Headache Medicine, v.2, n.1, p.17-24, jan./feb./mar. 2011 17
Migrânea e rendimento escolar entre alunos de
medicina
Migraine and academic performance among medical students
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
Objetivo:Objetivo:
Objetivo:Objetivo:
Objetivo: Estimar a frequência da migrânea e analisar sua
influência no rendimento escolar dos estudantes do 2º ao 9º
período da Faculdade de Medicina de Barbacena.
Méto-Méto-
Méto-Méto-
Méto-
dos:dos:
dos:dos:
dos: A partir de um estudo de corte transversal analisou-se
uma amostra de 336 alunos que foram submetidos a um
questionário construído especialmente para a ocasião, pelo
qual foi realizado o diagnóstico de migrânea e suas reper-
cussões.
Resultado: Resultado:
Resultado: Resultado:
Resultado: Entre os 336 participantes do estudo,
43 (12,8%) eram migranosos, enquanto que 293 (87,2%)
não apresentavam migrânea. Faltas às atividades escolares
foram mais frequentes no grupo de migranosos (85,0%) con-
tra (69,0%) no grupo de não migranosos. Dos migranosos,
49,0% deixaram de fazer atividades físicas e 29,0% de ir a
encontros sociais; em contrapartida, no grupo de não
migranosos, 50,0% deixaram de fazer atividades físicas e
15,0% de ir a encontros sociais. Na avaliação do rendimen-
to escolar através de provas suplementares ou especiais, o
estudo mostrou que 26,0% dos migranosos fizeram tais pro-
vas no primeiro período enquanto essa frequência foi de 12,0%
nos não migranosos.
Conclusões: Conclusões:
Conclusões: Conclusões:
Conclusões: A frequência da migrânea
foi de aproximadamente 13,0%. Conclui-se que existe uma
forte relação entre a migrânea e o rendimento escolar; ficou
evidente que os alunos migranosos parecem ser mais pro-
pensos ao baixo rendimento, demonstrado através do núme-
ro de provas suplementares e ao absenteísmo escolar e a
prejuízos das atividades sociais.
DescritoresDescritores
DescritoresDescritores
Descritores: Cefaleia; Aprendizado; Absenteísmo
ORIGINAL ARTICLEORIGINAL ARTICLE
ORIGINAL ARTICLEORIGINAL ARTICLE
ORIGINAL ARTICLE
Barbara Silva Diniz
1
, Flavia Oliveira Alves
1
, Julia Rocha Dias
1
, Laura Toledo de Vasconcelos
1
,
Vanessa Tavares Esteves
1
, Dilermando Fazito de Rezende
2
, Mauro Eduardo Jurno
3
1
Aluna da Faculdade de Medicina de Barbacena, MG, Brasil
2
Professor de Estatística e Metodologia da Faculdade de Medicina de Barbacena, MG, Brasil
3
Doutor em Neurologia, Professor da Faculdade de Medicina de Barbacena e Coordenador da
Residência de Clínica Médica do Hospital Regional de Barbacena – FHEMIG, MG, Brasil
Diniz BS, Alves FO, Dias JR, Vasconcelos LT, Esteves VT, Rezende DF, Jurno ME
Migrânea e rendimento escolar entre alunos de medicina. Headache Medicine. 2011;2(1):17-24
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
Objective:Objective:
Objective:Objective:
Objective: To estimate the frequency of migraine and analyze
its influence on the academic performance of students between
2nd and 9th period of the Barbacena Medicine College.
Methods:Methods:
Methods:Methods:
Methods: From a cross-sectional study, samples of 336
students were examined. They answered a questionnaire
constructed specially for the occasion, in which migraine was
diagnosed and its repercussions were analyzed.
Results:Results:
Results:Results:
Results:
Among 336 analyzed students, 43 (12.8%) had migraine,
while 293 (87.2%) didn't evidence it. Absences from school
activities are more frequent in the migraine group (85.0%)
than (69.0%) in non-migraine. 49.0% of those who had
migraine were absent from physical activities and 29.0% missed
social gatherings. In contrast, in the group without migraine
50.0% missed physical activities and 15.0% weren't at social
gatherings. In the evaluation of school performance through
additional or special tests, the study showed that 26.0% of
migraine did the tests in the first period while this rate was
12.0% in those without migraine.
