, Lima RVSC, Donato HMG. Hipotireoidismo subclínico e cefaleias.
Headache Medicine. 2018;9(1):24-28
VIEW AND REVIEW
RESUMO
Introdução: Nos últimos anos, diversas disfunções hormonais
têm sido investigadas como causa de cefaleia, dentre elas o
hipotireoidismo. A cefaleia atribuída ao hipotireoidismo é
uma das cefaleias secundárias aos distúrbios da homeostase,
em torno de um terço dos hipotireoideos podem referir
cefaleia, mas poucos trabalhos avaliaram a prevalência de
cefaleia nos pacientes com hipotireoidismo subclínico, uma
condição classicamente referida como mais leve e de impor-
tância questionável. Objetivo: O objetivo de nosso trabalho
foi revisar a literatura acerca do tema hipotireoidismo subclínico
e cefaleia. Material e Métodos: Realizou-se uma pesquisa
nos sites de busca da Pubmed e Scielo por artigos relaciona-
dos ao tema utilizando os descritores Hypothyroidism,
subclinical hypothyroidism, headache and migraine. Resul-
tados: Estudos recentes ajudaram a clarear a relação cefaleia
e hipotireoidismo como real e impactante. Considerando
especificamente o hipotireoidismo subclínico, é possível que
o impacto do sintoma seja igualmente relevante neste gru-
po. A frequência de migrânea parece ser maior entre os
pacientes com hipotireoidismo subclínico ao compará-los
com indivíduos eutireoideos; os resultados são, entretanto,
conflitantes para a população pediátrica. Pode haver um
efeito benéfico do tratamento do hipotireoidismo subclínico
sobre o sintoma. Conclusão: Cefaleia é um sintoma co-
mum e relevante entre pacientes com hipotireoidismo. Essa
relação parece também presente nos pacientes com
hipotireoidismo subclínico, e mais estudos são necessários
para entender os mecanismos e a importância do tratamen-
to da disfunção hormonal nestes casos.
Palavras-chave: Hipotireoidismo; Cefaleia; Migrânea
ABSTRACT
Introduction: In the last years, many hormonal dysfunctions
have been investigated as causes of headache, among them
the hypothyroidism. The headache attributed to
hypothyroidism is one of the headaches secondary to
homeostasis disorders, around one third of hypothyroid
patients may refer headache, but a few works have evaluated
the prevalence of headache in subclinical hypothyroid
patients, a condition traditionally referred as milder and of
questionable importance. Objective: The aim of our work
was to review the medical literature about the theme
subclinical hypothyroidism and headache. Methods: A
research has been performed in search sites as PubMed and
SciELO for articles related to the theme using the describers
“Hypothyroidism”, “subclinical hypothyroidism”, “headache”
and “migraine”. Results: Recent studies have helped to clarify
the relation between headache and hypothyroidism as real
and striking. Considering specifically the subclinical
hypothyroidism, it is possible that the impact of the symptom
may be equally relevant in this group. The frequency of
migraine seems to be higher among subclinical hypothyroid
patients when compared to euthyroid individuals, the results,
however, are conflicting for the pediatric population. There
must be a benefic effect of the subclinical hypothyroidism
treatment over the symptom. Conclusion: Headache is a
common and relevant symptom among hypothyroid patients.
This relation seems to be also present in subclinical
hypothyroid patients, more studies are needed to understand
the mechanisms and the importance of the treatment in these
cases.
Keywords: Hypothyroidism; Headache; Migraine
Headache Medicine, v.9, n.1, p.24-28, Jan./Feb./Mar. 2018 25
INTRODUÇÃO
Um dos possíveis sintomas do Hipotireoidismo Clíni-
co (HC), a cefaleia acomete cerca de um terço destes
pacientes
(1)
e sua relevância nessa condição foi ressalta-
da pela Classificação Internacional das Cefaleias desde
a sua segunda edição (ICHD II) quando foram estabele-
cidos os critérios para a cefaleia atribuída ao
hipotireoidismo (CAH), capítulo das cefaleias secundári-
as aos distúrbios da homeostase, critérios estes que foram
recentemente revisados na sua edição em 2018 (Tabela
1). A patogênese da CAH ainda é incerta e advoga-se
uma possível relação entre sensibilidade aumentada à
dor e disfunção tireoidiana.
(2)
Dentro do universo das
cefaleias, a influência da disfunção tireoidiana sobre a
frequência de crises de migrânea também é motivo de
estudo e o seu elo com a CAH foi também investigado
em estudos preliminares.
(3)
O hipotireoidismo subclínico (HSC) é uma condi-
ção descrita como um hipotireoidismo menos sintomáti-
co e impactante.
(4)
O reconhecimento de que a cefaleia
é um sintoma igualmente possível no grupo de pacien-
tes com HSC é ainda uma ideia recente e com poucos
estudos, os quais vêm destacando essa possibilidade, o
que é particularmente interessante num momento aca-
dêmico de ebulição na discussão de indicações de tra-
tamento hormonal da disfunção tireoidiana subclínica
com propostas tímidas nos guidelines mais recentes e
uma necessidade real de mais estudos nesta investiga-
ção.
(5)
Objetivo
O presente estudo possui como principal objetivo re-
alizar uma revisão de literatura atualizada relacionada
ao hipotireoidismo subclínico e cefaleia com enfoque em
seus aspectos diagnósticos e terapêuticos.
