46 Headache Medicine, v.1, n.2, p. 46-52, apr./may./jun. 2010
Cefaleia em Neuroimunologia: controvérsias
Headache and Neuroimmunology: controversies
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
Cefaleias são prevalentes em portadores de doenças
autoimunes do sistema nervoso central (SNC). Algumas
doenças autoimunes do SNC, como a arterite de células
gigantes, são tradicionalmente reconhecidas como causa de
cefaleia e, por este motivo, constam da Classificação
Internacional das Cefaléias. Entretanto, em outras doenças,
como no lúpus eritematoso sistêmico, esclerose múltipla e na
doença de Behçet, não está totalmente elucidado se há nexo
causal entre a cefaleia e a doença imunológica de base. As
cefaleias são altamente prevalentes na população geral e a
coexistência de uma cefaleia primária em pacientes com
doenças autoimunes do SNC pode ser meramente casual.
Por outro lado, a atividade inflamatória do SNC nestas
doenças poderia não apenas exacerbar uma cefaleia primária
pré-existente como ainda causar diretamente a cefaleia. Este
artigo faz uma revisão narrativa da literatura sobre cefaleia
nestas entidades, apresentando a literatura corrente acerca
das possíveis inter-relações entre cefaleia e tais doenças
autoimunes, analisando criticamente potenciais implicações
terapêuticas do manejo das cefaleias nestas desordens
neuroimunológicas.
PP
PP
P
alavrasalavras
alavrasalavras
alavras
--
--
-
chave:chave:
chave:chave:
chave: Cefaleia; neuroimunologia; Lúpus
Eritematoso Sistêmico; Esclerose Múltipla; Doença de
Behçet.
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
Headaches are prevalent among patients with
neuroimmunological disorders of the central nervous system
(CNS). Some autoimmune diseases of the CNS are traditionally
recognized as headache causes and therefore are included in
the International Headache Disorders Classification. In other
conditions, such as systemic lupus erythematosus, multiple
sclerosis, and Behçet´s disease, it is uncertain whether there
is a causal relationship between headache and the
REVIEW ARTICLEREVIEW ARTICLE
REVIEW ARTICLEREVIEW ARTICLE
REVIEW ARTICLE
Renan Barros Domingues
1
, Antônio Lúcio Teixeira
2
1
Médico Neurologista. Professor da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória
(Emescam) e do Programa de Pós-graduação em Neurociências da UFMG.
2
Médico Neurologista. Professor do Departamento de Clínica Médica da UFMG.
Coordenador do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
immunologic disease. The presence of a headache history in
a patient with an autoimmune disorder of the CNS may be
only casual since primary headaches are very prevalent in the
general population. In the other hand, CNS inflammatory
activity associated with these autoimmune diseases may
potentially provoke headache and may also exacerbate a
preexisting primary headache. In this article we make narrative
revision of the literature about this issue, presenting the current
evidence of the association of headache and such immunologic
disorders, and critically discuss the potential therapeutic
implications in the management of headaches in patients with
these autoimmune diseases.
KK
KK
K
ey words: ey words:
ey words: ey words:
ey words: Headache, Neuroimmunology, Systemic Lupus
Erythematosus, Multiple Sclerosis, Behçet´s disease.
INTRODUÇÃO
Cefaleias podem ser referidas por pacientes
portadores de diversas doenças autoimunes do sistema
nervoso central (SNC) (1). Entretanto, é fundamental para
o neurologista que atende tais pacientes definir se a
mesma é de natureza primária ou secundária, ou seja,
definir se a cefaleia no portador de doença neuro-
imunológica refere-se à mera associação casual ou se
há relação causal entre a cefaleia e o processo neuro-
inflamatório. Neste sentido, são três possibilidades a
serem consideradas. Na primeira, o paciente tem uma
cefaleia que resulta diretamente da atividade inflamatória
no SNC determinada pela doença autoimune. Na
Domingues RB, Teixeira AL
Cefaléia em Neuroimunologia: controvérsias. Headache Medicine. 2010;1(2):46-52
Headache Medicine, v.1, n.2, p. 46-52, apr./may./jun. 2010 47
segunda, a cefaleia apenas coexiste em um mesmo
paciente, não havendo nenhuma inter-relação com a
doença autoimune de base. Terceiro, o paciente é
portador de uma cefaleia primária, mas esta cefaleia
tem sua expressão exacerbada em função da atividade
inflamatória gerada pela doença autoimune do SNC.