Conclusions: Conclusions:
Conclusions: Conclusions:
Conclusions: The frequency
of migraine is approximately 13.0%. We conclude that there
is a strong relationship between migraine and academic
performance; it's evident that students with migraine seem prone
to low yield, shown by the number of additional tests and
school absence and loss of social activities.
Keywords: Keywords:
Keywords: Keywords:
Keywords: Headache; Learning; Absenteism
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INTRODUÇÃO
Ao longo dos tempos, a migrânea tem sido um pro-
blema para os pacientes, um enigma aos médicos e um
objeto de interesse entre escritores e pesquisadores do
assunto. Referências na literatura sobre migrânea podem
ser encontradas em relatos de 3000 a.C., no entanto
sua descrição clássica como entidade clínica é atribuída
a Areteu da Capadócia.
(1)
Em 2004, com o objetivo de uniformizar os sinto-
mas e evitar variações no diagnóstico dessas cefaleias
pelos diversos pesquisadores, melhorando assim a
acurácia diagnóstica e a orientação terapêutica, a So-
ciedade Internacional de Cefaleia (SIC), publicou a 2
a
edição da Classificação Internacional das Cefaleias.
(2)
A migrânea é uma síndrome que pode apresentar sin-
tomas premonitórios visuais, sensoriais e/ou motores,
seguidos por cefaleia geralmente unilateral e latejante,
acompanhada de intolerância à luz e aos sons, com
náuseas ou vômitos. A dor piora com a atividade físi-
ca, como, por exemplo, subir escadas. A migrânea sem
aura consiste em dor com as mesmas características,
porém sem a presença de sintomas sensoriais premo-
nitórios.
(1,3)
Não existe exame complementar capaz de auxiliar
no diagnóstico clinicamente elaborado, e o mais impor-
tante é uma detalhada anamnese.
(3)
A fisiopatologia da migrânea ainda não foi comple-
tamente elucidada. Postula-se que as principais estrutu-
ras implicadas envolvam o sistema nervoso central (córtex
e tronco cerebral), o sistema trigeminovascular e os va-
sos correspondentes e, além destes, vários agentes
vasoativos locais e alguns neurotransmissores.
(4)
Um estudo realizado por Zwart com adolescentes
na Noruega mostrou que sua frequência não é tão sig-
nificativa quando se leva em consideração a idade e
sim quando se compara sexo feminino e masculino.
(5)
Segundo outra pesquisa realizada em uma universida-
de americana, de 647 entrevistados, aproximadamen-
te 8% das pessoas relataram apresentar cefaleia diari-
amente, 28,7% semanalmente e 28,7% mensalmente.
(6)
A queixa de dor de cabeça tem aumentado em im-
portância, pois sua prevalência elevada determina
consequências significativas para o bem-estar do indiví-
duo e para a produtividade de empresas, comunidades
e nações.
(4)
Cerca de 35,5% dos que sofrem de migrânea
apresentam, regularmente, crises fortes o suficiente para
os obrigar a procurar o leito e a interromper suas ativi-
dades. Entre os jovens americanos, 7% das meninas e
DINIZ BS, ALVES FO, DIAS JR, VASCONCELOS LT, ESTEVES VT, REZENDE DF, JURNO ME
5% dos meninos adolescentes (12-17 anos) apresentam
migrânea, sofrendo esses de mais estresse e sendo me-
nos saudáveis comparados aos não migranosos.
(7,8)
Outros autores observaram em seus estudos que a maior
aflição para os portadores de migrânea seria o compro-
metimento da eficiência no trabalho, seguidos de absen-
teísmo em eventos sociais, relacionamento familiar afe-
tado, alteração da habilidade para atividades futuras,
prejuízo da própria imagem e da relação entre amigos.
Pacientes com sintomas de migrânea relataram maior
interferência em todas essas categorias do que pessoas
com outros tipos de cefaleia.
(9)
Sintomas psiquiátricos também podem estar pre-
sentes como comorbidades da migrânea, tais como de-
pressão, irritabilidade, ansiedade, dificuldade de racio-
cínio, anorexia ou aumento do apetite.