HIPOTIREOIDISMO SUBCLÍNICO E CEFALEIAS
26 Headache Medicine, v.9, n.1, p.24-28, Jan./Feb./Mar. 2018
LIMA CARVALHO MF, ESPÍRITO SANTO PHMF, LIMA RVSC, DONATO HMG
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizada uma revisão que utilizou como base de
dados as plataformas SciELO e Pubmed a partir dos
descritores "Hypothyroidism", "Subclinical hypothyroidism",
"Headache" and "Migraine", e restringiu-se para estudos
em humanos. Os artigos encontrados foram avaliados e
uma revisão dos seu principais achados foi realizada pelo
grupo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Diversos distúrbios endócrinos vêm sendo pesquisados
em relação a suas possíveis implicações com migrâneas e
cefaleias.
(6)
Dentre eles, a obesidade, a resistência insulínica
e o hipotireoidismo, em particular nos pacientes com
migrânea crônica e migrânea com aura. A sensibilidade à
insulina parece estar prejudicada e níveis elevados de glicose
e insulina são mais frequentes nestes pacientes.
(7)
Embora
procure-se evidenciar um link metabólico para a etiologia
da cefaleia e de outras dores, ou uma evidência de um
mecanismo hormonal envolvido, a resposta para essa fre-
quente associação ainda não está clara.
A associação entre cefaleia e hipotireoidismo tornou-
se um tema de pesquisas nos últimos anos, e uma das
primeiras descrições deste binômio partiu de uma série com
102 pacientes com diagnóstico de hipotireoidismo "novo"
avaliados por Moreau e colaboradores.
(8)
O estudo identi-
ficou que 31 pacientes apresentaram a queixa cefaleia, o
antecedente de migrânea foi marcante neste grupo e a
remissão do sintoma foi descrita em todos os casos após o
tratamento efetivo da condição hormonal. O estudo não
descreve o percentual de indivíduos com diagnóstico de
HSC dentre os pesquisados, apenas apresenta uma média
geral de TSH de 19 mUI/L. Os achados desses autores
foram de tal importância que, em 2004, foi incluída na
segunda edição da Classificação Internacional das
Cefaleias, a CAH, contemplando as características por eles
encontradas: bilateral, não pulsátil e contínua.
(9)
A investigação de disfunções tireoidianas em paci-
entes com dores de cabeça também foi contemplada
numa análise retrospectiva, a frequência de hipo-
tireoidismo foi avaliada em 3.727 pacientes com cefaleias
primárias e os autores concluíram que a prevalência des-
ta disfunção hormonal foi superior dentre os migranosos
quando comparados à população geral.
(10)
Esses acha-
dos foram semelhantes aos de um estudo longitudinal,
que acompanhou a função tireoideana de uma popula-
ção de 8.412 indivíduos durante vinte anos e monitorou
a frequência de cefaleia nesses indivíduos. O estudo con-
cluiu que a presença de cefaleia poderia estar associada
a um aumento do risco para desenvolvimento de
hipotireoidismo.
(11)
Em um outro estudo, pacientes com
cefaleia do tipo nova, diária e persistente, também foram
avaliados, e a presença de disfunção tireoidiana sugeriu
que testes de função tireoidiana deveriam ser realizados
nestes pacientes.
(12)
HSC é uma condição laboratorial cuja significância
clínica tem sido debatida.
(5,13,14)
Tradicionalmente atribuí-
mos essa denominação aos pacientes cuja função tireoi-
diana se mostra alterada pela elevação isolada do hormônio
tireoestimulante (TSH) com frações periféricas (T3 e T4)
normais.
(15)
Embora se reconheça que a disfunção labo-
ratorial desses pacientes seja fator de risco determinante de
progressão para a condição de HC,
(16)
hoje a ciência tem
revelado que sua importância extrapolou o status de con-
dição laboratorial para uma entidade com sintomatologia
similar ao HC e complicações obstétricas e cardiovasculares
extensamente estudadas.
(17,18)
Apesar de o diagnóstico do
HSC já ser amplamente conhecido, as questões relaciona-
das à importância de seus sintomas e de seu tratamento
ainda são controversas, há poucas indicações formais para
o tratamento do HSC nos consensos publicados a este res-
peito,
(5)
o que reflete um questionamento ainda existente
acerca de quais pacientes seriam efetivamente beneficia-
dos. Os estudos têm sugerido o tratamento do HSC com
levotiroxina para aqueles com maior risco de progressão
para o HC (o que inclui pacientes com autoimunidade para
tireoide e aqueles com níveis de TSH acima de 10 mUI/L),
(5)
e para grupos mais vulneráveis às complicações mais forte-
mente associadas; neste grupo temos as mulheres grávidas
com TSH acima de 4,0 pelo risco de abortamento
(17)
e
aqueles com risco cardiovascular mais evidente.
(18)
Uma
outra possibilidade inclui os indivíduos sintomáticos, e a
administração de levotiroxina pode ser considerada para
esse grupo na forma de teste terapêutico por três meses
com reavaliação após este período.
(5)
O tratamento, por
outro lado, tem mostrado resultados mais favoráveis em
indivíduos mais jovens e tem sido sugerida uma possível
proteção conferida pelo HSC em idosos,
(19)
em particular
acima de 80 anos, de forma que a indicação de trata-
mento para esse grupo permanece restrita. Não há des-
crição nos consensos atuais acerca da indicação de tra-
tamento para remissão de sintomas neurológicos em pa-
cientes com HSC.