Definir qual das inter-relações ocorre em um paciente
com cefaleia e doença autoimune do SNC tem impli-
cações terapêuticas. Se a cefaleia decorre diretamente
de atividade inflamatória da doença autoimune, o trata-
mento deveria ser direcionado para o controle do pro-
cesso de autoimunidade, com imunossupressores ou
imunomoduladores. Quando a cefaleia é primária e
ocorre independentemente da doença autoimune, o
tratamento deverá ser feito de acordo com os parâmetros
estabelecidos para o tratamento das cefaleias primárias.
Na terceira situação, em que há exacerbação da cefaleia
primária em função da doença autoimune, as decisões
terapêuticas são mais complexas e devem ser individua-
lizadas. Isto porque o controle adequado da atividade
da doença autoimune poderia ser suficiente para o
controle da cefaleia, mas poderia ser necessário combinar
também o tratamento profilático da cefaleia primária com
o tratamento adequado do processo autoimune.
Em algumas doenças, a relação causal entre cefa-
leia doença autoimune é facilmente estabelecida. Isto
ocorre, por exemplo, na arterite de células gigantes (IHS
6.4.1), na angiíte primária do SNC (IHS 6.4.2), angiíte
secundária do SNC (IHS 6.4.3), cefaleia atribuída a
neurosarcoidose (IHS 7.3.1), nas quais a cefaleia é
claramente uma manifestação da doença autoimune e
o tratamento é voltado para o controle do processo infla-
matório com corticoesteroides ou drogas imunossu-
pressoras. Por este motivo, estas condições constam na
Classificação Internacional das Cefaleias. Entretanto, em
outras situações, esta relação é ainda pouco clara, como
no lúpus eritematoso sistêmico (LES), na esclerose múltipla,
na doença de Behçtet e na síndrome de Sjögren. Neste
artigo, discutiremos estas últimas doenças, nas quais a
relação entre a cefaleia e a doença autoimune ainda
não é totalmente clara, através de uma revisão narrativa
e crítica da literatura.
2-4
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
O LES é uma doença autoimune caracterizada pela
produção de anticorpos contra componentes do núcleo
das células, levando a uma ampla gama de mani-
festações clínicas. Patologicamente o LES é caracterizado
por inflamação sistêmica, com deposição de imuno-
complexos e vasculite. A sua etiologia precisa ainda é
desconhecida, mas sabe-se haver uma forte agregação
familiar. Além do fator genético, participam da
fisiopatologia do LES outros elementos, tais como fatores
hormonais e ambientais, como exposição a drogas,
agentes físicos e químicos.
5
O LES pode acarretar complicações neurológicas,
decorrentes de: 1) produção de anticorpos antifosfolípides
que aumentam o risco de trombose e complicações
neurovasculares, 2) inflamação do SNC ou 3) produção
de anticorpos antineuronais que comprometem a função
do SNC. As consequências mais frequentes do compro-
metimento do SNC no LES são manifestações neuropsi-
quiátricas, crises epilépticas, sintomas neurológicos focais
decorrentes de trombose ou vasculite, mielite e coreia.
6
Alguns estudos têm indicado que os pacientes com
LES têm frequência aumentada de cefaleia. Weder-
Cisneros et al.
7
encontraram maior prevalência de cefa-
leias em geral em pacientes com LES do que em controles
com artrite reumatoide, uma outra doença autoimune
sistêmica, mas com menor potencial de comprometimento
do SNC. Neste estudo,
7
os autores não identificaram
diferença na prevalência de migrânea sem ou com aura
nos pacientes com LES quando comparados aos controles.