(10-12)
Com o intuito de avaliar o desempenho acadê-
mico de estudantes universitários, um estudo anterior
comprovou queda de produtividade dos alunos por-
tadores de migrânea quando comparados aos porta-
dores de cefaleia do tipo tensional.
(13)
A presença de
náusea e pelo menos uma ida ao serviço de urgência
prediz qualidade de vida inferior e grande número de
faltas em atividades diárias dos adolescentes.
(7,14)
A
migrânea gera também impacto econômico, uma vez
que aumenta o absenteísmo, diminuindo a capacida-
de laborativa, com consequente redução da produti-
vidade, sendo que a perda econômica nos Estados
Unidos da América chega a 17 bilhões de dólares
por ano.
(6,15)
Além do mais, os migranosos apresen-
tam maiores custos médicos principalmente devido a
uma maior frequência de visitas a departamentos de
saúde e emergência. Estima-se com isso que o custo
anual direto da migrânea neste país seja em torno de
1 bilhão de dólares.
(7,15,16)
A migrânea interfere como impacto negativo diário
global de funcionamento do indivíduo e na qualidade
de vida constantemente relacionada à frequência, inten-
sidade, desordem de humor e ansiedade nas pesso-
as.
(9,13,14,16)
Tendo-se em conta a alta prevalência da migrânea,
suas repercussões e a inexistência de estudos antes rea-
lizados na Faculdade de Medicina de Barbacena, tor-
na-se relevante a pesquisa dessa patologia nos univer-
sitários. Com isso, os objetivos do presente estudo fo-
ram estimar a frequência da migrânea e analisar sua
influência no rendimento escolar dos estudantes do 2º
ao 9º período da Faculdade de Medicina de
Barbacena.
Headache Medicine, v.2, n.1, p.17-24, jan./feb./mar. 2011 19
MIGRÂNEA E RENDIMENTO ESCOLAR ENTRE ALUNOS DE MEDICINA
MÉTODOS
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Éti-
ca em Pesquisa da Universidade Presidente Antonio
Carlos (UNIPAC) de acordo com o protocolo 690/2010.
Trata-se de um estudo de corte transversal sobre a
migrânea e sua influência no rendimento escolar, dire-
cionado a todos os alunos que cursam do 2º ao 9º pe-
ríodo da Faculdade de Medicina de Barbacena – Fun-
dação José Bonifácio Lafayette de Andrada, MG.
Os sujeitos da pesquisa foram abordados pelos
pesquisadores no primeiro semestre de 2010, respon-
dendo a um questionário construído especialmente
para a ocasião, tendo como base o software Hipatia
(Sirius - soluções tecnológicas, Rio de Janeiro), sendo
preenchido pelo aluno pesquisado, sendo que, previa-
mente, estes receberam explicações detalhadas sobre
o estudo.
Oito turmas foram avaliadas, totalizando 400 indi-
víduos; os alunos que não se encontravam na sala de
aula no momento da aplicação dos questionários, fo-
ram localizados pelos pesquisadores e convidados a
participar da pesquisa. Não foram incluídos aqueles que
se recusaram a responder o questionário. A amostra fi-
nal foi formada por 336 questionários considerados vá-
lidos à pesquisa, número considerado representativo da
população de alunos da população estudada.
As diferentes localizações da dor foram classifica-
das como holocraniana e hemicraniana. Depressão e
ansiedade foram consideradas como critério único, pois
não foram objetos de estudo desta pesquisa. A aura foi
classificada como pontos brilhantes, manchas ou linhas
na visão. Os sintomas premonitórios considerados fo-
ram fadiga, tontura, bocejos, formigamentos, dormên-
cias, alteração do humor e de consciência. Quanto à
história familiar foram considerados os parentes de pri-
meiro grau (pai, mãe, irmãos, filhos) e parentes de segun-
do grau (avós, tios, sobrinhos e primos).
Os critérios utilizados para o diagnóstico de migrâ-
nea respeitaram a proposição da Classificação Inter-
nacional das Cefaleias: presença de cefaleia por um
período maior ou igual a três meses, com duração da
crise dolorosa maior que quatro horas; a dor sendo do
tipo pulsátil, de intensidade média ou forte; localiza-
ção hemicraniana; presença de náuseas e/ou vômitos
durante as crises; fotofobia, fonofobia e/ou osmofobia
associados ao quadro doloroso. Não houve diferenci-
ação dos indivíduos portadores de migrânea com aura e
sem aura.