A presença de sintomas em pacientes com HSC é
motivo de discussão, no entanto já foi descrito que este
grupo de pacientes tem sintomas numa frequência relacio-
Headache Medicine, v.9, n.1, p.24-28, Jan./Feb./Mar. 2018 27
nada ao nível de TSH e superior aos controles.
(16)
Sintomas
neuropsiquiátricos, como alterações de memória e de fun-
ções cognitivas, depressão e sua repercussão nos escores
de qualidade de vida também foram relatados como signi-
ficativos neste grupo em estudos prévios.
(15,20,21)
A pesquisa
da frequência do sintoma cefaleia entre hipotireoideos (tanto
clínico quanto subclínico) é pouco encontrada na literatu-
ra, um estudo publicado em 2008 evidenciou que a des-
crição do sintoma "cefaleia" nos registros de consulta do
paciente com hipotireoidismo é pouco lembrada entre os
especialistas.
(1)
A prevalência da cefaleia no grupo de pacientes com
HSC tem uma história mais recente na literatura médica.
Um capítulo importante foi o impacto da associação HSC
e migrânea na população pediátrica quando um debate
foi levantado pelos achados antagônicos de dois traba-
lhos. Conforme Fallah,
(22)
em um estudo feito com crian-
ças e adolescentes de 5 a 15 anos com história de migrâ-
nea, o HSC seria um fator de exacerbação da migrânea
nestes indivíduos, propondo em seu trabalho a inclusão
de testes de função tireoidiana em crianças migranosas.
Em 2014, outros autores pesquisaram crianças com
migrânea e na contramão do estudo precedente encon-
traram uma frequência baixa de HSC neste grupo, de
forma a considerar irrelevante a pesquisa de função
tireoidiana ou qualquer investigação endócrina em cri-
anças com migrânea.
(23)
A associação entre migrânea e HSC foi investigada
em adultos em um trabalho recentemente publicado.
Rubino e colaboradores realizaram um estudo do tipo
caso-controle, em que recrutaram pacientes com HSC, e
controles, para entrevistá-los quanto à presença de
migrânea; no mesmo trabalho, características clínicas e
laboratoriais do grupo HSC foram comparadas entre os
migranosos e não migranosos. Os resultados mostraram
que a frequência de migrânea foi significativamente mai-
or no grupo de HSC em relação aos controles. Não hou-
ve diferenças significativas entre os pacientes com ou sem
migrânea no grupo de pacientes com HSC no que se
referia aos níveis de TSH e a presença de autoimunidade
direcionada para a tireoide. A prevalência de outras do-
enças autoimunes foi superior entre os migranosos com
HSC. Os autores concluíram que os pacientes com HSC
têm risco aumentado para migrânea e que essas associa-
ção não parece estar relacionada diretamente aos níveis
de TSH ou de anticorpos antitireoidianos.
(24)
Nosso grupo investigou a cefaleia em indivíduos com
diagnóstico de hipotireoidismo recente. A frequência do
sintoma encontrada em pacientes com HSC foi similar à
dos pacientes com HC (35% vs 32%, respectivamente,
p<0,05) avaliando uma coorte de 213 pacientes. Neste
estudo, as características da cefaleia evidenciaram um
perfil diferente dos critérios até então propostos para a
CAH. Os 73 pacientes que apresentavam cefaleia (con-
siderando HSC e HC) experimentaram em sua maioria
cefaleia bilateral, pulsátil, associada a náusea ou vômito
e de moderada intensidade, o que levantou o questio-
namento dos critérios propostos até então no ICHD.
(3)
A
frequência de migrânea prévia dentre os pacientes com
cefaleia foi de 53% , superior ao grupo sem cefaleia (38%).
Um fato igualmente relevante neste estudo foi a melhora
reportada pelo grupo de pacientes com hipotireoidismo
subclínico que referiu alívio ou remissão do sintoma em
um percentual de 82% dos casos após o tratamento da
condição hormonal, o que ressalta a validade em consi-
derar o tratamento do HSC em pacientes queixosos de
cefaleia.
(1)
Estudos levantaram a presença de um potencial efei-
to neuromodulatório dos hormônios tireoidianos sobre o
sistema GABAérgico.
(25)
É possível que alguns indivíduos
apresentem esta sensibilidade mesmo em uma fase muito
precoce de disfunção tireoidiana, o que poderia justificar
a dor dos pacientes com HSC, e o efeito do tratamento
desses pacientes poderia virtualmente exercer impacto so-
bre esse sistema, ocasionando alívio da dor e sensação
de bem-estar geral. Estudos têm defendido o tratamento
de pacientes com HSC porque admitem que esses paci-
entes podem experimentar melhores escores de qualida-
de de vida e melhora de sintomas.
(26)
Um estudo eviden-
ciou o impacto negativo do HC sobre o escore de satis-
fação com sua saúde em mulheres quando comparadas
àquelas com HSC e as do grupo controle; este estudo, no
entanto, mostrou que no quesito "dor corporal", a insatis-
fação foi similar entre mulheres com HC, HSC e contro-
les.