Os autores avaliaram diversos fatores clínicos poten-
cialmente associados com maior risco de cefaleia, tais
como manifestações de doença vascular e outras mani-
festações neurológicas. O único achado clínico significa-
tivamente associado à presença de cefaleia foi o
fenômeno de Raynaud.
7
Em um estudo nacional, Bettero
et al.
8
encontraram prevalência significativamente maior
de cefaleias em geral em pacientes com LES quando
comparados a controles. Quando classificadas as
cefaleias em grupos de acordo com o diagnóstico clínico,
a migrânea sem aura foi a única com prevalência signifi-
cativamente maior nos pacientes lúpicos, não sendo
observada esta diferença na migrânea com aura nem
na cefaleia tensional. Nenhum achado clínico foi asso-
ciado a maior risco de cefaleia neste estudo.
8
Em outro
estudo, Appenzeller et al.
9
avaliaram as manifestações
sistêmicas do LES em pacientes com e sem migrânea. Os
autores identificaram que pacientes com migrânea
apresentaram maior comprometimento sistêmico da
doença que os pacientes sem migrânea, ou seja, a
presença de migrânea correlacionou-se com maior
atividade sistêmica da doença.
9
O aumento de prevalência de cefaleia e o aumento
de migrânea em pacientes lúpicos poderiam ser justifica-
CEFALEIA EM NEUROIMUNOLOGIA: CONTROVÉRSIAS
48 Headache Medicine, v.1, n.2, p. 46-52, apr./may./jun. 2010
RENAN BARROS DOMINGUES E COLABORADOR
dos por elementos em comum na fisiopatologia destas
entidades. De fato, no LES ocorre aumento da expressão
de diversas citocinas pró-inflamatórias, como a inter-
leucina-1, a interleucina-6 e o TNF-alfa.
5
Alguns estudos
têm demonstrado que estas citocinas podem estar
aumentadas nos pacientes com migrânea. Portanto, a
atividade inflamatória do LES poderia teoricamente
contribuir para o aparecimento de, ou para a exacer-
bação da migrânea.
10-17
Tais observações têm potenciais implicações tera-
pêuticas. Alguns estudos têm sugerido que o uso de
corticoides pode ser mais eficaz do que terapias antimi-
granosas convencionais no controle da migrânea em
pacientes lúpicos.
18,19
Cuadrado e Sanna
20
propõem que,
na presença de sinais de atividade de LES, através de
exames de neuroimagem e do LCR, o uso de corticoides
deve ser considerado para controle da cefaleia. Há rela-
tos também de pacientes com LES e com anticorpos anti-
fosfolípide que tiveram melhora de cefaleia incapacitante
com heparina quando comparada com placebo.
21
Devido ao pequeno número de pacientes envolvidos
nesses estudos, estas observações ainda necessitam de
confirmação.
SÍNDROME DO ANTICORPO
ANTIFOSFOLÍPIDE (SAF)
A SAF é uma doença autoimune caracterizada por
eventos trombóticos recorrentes, abortos de repetição e
trombocitopenia. Esta doença resulta da produção de
anticorpos antifosfolípides (AAF), que incluem anticorpos
anticardiolipina, anticoagulante lúpico e anti-ß2-glico-
proteína-1. O mecanismo através do qual tais anticorpos
determinam o surgimento de hipercoagulabilidade e
fenômenos trombóticos não é conhecido.
22
As manifestações neurológicas associadas à SAF
incluem: acidente vascular cerebral (AVC), síndrome de
Sneddon (AVC associado a livedo reticularis), mielopatia,
crises epilépticas, coréia, síndromes oculares (retinopatia
por estase venosa), neuropatia periférica e desmieli-
nização. A mais comum de todas as manifestações
neurológicas da SAF é o AVC, sendo que cerca de 20%
dos AVCs em pacientes com menos de 45 anos de idade
estão associados à presença de AAF.
23
Discute-se se cefaleia pode ser considerada manifes-
tação da SAF. Em um estudo europeu, encontraram-se
20,2% de prevalência de migrânea em portadores de
AAF.