(2)
A análise dos resultados foi efetuada em micro-
computador com recursos de processamento estatístico
do software Stata versão 9.2 (Statacorp LP - Texas - USA),
após transcrição das informações para meio magnético
por digitação. Foram construídas distribuições de frequên-
cias e calculadas as médias (medianas), desvios padrões
e percentuais indicados para cada variável. As compa-
rações foram efetuadas em tabelas de contingência tipo
RxC ou em tabelas de ANOVA. O teste qui-quadrado e
a comparação das médias pelo teste Student ou Fisher
foram aplicados na aferição do significado estatístico
das grandezas comparadas nessas tabelas. O grau de
significância estatística adotado na análise é o de 5%.
RESULTADOS
Entre os 336 participantes deste estudo, 208 (61,9%)
eram do sexo feminino e 128 (38,1%) do sexo masculi-
no. No total, 319 (94,9%) alunos declararam ter apre-
sentado dor de cabeça pelo menos uma vez na vida e
17 (5,1%) dos alunos nunca vivenciaram o quadro. O
levantamento de portadores e não portadores de
migrânea, conforme pontuação das respostas dadas ao
questionário, revelou que o número de migranosos foi
de 43 (12,8%) e o de não migranosos de 293 (87,2%).
Não foi objetivo de estudo desta pesquisa avaliar o di-
agnóstico dos outros tipos de cefaleia presentes nesta
amostra. A Tabela 1 descreve as características da amos-
tra de acordo com o gênero e o diagnóstico da migrânea.
Consideramos para o diagnóstico da migrânea os
critérios sugeridos pela SIC: a presença de cefaleia por
um período maior ou igual a três meses, com duração
maior que quatro horas, do tipo pulsátil, de intensidade
média ou forte, hemicrânia, presença de náuseas e/ou
vômitos, fotofobia e fonofobia.
Na tentativa de determinar possíveis relações entre
a migrânea e características pessoais e escolares dos
participantes, foram comparados migranosos e não
migranosos segundo as distribuições das variáveis, no
20 Headache Medicine, v.2, n.1, p.17-24, jan./feb./mar. 2011
panhamento ambulatorial dos pacientes, assim como
realizado por outros autores.
(17,18)
Foram avaliados 336 estudantes, sendo que mais
da metade dos participantes eram mulheres, o que
corresponde à realidade da proporção de mulheres em
escolas de nível superior do país, relatado por outra pes-
quisa.
(19)
Os resultados mostraram que 94,9% dos estudan-
tes, independentemente do sexo e idade, declararam ter
sido acometidos por cefaleia pelo menos uma vez na
vida e que quase 13,0% destes estudantes podem ser
considerados portadores da migrânea. De forma seme-
lhante, nos Estados Unidos da América, a prevalência
de dor de cabeça na população é de aproximadamen-
te 90%, sendo que a migrânea afeta aproximadamente
15,0% da população.
(9)
A tentativa de verificar a relação entre a migrânea e
o gênero dos participantes mostrou que a proporção de
mulheres entre os migranosos é de quase 87,0% contra
cerca de 60,0% entre os não migranosos, ou seja, a pro-
porção de mulheres é 1,3 vezes maior. A diferença entre
eles nesse quesito foi significativo do ponto de vista esta-
tístico (p= 0,032), o que sugere uma associação entre o
sexo feminino e migrânea.
(9)
Um estudo realizado na Uni-
versidade de Kentucky
(14)
mostrou que 10,0% dos migra-
que diz respeito à necessidade de ir ao pronto-socorro
por causa da dor de cabeça, presumindo sua intensida-
de; à frequência da dor e ao consumo de analgésicos
(Tabela 2).
A Tabela 3 apresenta as frequências com que os
alunos abstiveram-se de suas atividades diárias, a
frequência de ausência em qual tipo de atividade e a
frequência com que houve necessidade de realizar pro-
vas suplementares e especiais para o primeiro período.