(21)
É possível que mais estudos evidenciem se esses
dados se repercutem para os pacientes com cefaleia e
HSC, como foi previamente proposto por nosso grupo e
citado anteriormente.
Conclui-se que a associação cefaleia e hipotireoi-
dismo é uma realidade, no entanto é escassa a literatura
que a investiga no grupo de pacientes com HSC. Dentre
os achados dos poucos trabalhos que se debruçaram so-
bre o tema, observa-se que cefaleia é uma queixa fre-
quente em pacientes com hipotireoidismo subclínico, em
particular naqueles com migrânea. O tratamento da
disfunção hormonal pode proporcionar alívio ou remis-
são do sintoma e novos estudos devem investigar os me-
canismos responsáveis por essa associação.
HIPOTIREOIDISMO SUBCLÍNICO E CEFALEIAS
28 Headache Medicine, v.9, n.1, p.24-28, Jan./Feb./Mar. 2018
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Correspondência
Marise de Farias Lima Carvalho
Av. República do Líbano, 251
Empresarial Riomar Trade Center, sala 2005
Boa Viagem, Recife-PE, Brasil
Recebido: 27 de fevereiro de 2018
Aceito: 25 de março de 2018
Headache Medicine, v.9, n.1, p.29-32, Jan./Feb./Mar. 2018 29
Cefaleias ocupacionais: quando suspeitar?
Occupational headaches: when to suspect?
Patrick Emanuell Mesquita Sousa Santos
1
, Alanny Gabrielly Diogenes Campelo
1
, Ezequiel Gonçalves da Costa
1
,
Guilherme Antonio Morais Lima
1
, Matheus Saraiva Valente Rosado
1
, Raimundo Pereira Silva-Néto
2
1
Estudantes de Medicina, Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil
2
Professor de Neurologia, Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil
Santos PEMS, Campelo AGD, Costa EG, Lima GAM, Rosado MSV, Silva-Néto RP. Cefaleias ocupacionais: quando suspeitar?
Headache Medicine. 2018;9(1):29-32
VIEW AND REVIEW
RESUMO
As doenças ocupacionais estão diretamente ligadas à profis-
são do trabalhador, enquanto que as do trabalho estão liga-
das ao ambiente de trabalho. No Brasil, estas entidades mór-
bidas são regidas pela Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991.
As cefaleias ocupacionais foram, primeiramente, descritas por
Bernardino Ramazzini, em 1700, em seu livro De morbis
artificum diatriba. No entanto, até o momento, não foram
inseridas na lista de doenças relacionadas ao trabalho,
publicada pelo Ministério da Saúde, e adotada pelo Ministé-
rio da Previdência Social. A classificação de Schilling utiliza-
da nas doenças ocupacionais em geral pode ser adaptada
aos diagnósticos de cefaleia ocupacional. Para se chegar a
esse diagnóstico, são necessários três elementos essenciais:
anamnese ocupacional, diário de atividades e nexo causal.
Palavras- chave : Doença ocupacional; Doença profissio-
nal; Classificação de Schilling; Cefaleia
ABSTRACT
Occupational diseases are directly linked to the worker's
profession, while those of work are linked to the work
environment. In Brazil, these morbid entities are governed by
Law No. 8,213 of July 24, 1991. Occupational headaches were
first described by Bernardino Ramazzini in 1700 in his book
De morbis artificum diatribe. However, to date, they have not
been included in the list of work-related diseases, published by
the Ministry of Health, and adopted by the Ministry of Social
Security. The classification of Schilling used in occupational
diseases in general can be adapted to the diagnoses of
occupational headache. To arrive at this diagnosis, three
essential elements are necessary: occupational anamnesis,
activity diary and causal nexus.
Keywords:Ocupational disease; Schilling classification;
Headache
DEFINIÇÃO DE DOENÇA OCUPACIONAL E DO
TRABALHO
Desde muito tempo, as expressões "doença ocupa-
cional" e "doença do trabalho" são bastante confundidas,
apesar de serem termos diferentes, com uma explicação
clara e direta.
A doença ocupacional ou profissional é aquela pro-
duzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho pecu-
liar à determinada profissão ou ocupação. Ela está direta-
mente ligada à profissão do trabalhador, como, por exem-
plo, o soldador que desenvolveu catarata.
(1)
Por outro lado, a doença do trabalho é aquela produ-
zida ou desencadeada pelo ambiente onde o trabalho é
exercido. Ela está diretamente ligada ao ambiente de tra-
balho. Um bom exemplo é o caso do trabalhador que
desenvolveu surdez em um ambiente com ruído excessivo.
Por isso, a utilização dos equipamentos de proteção indivi-
duais (EPI) e medidas de segurança ajudam a combater as
doenças do trabalho.
(1)
Aspectos legais
De acordo com a Lei nº 8.213 de 24 de julho de
1991, no Art. 20,
(2)
são consideradas doenças profissio-
nais ou do trabalho, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida
ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a
determinada atividade e constante da respectiva relação
elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência
Social;
30 Headache Medicine, v.9, n.1, p.29-32, Jan./Feb./Mar. 2018
SANTOS PEMS, CAMPELO AGD, COSTA EG, LIMA GAM, ROSADO MSV, SILVA-NÉTO RP.
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida
ou desencadeada em função de condições especiais em
que o trabalho é realizado e com ele se relacione direta-
mente, constante da relação mencionada no inciso I.
§ Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habi-
tante de região em que ela se desenvolva, salvo compro-
vação de que é resultante de exposição ou contato direto
determinado pela natureza do trabalho.
HISTÓRICO
As doenças ocupacionais são conhecidas desde a
Antiguidade. São descritos nos papiros egípcios (1500-
1300 a.C.) o atendimento organizado aos trabalhadores
de minas e pirâmides. Os textos judaicos, elaborados an-
tes da era Cristã, afirmavam que o "amo" não poderia
exigir de seu servo horas adicionais que desrespeitassem os
hábitos culturais de sono e vigília.
(3)
Hipócrates (400 a.C.) descreveu a intoxicação satur-
nina em mineiros. Nos primeiros anos da era Cristã, Caio
Plínio II (79-23 a.C.), escritor, historiador e oficial roma-
no, narra a iniciativa dos escravos de colocarem membra-
nas de bexigas de carneiro como máscaras.
(3,4)
Em 1700, Bernardino Ramazzini (1633-1714), pro-
fessor de medicina da Universidade de Modena, na Itália,
publicou o livro De morbis artificum diatriba (traduzido
para a língua portuguesa como As doenças dos trabalha-
dores), o primeiro tratado de medicina ocupacional. Por
causa desse livro e de suas contribuições, ele é considera-
do o pai da Medicina do Trabalho.
(3-5)
A partir de Ramazzini, começaram os estudos sobre as
cefaleias ocupacionais. No seu livro, dentre 69 ocupações
listadas, havia 12 que, segundo ele, provocavam cefaleia
como distúrbio diretamente relacionado às condições de
trabalho.
(3,5)
Ele citou, como exemplo, os confeiteiros que padeci-
am de cefaleia por permanecerem próximos ao carvão
quente por várias horas; e as estenógrafas, em virtude das
horas de intensa tensão que as envolvia. Lembrou-se, tam-
bém, dos lacaios e mensageiros, que sofriam de cefaleia
por causa do esforço; e caçadores e marinheiros, nos quais
a cefaleia seria em decorrência das modificações de tem-
peratura e exposição ao sol.
(3,5)
Ainda neste livro, Ramazzini desaconselhava os indi-
víduos queixosos de cefaleia a assumirem profissões que
envolvessem a utilização de instrumentos musicais de so-
pro e canto livre.
(3)
Doenças relacionadas ao trabalho, segundo o
Ministério da Saúde
Em 1998, o Ministério da Saúde elaborou uma lista
de doenças ocupacionais e do trabalho para orientar o
Sistema Único de Saúde (SUS) em relação ao diagnóstico
destas nosologias e as medidas decorrentes. Foram relaci-
onadas cerca de 200 entidades nosológicas específicas,
todas elas referidas à Classificação Internacional de Doen-
ças, na sua 10ª Revisão (CID-10).
(6)
Ao se buscar a associação entre cefaleia e medicina
do trabalho, nota-se que nenhuma forma de cefaleia apa-
rece na lista de doenças relacionadas ao trabalho que foi
publicada pelo Ministério da Saúde, e adotada pelo Mi-
nistério da Previdência Social.
(7)
Classificação de Schilling nas cefaleias
Em 1984, Richard Schilling, um professor de medi-
cina, em Londres, propôs uma classificação das doenças
relacionadas ao trabalho, denominada classificação de
Schilling, a qual é utilizada pelo Ministério da Saúde, no
Brasil.
(8)
Nessa classificação, as doenças relacionadas ao tra-
balho estão dividas em três categorias. No grupo I, o tra-
balho é a causa necessária para o aparecimento da doen-
ça, ou seja, é o agente causador, nomeadamente, a into-
xicação por chumbo em mineradores; no grupo II, o tra-
balho é um fator que contribui, mas não é considerado
causa da doença, ou seja, é um fator de risco, tal como
nas varizes de membros inferiores de cirurgiões; e no grupo
III, o trabalho é o fator desencadeante ou de piora de
doença já estabelecida, como, por exemplo, nas doenças
alérgicas e os transtornos psiquiátricos.
(8)
Adaptando-se a Classificação de Schilling aos diag-
nósticos de cefaleia (Figura 1), observa-se que no grupo
I, não existe qualquer trabalho que seja a causa da
cefaleia. No entanto, nos grupo II e III, há inúmeras
cefaleias em que o trabalho é um fator de risco ou
desencadeante.
Em se tratando de trabalho como fator de risco, há
muitos trabalhadores que, ao exercerem suas ocupações,
estarão mais predispostos a desenvolverem cefaleia. Den-
tre essas ocupações estão o trabalho nas alturas, em que o
trabalhador poderá cair e sofrer um trauma cefálico e, pos-
teriormente, desenvolver uma cefaleia atribuída a trauma
Headache Medicine, v.9, n.1, p.29-32, Jan./Feb./Mar. 2018 31
CEFALEIAS OCUPACIONAIS: QUANDO SUSPEITAR?
cefálico; dos frentistas que têm exposição ocupacional à
gasolina e apresentam cefaleia induzida pela exposição a
uma substância;
(9)
dos mergulhadores profissionais, sujei-
tos à cefaleia do mergulho; dos policiais que usam capa-
cete e desenvolvem a cefaleia por compressão externa.