24
Hughes propôs que a pesquisa de AAF deveria
ser incluída na investigação de pacientes com migrânea,
uma vez que pacientes com migrânea e AAF obtinham
melhora do quadro migranoso quando tratados com
corticoides. Entretanto, muitos outros autores não encon-
traram associação significativa entre migrânea e AAF.
25,26
Outra evidência contrária à associação entre AAF e
migrânea foi obtida através de estudo epidemiológico
de associação genética entre migrânea e AAF. Neste
estudo, Williams e cols.
27
estudaram 107 pares de
gêmeos monozigóticos discrepantes em relação à
presença de migrânea, não tendo encontrado diferença
significativa na prevalência de AAF, sugerindo não haver
interdependência genética das duas condições. Portanto,
até o presente, não há evidências de associação causal
entre a presença de AAF, migrânea ou qualquer outro
tipo de cefaleia.
ESCLEROSE MÚLTIPLA
A esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune,
desmielinizante e degenerativa do SNC, cujas lesões
atingem predominantemente a substância branca. Inicia-
se em geral entre os 20 e 55 anos de idade e é mais
prevalente no sexo feminino. Na grande maioria dos
casos, a EM evolui de forma remitente recorrente, com
surtos que se repetem de maneira imprevisível ao longo
da vida do paciente. Nos surtos, ocorre sintomatologia
neurológica decorrente de lesão inflamatória do SNC.
Os quadros clínicos mais frequentemente vistos nos surtos
incluem neurite óptica, mielite, comprometimento cere-
belar e de tronco encefálico. Além dos surtos, a EM
cursa com sintomas crônicos, tais como fadiga,
depressão e declínio cognitivo. O tratamento da EM
remitente recorrente é usualmente feito com drogas
imunomoduladoras (beta-interferonas e acetato de
glatirâmer), que reduzem o risco de novos surtos e
reduzem a progressão da incapacidade neuro-
lógica.
28,29
A ocorrência de cefaleia como possível sintoma de
EM tem sido estudada. A maior parte dos estudos de
prevalência de cefaleias em portadores de EM tem
sugerido que a prevalência de cefaleia tensional, migrâ-
nea sem aura e migrânea com aura é maior nos porta-
dores de EM do que nos controles, embora em outros
estudos esta diferença não tenha ocorrido de forma
significativa.
30-32
Não se sabe ao certo por que a EM
aumentaria a prevalência destas cefaleias. Não se sabe
também qual a influência dos sintomas neuropsiquiátricos
da EM sobre a ocorrência destas cefaleias.
Freedman e Gray
33
sugeriram haver correlação entre
Headache Medicine, v.1, n.2, p. 46-52, apr./may./jun. 2010 49
cefaleia e presença de placas em tronco cerebral. Gee
et al.
34
encontraram aumento de quatro vezes no risco
de migrânea em pacientes com placas em mesencéfalo/
substância cinzenta periaquedutal quando comparados
a pacientes sem lesões nesta região.
Outra questão que tem sido analisada é a asso-
ciação entre o uso de drogas imunomoduladoras e
cefaleia. Primeiro, porque os imunomoduladores podem
desencadear cefaleia como parte dos sintomas gripais
que ocorrem após a aplicação da injeção subcutânea
ou intramuscular. Além desta questão, outros estudos têm
sugerido que a cefaleia primária pré-existente pode ser
agravada após o uso destas medicações.
35
Pölmann et
al.,
36
em estudo prospectivo, identificaram que ocorreu
piora da cefaleia primária em 30% dos pacientes que
receberam betainterferonas e 6% dos que receberam
acatato de glatirâmer. Entretanto, outros autores
37
não
verificaram diferença significativa na prevalência de
cefaleia em pacientes com EM em tratamento com os
diferentes imunomoduladores.
Neuralgia do trigêmeo (NT) e neuralgia do occipital
podem ocorrer em pacientes com EM quando placas
desmielinizantes se desenvolvem em estruturas trigeminais
ou em medula cervical alta (C1-C2). A prevalência de
NT tem variado nos estudos, podendo chegar a 6,3%
dos casos de EM.