Foram consideradas para análise apenas as provas
suplementares do primeiro período, pois nos outros
períodos, devido ao menor número de alunos estra-
tificados em cada um deles, não houve significância
estatística.
DISCUSSÃO
O critério diagnóstico de migrânea utilizado neste
trabalho teve como referência a segunda edição da clas-
sificação do Comitê de Classificação de Cefaleias da
Sociedade Internacional de Cefaleias, cujo objetivo é
padronizar os diagnósticos para a pesquisa epidemio-
lógica e a discussão de casos clínicos.
(2)
Esta pesquisa
estabeleceu o diagnóstico de migrânea através de um
questionário e não através de exame clínico e acom-
DINIZ BS, ALVES FO, DIAS JR, VASCONCELOS LT, ESTEVES VT, REZENDE DF, JURNO ME
Headache Medicine, v.2, n.1, p.17-24, jan./feb./mar. 2011 21
nosos são representados por mulheres e 5,0% por ho-
mens, assim como em outro trabalho semelhante, a
prevalência de migrânea nos Estados Unidos foi de 18%
para o sexo feminino e 6% para o masculino.
(20,21)
Nota-
se que os dados observados neste estudo estão em con-
cordância com os autores citados.
A análise quanto ao modo de desenvolvimento da
cefaleia mostrou que a principal característica da dor
nos migranosos foi começar leve e aumentar (72,0%) e
em um menor número, começar forte e diminuir (9,0%).
A dor na maioria dos não migranosos (cerca de 50,0%)
começava e se mantinha de igual intensidade desde o
início. Essas observações indicam que a dor que come-
ça leve e aumenta com o tempo é mais característica
dos migranosos, tornando-se mais intensa na sua
evolução,
(2,22)
enquanto que a dor que inicia e termina
com a mesma intensidade é característica dos não
migranosos (p=0,001).
Observou-se também diferença entre os dois gru-
pos na frequência de falta às atividades diárias, sendo
que cerca de 55,0% dos não migranosos nunca falta-
vam às atividades diárias e apenas 4,0% frequente-
mente o fazia. Os que frequentemente faltavam às ati-
vidades diárias, entre os migranosos, correspondem a
aproximadamente a 23,0% dos constituintes desse gru-
po. Observou-se que o número de migranosos que fre-
quentemente se abstiveram das atividades diárias foi
seis vezes maior do que o de não migranosos, ou seja,
a migrânea é uma importante causa de ausência nas
atividades diárias (p < 0,001). A migrânea afeta a
qualidade de vida e está ligada ao absenteísmo e pre-
juízo de funções com consequente perda da produtivi-
dade no trabalho.
(4,9,16,20)
Faltas às atividades escolares foram mais frequen-
tes no grupo de migranosos (85,0%) que no grupo de
não migranosos (69,0%). Notou-se também que 49,0%
dos migranosos deixaram de fazer atividades físicas e
29,0% de ir a encontros sociais; em contrapartida, no
grupo de não migranosos, 50,0% deixaram de fazer ati-
vidades físicas e 15,0% de ir a encontros sociais. A
frequência de abstenção nos encontros sociais foi a úni-
ca que apresentou diferença estatística (p=0,047). Em
um estudo realizado por Bigal, aproximadamente 58,0%
dos pacientes com migrânea apresentam prejuízo nas
relações sociais entre as crises e faltam mais a atividades
escolares quando comparados a estudantes com cefaleia
do tipo tensional,
(16)
e outro estudo realizado no Cana-
dá mostrou que durante a dor é mais comum o cancela-
mento de atividades sociais e familiares do que ativida-
des laborativas e escolares.
(23)
Sobre o comparecimento ao serviço de urgência
devido à cefaleia, houve uma grande discrepância entre
os dois grupos; no grupo dos não migranosos, mais de
90,0% dos alunos negam ter comparecido a um serviço
de urgência devido à dor e apenas 8,0% referem ter
procurado este serviço, enquanto que 33,0% dos migra-
nosos já estiveram presentes no pronto-socorro devido à
dor. A diferença entre os dois grupos foi significativa
(p<0,001). Os pacientes com migrânea apresentaram
uma frequência de comparecimento ao serviço de ur-
MIGRÂNEA E RENDIMENTO ESCOLAR ENTRE ALUNOS DE MEDICINA
22 Headache Medicine, v.2, n.1, p.17-24, jan./feb./mar. 2011
gência cerca de cinco vezes maior em relação aos não
migranosos, mostrando haver relação direta entre
migrânea e o comparecimento a um serviço de urgên-
cia. Assim como demonstrado em outras pesquisas, houve
um expressivo número de visitas aos setores de urgência,
como tem sido relatado na literatura.