(10)
Outros trabalhadores se enquadram no grupo III, em
que o trabalho é um fator desencadeante ou agravante de
uma cefaleia pré-existente. Naqueles que apresentam
cefaleia do esforço físico e trabalham levantando peso,
tais como, os estivadores, terão sua cefaleia deflagrada no
exercício da profissão.
Deve-se lembrar da migrânea que pode ser incluída
no grupo III, visto que algumas crises de cefaleia podem
ser desencadeadas naqueles que trabalham em ambien-
tes que têm substâncias odorantes, tais como, perfumari-
as e postos de gasolina
(9)
ou expostos a elevadas tempe-
raturas.
(11)
Impacto social
As cefaleias são conhecidas por causarem enorme e
importante impacto social. No dia a dia, comumente, ob-
servam-se absenteísmo, diminuição da produtividade e re-
dução da qualidade de vida.
(12)
Sem dúvida alguma, os
fatores ocupacionais precipitantes de cefaleia podem ser
responsabilizados por várias consequências desse impacto
social.
Diagnóstico
Na maioria das vezes, os pacientes com cefaleia saem
do consultório do neurologista com o diagnóstico de algu-
ma cefaleia incluída no ICHD-3,
(13)
mas, raramente, de
uma cefaleia ocupacional. Para se chegar nesse diagnós-
tico, são necessários três elementos essenciais: anamnese
ocupacional, diário de atividades e nexo causal.
Na anamnese ocupacional, alguns questionamentos
devem feitos pelo médico. É importante saber qual a pro-
fissão do paciente (o que ele faz, como faz, onde faz, quan-
do faz e há quanto tempo faz), como se sente e o que
pensa sobre o seu trabalho, se conhece outros trabalhado-
res com problemas semelhantes aos seus, e se teve outras
ocupações anteriores.
O diário de atividades é uma ferramenta útil para a
determinação dos fatores precipitantes e na observação e
relato de exposições a agentes presentes no trabalho. Se o
diário for preenchido corretamente, essas informações per-
mitirão um acurado diagnóstico e a suspeição da relação
com o trabalho.
O nexo causal deverá ser sempre observado. Se o
surgimento da cefaleia ocorrer após o período de exposi-
ção a agentes presentes no ambiente de trabalho e houver
ausência de cefaleia nos períodos de afastamento dessa
exposição ou após exposições protegidas, estará estabele-
cido o nexo causal.
Além do diagnóstico clássico, o paciente poderá re-
ceber o um novo diagnóstico, o de cefaleia ocupacional.
Como consequência, as novas tendências e perspectivas é
que se utilize mais frequentemente, a categoria "Z" da CID-
10. Existem dois diagnósticos pouco aplicados, que são:
Z56, expressando "Problemas Relacionados com o Empre-
go e Desemprego"; e Z57, "Exposição Ocupacional a Fa-
tores de Risco".
(6)
Essa atitude expressa o diagnóstico correto e permite
mais sucesso no tratamento e acesso aos direitos de natu-
reza trabalhista e previdenciária.
Figura 1. Classificação de Schilling nas cefaleias (Adaptada por Silva-Néto, 2018, e baseada na classificação proposta por Schilling, 1984)
32 Headache Medicine, v.9, n.1, p.29-32, Jan./Feb./Mar. 2018
Por fim, diante de um diagnóstico de cefaleia
ocupacional, cabe ao médico a orientação ao trabalha-
dor quanto a sua cefaleia, profilaxia adequada, afasta-
mento do trabalho ou da exposição ocupacional, emissão
de laudo médico para o INSS e notificação à DRT e Sindi-
cato da categoria a que pertence o trabalhador.
CONCLUSÃO
Apesar de algumas cefaleias poderem ser produzidas
ou desencadeadas pelo exercício de determinada profis-
são ou ocupação ou pelo ambiente onde o trabalho é
exercido, nenhuma forma de cefaleia é considerada, pelo
Ministério da Previdência Social, como doença ocupa-
cional.
REFERÊNCIAS
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lho? Disponível em: <https://segurancadotrabalhonwn.com/
doenca-ocupacional-ou-doenca-do-trabalho> Acesso em: 22
jul. 2018.
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União, Brasília, DF, ano 103, n. 93, 25 julho 1991. Seção I,
p.14809.
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4. Oliveira BRG, Murofuse NT. Acidentes de trabalho e doença
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5. Zanchin G, Rossi P, Isler H, Maggioni F. Headache as an
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CID-10. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br/cid10/
V2008/cid10.htm> Acesso em: 22 jul. 2018.
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de 18/11/99. Brasília: Ministério da Saúde, 1999.
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Assis JLC, et al. Exposição ocupacional à gasolina: Um estudo
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Silva MT. Cefaleia por compressão externa por uso de capa-
cetes em policiais militares. Migrâneas Cefaleias. 2002;
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11. Chiavegatto CV, Neves ABA, Nascimento MS, Silveira AM.
Cefaleia termossensível: relato de caso relacionado ao traba-
lho. Rev Med Minas Gerais. 2007;17(Supl 4):321-5.
12. Baigi K, Stewart WF. Headache and migraine: a leading cause
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Correspondência
R. P. Silva-Néto
Universidade Federal do Piauí
Avenida Frei Serafim, 2280, Centro
64001-020 – Teresina, PI Brasil
Tel. + 55 863215-5696
neurocefaleia@terra.com.br
Recebido: 05 de março de 2018
Aceito: 13 de março de 2018
SANTOS PEMS, CAMPELO AGD, COSTA EG, LIMA GAM, ROSADO MSV, SILVA-NÉTO RP.