32,38
Até o presente há poucas recomendações específicas
para o tratamento de cefaleia em pacientes com EM.
Pacientes com EM e que apresentem cefaleia como parte
de sintomatologia gripal após uso de betainterferona têm
sido orientados utilizar medicações sintomáticas, tais como
paracetamol ou anti-inflamatórios não hormonais.
Frohman e cols. sugeriram o uso de naproxeno, 500 a
1.000 mg, trinta minutos antes das injeções. Quando
insuficiente pode-se usar prednisona 10 a 30 mg, no dia
da injeção, nas duas primeiras semanas de tratamento,
quando os sintomas são mais acentuados. Outra estra-
tégia é a titulação da dose de betainterferona.
39
Nos
pacientes previamente portadores de cefaleia primária e
que tem piora da mesma após o desenvolvimento de
EM ou após o uso de imunomoduladores podem bene-
ficiar-se do uso de medicações profiláticas. Deve-se levar
em conta o perfil de potenciais efeitos colaterais das
medicações, pois pode haver agravamento de sintomas
da EM. Por exemplo, piora cognitiva em pacientes usando
topiramato, piora de retenção vesical em pacientes
usando antidepressivos tricíclicos ou piora da fadiga em
pacientes usando betabloqueadores.
40
Estes sintomas
devem ser cuidadosamente monitorados e as doses e as
medicações devem ser ajustadas caso a caso. Não há
recomendações específicas para o tratamento de
neuralgias associadas à EM.
DOENÇA DE BEHÇET
A doença de Behçet (DB) é uma doença sistêmica,
cuja maior prevalência ocorre do Oriente Médio, sendo
mais rara na Europa e América, onde a prevalência é
em torno de um caso para 100.000 habitantes. Sua
etiologia é desconhecida e é caracterizada por infla-
mação vascular recorrente, levando a úlceras muco-
cutâneas, uveíte, doença neurológica, quadro musculo-
esquelético e gastrointestinal. Embora a patogenia da
DB seja desconhecida, há evidência de associação com
genes do complexo maior de histocompatibilidade, como
o HLA B51. Polimorfismos em outros genes também têm
sido descritos, como no gene da óxido nítrico sintetase,
gene da interleucina-10 e 8 e CD28. O diagnóstico se
baseia na presença de úlceras genitais e cutâneas
recorrentes, lesão ocular e teste de patergia positivo, que
é produzido com a introdução de uma agulha na derme
do antebraço, formando-se uma pápula ou pústula após
48 horas.
41,42
As manifestações neurológicas na DB dividem-se
em: 1) parenquimatosas - infarto cerebral, lesões em tron-
co cerebral, mielopatia; 2) não parenquimatosas - trom-
bose venosa com hipertensão intracraniana, aneurisma
intracraniano; 3) manifestações em sistema nervoso
periférico - neuropatia e miopatia; 4) outras manifes-
tações: meningite asséptica, manifestação tumoral,
sintomas psiquiátricos e neurite óptica.
43
A cefaleia é o
sintoma neurológico mais frequentemente visto em
pacientes com DB e pode ser atribuída a diferentes
condições: cefaleia sem lesões estruturais, cefaleia por
lesões parenquimatosas, cefaleia secundária a trombose
venosa, cefaleia secundária a inflamação ocular e
cefaleia secundária a meningite.
43
Em algumas séries, a prevalência de cefaleia na
DB é semelhante à população geral e em outras séries,
há aumento de prevalência de cefaleia em pacientes
com esta doença. As características das cefaleias vistas
em pacientes com DB e sem lesões estruturais são seme-
lhantes às das cefaleias primárias identificadas na
população geral, entretanto, há um aumento relativo
na proporção de migrânea com aura visual e sen-
sorial.
43-47
Em uma série de casos, a cefaleia na DB foi
predominantemente em peso, bilateral e sempre acom-
panhada de náuseas ou vômitos.