(9,14)
Em um estudo
realizado em uma unidade de emergência de Ribeirão
Preto foi demonstrado que, no ano de 1996, foram inter-
nados 1.254 pacientes com queixa de cefaleia aguda.
(24)
Entre os internados, 95% ficaram menos de 12 horas no
hospital; desses, 77,0% apresentavam cefaleia primá-
ria, sendo que, em 72,0% dos casos, o diagnóstico final
foi migrânea. A incidência foi de 13 vezes mais pacien-
tes migranosos internados dos que não migranosos. O
resultado do estudo citado mostrou-se semelhante a este,
uma vez que houve um maior número de migranosos
que já compareceram a um serviço de urgência, porém
a incidência demonstrada foi mais que o dobro da refe-
rida neste estudo.
Em relação à frequência de cefaleia, os episódios
menos frequentes, na semana ou no mês, foram mais
comuns entre os não migranosos. A frequência das crises
ocorreu de modo mais constante entre os migranosos.
Geralmente a frequência de cefaleias, de quatro dias ou
mais por semana foi cinco vezes maior nos migranosos
do que nos não migranosos. A diferença entre os dois
grupos foi também significativa (p=0,006). Outro estu-
do semelhante detectou que a maioria (40,0%) apresen-
tava de duas a quatro crises/mês,
(25)
e contrapôs-se a
este estudo, onde a minoria (17,0%) dos migranosos
apresentava crises menos de uma vez ao mês. No estu-
do de Ribeirão Preto foi evidenciado que 55,0% dos alu-
nos com migrânea apresentavam cefaleia com a
frequência de um a cinco dias por mês,
(22)
também con-
trapondo-se a este estudo, em que a minoria (5,0%)
vivenciou o quadro menos que uma vez ao mês.
Esta pesquisa mostrou que tanto os indivíduos que
apresentavam como os que não apresentavam migrânea
tomavam um tipo de medicamento para a cefaleia; no
entanto, apenas os migranosos referiram tomar mais de
três tipos de remédios e correspondem a 2,4%. A inci-
dência de consumo de dois ou mais remédios entre os
portadores de migrânea foi cerca de cinco vezes maior
entre os não migranosos, com significância estatística
(p<0,001). Os portadores de migrânea apresentaram
então um maior consumo de diferentes tipos de remédi-
os, sugerindo que suas dores são mais intensas e que
precisam de uma quantidade maior de medicamentos
para alcançar o efeito desejado.
Outros estudos relacionaram o maior custo econô-
mico com a prescrição e uso abusivo de medicamentos
para o tratamento da migrânea.
(9)
No estudo de Ribei-
rão Preto demonstrou-se que na cefaleia do tipo tensional,
26,0% dos pacientes sentiram-se melhor sem receber
qualquer medicação analgésica ou recebendo apenas
uma; nos migranosos isso ocorreu em apenas 10,0% dos
casos.
(24)
Entre os alunos migranosos observou-se maior fre-
quência de sintomas premonitórios do que nos não
migranosos, com uma incidência de 1,4 vezes maior,
mais episódios de fotofobia e fonofobia e aura. Todos
os três ítens apresentaram diferença estatisticamente sig-
nificativa. A antecipação da crise é caracterizada pelo
aumento da magnitude da dor e tem sido associada a
uma maior deterioração na qualidade de vida e fun-
ções.
(7)
Sintomas associados à migrânea, como
fotofobia, fonofobia, náuseas e aura interferem nas ativi-
dades diárias e contribuem para o declínio do desem-
penho escolar de pacientes migranosos.