13. Headache Classification Subcommittee of the International
Headache Society. The International Classification of Headache
Disorders, 3rd edition. Cephalalgia. 2018;38(1):1-211.
Headache Medicine, v.9, n.1, p.33-34, Jan./Feb./Mar. 2018 33
Cuidado com a cefaleia crônica diária!
Be careful with the chronic daily headache!
Paulo Sergio Faro Santos
Neurologista, Chefe do Setor de Cefaleia e Dor Orofacial, Departamento de Neurologia,
Instituto de Neurologia de Curitiba
Faro Santos PS. Cuidado com a cefaleia crônica diária! Headache Medicine. 2018;9(1):33-34
OPINIÃO PESSOAL
INTRODUÇÃO
Muito se ouve sobre pacientes com cefaleia crônica
diária (CCD) na rotina do neurologista. Nessa situação
sempre me questiono se os profissionais entendem o ter-
mo a que se referem. CCD na verdade não é um diag-
nóstico, mas a presença de toda e qualquer cefaleia com
frequência de pelo menos 15 dias no mês por no mínimo
três meses, ou seja, é um termo genérico.
Compreende-se a utilização da expressão CCD no
período em que foi rotulada pela primeira vez, final da
década de 1970 ou início da década de 1980, prova-
velmente pelo médico italiano Federigo Sicuteri.
(1)
Na
época ainda não havia uma normatização diagnóstica
para as cefaleias. A primeira edição da classificação in-
ternacional das cefaleias, ou International Classification
of Headache Disorders (ICHD) – termo mais utilizado,
ocorreu apenas em 1988.
(2)
Atualmente utilizamos a ter-
ceira edição desta classificação que foi publicada neste
ano (2018).
(3)
Para entendermos melhor, a ICHD nas suas três edi-
ções publicadas até o momento nunca utilizou o termo
cefaleia crônica diária como diagnóstico nosológico.
(2-4)
Eis o cerne da questão, na rotina médica, o termo CCD
está sendo utilizado com este sentido.
Diante de um indivíduo que se enquadra nos critéri-
os de CCD, o profissional deverá submetê-lo primeira-
mente a uma anamnese completa. Em regra geral, toda
cefaleia crônica um dia foi episódica, desta maneira pre-
cisa-se descobrir o padrão da cefaleia previamente ao
período de piora, a fim de auxiliar no diagnóstico da
atual cefaleia cronificada. Além disso, deve-se buscar por
sinais de alerta na história, no exame físico, neurológico
e cefaliátrico, no intuito de definir a necessidade de exa-
mes complementares, se houver suspeita de cefaleia se-
cundária.
(5)
Após exclusão de causas secundárias, as
CCDs podem ser divididas em cefaleias de curta duração
e de longa duração, de acordo com suas manifestações
clínicas (Tabela 1).
(6)
Um estudo populacional americano revelou que, ape-
sar de atualmente termos disponível a ICHD, pouco mais
da metade dos indivíduos que possuíam o diagnóstico de
migrânea foram erroneamente diagnosticados com cefaleia
tipo tensional, cefaleia atribuída à sinusopatia e cefaleia
em salvas.
(7)
O diagnóstico incorreto levará o paciente a fazer
uso de medicações inadequadas para sua cefaleia e, por
conseguinte, acarretará em persistência e até agravamento
dos seus sintomas. Se pensarmos que em casos de
hemicrânia contínua e hemicrânia paroxística crônica o
34 Headache Medicine, v.9, n.1, p.33-34, Jan./Feb./Mar. 2018
FARO SANTOS PS
tratamento mais indicado é a indometacina, na cefaleia
tipo tensional crônica são os antidepressivos e para indi-
víduos com migrânea crônica os anticonvulsivantes, a to-
xina botulínica e, mais recentemente, os anticorpos
monoclonais contra o peptídeo relacionado ao gene da
calcitonina (CGRP) ou seu receptor, entenderemos a im-
portância de não se utilizar o termo CCD, mas sim buscar
o diagnóstico.
Sabe-se que as cefaleias são um problema de saúde
pública e que implicam custos diretos e indiretos ao indi-
víduo e ao sistema de saúde público e/ou privado. O
custo indireto ocorre principalmente pelo absenteísmo,
por exemplo, a migrânea é a terceira principal causa de
incapacidade em pessoas abaixo dos 50 anos e a cefaleia
atribuída ao uso excessivo medicamentoso está dentre as
vinte doenças mais incapacitantes. Em relação aos cus-
tos diretos, estão inclusos os custos das medicações e a
solicitação desnecessária de exames complementares,
principalmente de neuroimagem.
(8)
Diante deste complexo cenário, recomenda-se que
cada vez mais o neurologista se familiarize com os critéri-
os diagnósticos das principais cefaleias primárias e lem-
bre-se de consultar a ICHD em suspeita de cefaleias me-
nos comuns. Assim, o diagnóstico será feito de maneira
assertiva, os exames complementares, se necessários, não
serão realizados aleatoriamente e o tratamento será
direcionado, de maneira a reduzir a incapacidade do
paciente.