48
Há relatos de piora
CEFALEIA EM NEUROIMUNOLOGIA: CONTROVÉRSIAS
50 Headache Medicine, v.1, n.2, p. 46-52, apr./may./jun. 2010
de cefaleia primária pré-existente após surgimento ou
após exacerbação da DB.
49,50
A DB é classicamente tratada com corticoesteroides
e imunossupressores, especialmente na presença de
envolvimento do SNC, devido à agressividade do quadro
neurológico na DB. Embora a cefaleia seja a mani-
festação neurológica mais comum, em 90% dos casos a
mesma é de natureza primária não havendo, portanto,
recomendações terapêuticas específicas.
43
Deve-se
investigar sempre a possibilidade de lesão estrutural do
SNC ou trombose dural.
51,52
Na presença de trombose,
além do tratamento imunossupressor, alguns autores
recomendam a associação com anticoagulantes.
CONCLUSÕES
De acordo com os estudos apresentados, cefaleia
pode ser um sintoma das doenças supracitadas. Tal
associação ocorre na forma de:
N cefaleia atribuída a doença vascular craniana ou
cervical
cefaleia atribuída a acidente vascular isquêmico
(IHS 6.1.1)
cefaleia atribuída a trombose venosa cerebral
(IHS 6.6)
N cefaleia atribuída a transtorno intracraniano não
vascular:
cefaleia atribuída a meningite asséptica (IHS
7.3.2)
N cefaleia atribuída a infecção (por infecções
oportunista em pacientes recebendo drogas imunossu-
pressoras para o tratamento destas doenças IHS 9);
N cefaleia atribuída a uma substância ou a sua
supressão (IHS 8)
cefaleia induzida pelo uso ou exposição aguda
a outra substância (por exemplo interferons) (IHS 8.1.10)
N neuralgia sintomática do trigêmeo (IHS 13.1.2;
na esclerose múltipla)
N cefaleia atribuída a outra doença inflamatória não
infecciosa (IHS 7.3.3): esta codificação deveria ser
utilizada para aqueles casos em que a cefaleia
correlaciona-se temporalmente com períodos de
exacerbação inflamatória da doença autoimune.
Em relação à abordagem dos pacientes, os estudos
apresentados permitem concluir que:
1) pacientes com história clínica compatível com
migrânea e sem outros achados no exame clínico e
neurológico que sugiram algumas das doenças mencio-
nadas, não necessitam ser submetidos a exames labo-
ratoriais, incluindo exames para diagnóstico de lúpus,
SFA, ressonância de encéfalo ou exame de líquor, uma
vez que os estudos demonstram não haver relação causal
entre a migrânea e estas doenças;
2) pacientes com diagnóstico estabelecido de
doenças autoimunes do SNC e que apresentem quadro
clínico de cefaleia iniciado após a doença imunológica,
ou cefaleia prévia que tenha sido exacerbada após o
desenvolvimento desta doença, devem ser submetidos a
investigação neurológica para se descartar a possi-
bilidade de cefaleia secundária;
3) pacientes com diagnóstico de alguma destas
doenças autoimunes e apresentando simultaneamente
uma cefaleia primária (exames neurodiagnósticos sem
alterações) devem receber tratamento para a cefaleia
primária de acordo com as diretrizes vigentes. Há relatos
anedóticos de uso de corticoides e drogas imunossu-
pressoras trazendo alívio para a cefaleia primária em
pacientes portadores de algumas das doenças
autoimunes citadas, mas, considerando que estes
estudos envolvem poucos doentes e não são
controlados, não há evidências suficientes para tal
recomendação. O uso destas drogas deve-se restringir
às situações em que as mesmas estejam indicadas para
o tratamento da doença autoimune;
4) a escolha terapêutica de medicação profilática
para uma cefaleia primária em pacientes portadores
destas doenças autoimunes do SNC deve levar em conta
os potenciais impactos desta medicação sobre os outros
sintomas relacionados à doença imunológica, tais como
piora da cognição, da fadiga, entre outros.
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Correspondência
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