(9,22)
Na avaliação do rendimento escolar através de pro-
vas suplementares ou especiais, nosso estudo mostrou
que 26,0% dos migranosos as fizeram no primeiro perío-
do, em comparação com 12,0% dos não migranosos,
tendo havido diferença estatística (p=0,012). O resul-
tado foi relevante, apesar da comparação das médias
do número de matérias não ter apresentado a mesma
diferença. O fato de um maior número de alunos porta-
dores de migrânea ter realizado provas suplementares
ou especiais no primeiro período sugere que esta enti-
dade de fato pode determinar deficiências no estudante
que o levam a repetir disciplinas. Já nos períodos subse-
quentes não foi possível determinar relação entre a rea-
lização de provas suplementares ou especiais com a
migrânea, tanto na comparação de médias quanto na
de frequências (p>0,05). Ao se levar em conta, entre-
tanto, que a quantidade de estudantes que relataram ter
feito provas suplementares ou especiais diminui com o
avançar do curso, é lícito admitir-se que a incapacidade
de demonstrar tal relação a partir do segundo período
esteja relacionada com o tamanho da amostra, que a
partir de então tornou-se insuficiente para demonstrar a
relação anotada. Estudos mostraram que a migrânea
está relacionada ao déficit de atenção e concentração,
com consequente redução da efetividade nas funções
escolares e laborativas, gerando impacto social e pes-
soal.
(6,9,14)
Autores brasileiros observam que 54,0% dos
estudantes com migrânea relataram ser a dor incapa-
citante com consequente interferência nas atividades es-
DINIZ BS, ALVES FO, DIAS JR, VASCONCELOS LT, ESTEVES VT, REZENDE DF, JURNO ME
Headache Medicine, v.2, n.1, p.17-24, jan./feb./mar. 2011 23
colares,
(28)
confirmando um profundo impacto da cefaleia
no desempenho dos universitários independentemente da
intensidade da dor, sendo mais evidente nos migranosos
e não menos importante nos estudantes com cefaleia do
tipo tensional.
(22)
Quanto à frequência do absenteísmo nas ativida-
des diárias, observou-se que 55,0% dos migranosos
perdiam dois dias de atividade por mês e 88,0% perdi-
am de cinco a seis dias por mês,
(29)
comprovando-se
que estudantes com migrânea perdem de dois a oito
dias de escola por ano a mais que aqueles do grupo
controle.
(30)
Em relação aos sintomas que os indivíduos apre-
sentam durante as crises, foi evidenciado em outro estu-
do que mais de 70,0% dos acadêmicos com migrânea
apresentaram irritabilidade quando comparados aos
acadêmicos com cefaleia do tipo tensional (50,0%) e ao
grupo controle (25,0%).
(22)
Quanto à ansiedade, a dife-
rença não foi significativa entre os três grupos, assim como
a encontrada no presente estudo. Nos migranosos a
queixa de depressão por todo o tempo foi de 3,0%, na
maior parte do tempo 14,0% quando comparada a 0,0%
do grupo controle, em concordância com outros estudos
que também mostraram que sintomas depressivos são
mais comuns nos migranosos.
(31)
CONCLUSÃO
Com base nos resultados encontrados, pode-se con-
cluir que a prevalência da migrânea foi de aproxi-
madamente 13,0% e parece estar relacionada com as
seguintes variáveis significativas do trabalho: presença
de dor de cabeça, frequente falta às atividades diárias,
aumento progressivo da intensidade da dor, compa-
recimento ao serviço de urgência em casos de dor,
frequência das dores e baixo rendimento escolar.
A aparente associação entre migrânea e rendimen-
to escolar no presente estudo mostrou uma forte relação,
tomando-se como base a realização de provas suple-
mentares no primeiro período como indicador desse fato.
Ficou evidente que os alunos migranosos parecem ser
mais propensos ao baixo rendimento, ao absenteísmo
escolar e a prejuízos das atividades sociais.
Acreditamos que os resultados apresentados po-
dem ser úteis, não só para mostrar a prevalência da
migrânea em uma amostra de alunos de uma faculda-
de de medicina, como também para ser aplicados a
alunos de outros cursos, com a mesma faixa etária desta
amostra.
MIGRÂNEA E RENDIMENTO ESCOLAR ENTRE ALUNOS DE MEDICINA
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