REFERÊNCIAS
1. Sjaastad O. "Chronic daily headache" ("Cefalea crônica quotidi-
ana"). Cephalalgia. 1985; 5 Suppl 2:191-3.
2. Classification and diagnostic criteria for headache disorders,
cranial neuralgias and facial pain. Headache Classification
Committee of the International Headache Society. Cephalalgia.
1988;8 (Suppl 7):1-96.
3. Headache Classification Committee of the International
Headache Society. The International Classification of Headache
Disorders (3rd edition). Cephalalgia. 2018; 38 (3rd edition):
1-211.
4. Headache Classification Subcommittee of the International
Headache Society. The International Classification of
Headache Disorders: 2nd edition. Cephalalgia. 2004;24
Suppl 1:9-160.
5. Sheeler RD, Garza I, Vargas BB, O'Neil AE. Chronic Daily
Headache: Ten Steps for Primary Care Providers to Regain
Control. Headache. 2016. 56(10):1675-1684.
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An Evidence-Based and Systematic Approach to a
Challenging Problem. Neurology® Clinical Practice 2011;76
(Suppl2):S37-S43.
7. Lipton RB, Diamond S, Reed M, Diamond ML, Stewart WF.
Migraine diagnosis and treatment: results from the American
Migraine Study II. Headache. 2001; 41: 638-645.
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Pain. 2015; 16(Suppl 1): A3.
Correspondência
Paulo Sergio Faro Santos
dr.paulo.faro@gmail.com
Recebido: 7 de março de 2018
Aceito: 28 de março de 2018
Headache Medicine, v.9, n.1, p.35, Jan./Feb./Mar. 2018 35
Catastrofização da cefaleia e associação com outras
condições clínicas
Catastrofization of headache and association with other clinical conditions
THESIS
Erlene Roberta Ribeiro dos Santos
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pós-graduação em Neuropsiquiatria e
Ciências do Comportamento (área de concentração: Neurociências), Recife, Brasil.
Tese de Doutorado. 2018
Orientadores: Profa. Dra. Daniella A. de Oliveira e Prof. Dr. Marcelo Moraes Valença
Santos ERR. Catastrofização da cefaleia e associação com outras condições clínicas.
Headache Medicine. 2018;9(1):35
RESUMO
A catastrofização é definida como um conjunto de pensa-
mentos negativos com tendência ao exagero mental, medi-
ante uma situação real ou antecipada de experiência dolo-
rosa, associada à sensação de incapacidade para busca do
alívio da dor. Objetivo: avaliar a catastrofização da cefaleia
associada a condições clínicas como incapacidade funcio-
nal, depressão, ansiedade, estresse e qualidade do sono,
em universitários. Material e Método: estudo observacional
transversal com uma amostra de 340 universitários (179 mu-
lheres), com idade de 25 ± 5 anos. Foi utilizado um formu-
lário de cadastro para coletar informações pessoais e
antropométricas. Os critérios da International Classification
of Headache Disorders 3rd edition Beta version foram utili-
zados para classificar a cefaleia. A escala de pensamentos
catastróficos sobre dor (EPCD) foi utilizada para rastrear a
catastrofização. Para avaliar a incapacidade funcional ge-
rada pela cefaleia foi utilizado o questionário Headache
Disability Test – HIT-6. Sintomatologias de depressão e de
ansiedade foram rastreadas pelo Beck Depression Inventory
(BDI), e Beck Anxiety Inventory – BAI, respectivamente. O
estresse percebido foi avaliado pela escala Perceived Stress
Scale (PSS) e a qualidade do sono pelo questionário
Pittsburgh Sleep Quality Index. A estatística descritiva foi
aplicada para caracterização da amostra, analisadas as
diferenças de médias por meio dos testes t de Student e χ
2
.
Para a aplicação da estatística analítica foram utilizadas
regressão linear simples e regressão linear logística
multivariada generalizada. Resultados: 288/340 (84,7%)
dos universitários referiram cefaleia; desses, 133/288
(46,1%) eram migranosos [96/133 (72,2%) mulheres e 37/
133 (27,8%) homens; OR= 1,92] e 155/288 (53,9%) não
migranosos. Dentre os migranosos, 44/133 (33,08) apre-
sentaram catastrofização (OR 37.44). A regressão linear
revelou um potencial maior de contribuição (β) das se-
guintes condições clínicas: estresse, qualidade do sono ruim
e ansiedade para o grupo dos migranosos. A regressão
logística multivariada também mostrou a catastrofização,
fornecendo estimativa com maior impacto na mudança dos
valores da probabilidade da ocorrência da migrânea, com
acréscimo de 5,78 pontos percentuais, quando se mantém
constante das outras variáveis preditoras. A regressão line-
ar multivariada para a avaliação do impacto da cefaleia
indica que a catastrofização é a variável que apresenta
maior contribuição na incapacidade gerada pela dor de
cabeça, com um valor de β de 5,564 e p<0,001, apre-
sentando forte significância. Conclusão: a catastrofização
na migrânea, associada a outras condições clínicas avali-
adas neste estudo, como a depressão, ansiedade, estresse
e qualidade do sono, exerce influência significativa para a
incapacidade gerada pela dor.
Palavras-chave: Catastrofização; Cefaleia; Transtornos de
enxaqueca; Ansiedade; Depressão
Correspondência
Erlene Roberta Ribeiro dos Santos
erleneroberta@uol.com.br