Headache Medicine, v.1, n.1, p. 29-33, jan./fev./mar. 2010 29
Migrânea e cefaleia do tipo tensional: alguns
aspectos históricos
Migraine and tension-type headache: a few historical aspects
REVIEW ARTICLEREVIEW ARTICLE
REVIEW ARTICLEREVIEW ARTICLE
REVIEW ARTICLE
Michelly Cauás
1
, Murilo Costa Lima
1
, Carlos Augusto Pereira do Lago
2
,
Elizabeth Arruda Carneiro Ponzi
1
, Daniella Araujo de Oliveira
1
, Marcelo M. Valença
1
1
Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco
2
Universidade Federal de Pernambuco
Cauás M, Lima MC, Lago CAP, Ponzi EAC, Oliveira DA, Valença MM.
Migrânea e cefaleia do tipo tensional: alguns aspectos históricos. Headache Medicine. 2010;1(1):29-33
isquêmicas ou hemorrágicas, desordens neurológicas,
toxicemias, distúrbios no aparelho digestivo bem como
útero e ovário; que o o caráter da dor era muito variável,
podendo ser superficial ou profundo, constante ou
paroxístico, generalizado ou local, maçante ou em peso,
perfurante ou latejante.
1
Na década de 1930, Tilney já relacionava a
migrânea com a capacidade de produzir todo um
complexo de sintomas. A periodicidade e caráter
paroxístico das crises, a presença de náuseas e
vômitos, calafrios e suor, embasamento visual antes
das crises, perda visual, visão dupla, distúrbio de
sensibilidade, hemiparesia e ptose da pálpebra
superior constituiam definitivamente componentes das
crises de migrânea. Não sendo necessário ocorrer
todos ao mesmo tempo, e ainda variar no tempo,
intensidade e duração.
2
Já a cefaleia do tipo tensional (CTT) estava
relacionada a sensibilização central como sendo um
possível mecanismo fisiológico. Dividia-se em um
mecanismo central onde consiste de estresse psicológico
e da supressão exteroceptiva e outro bioquímico onde
encontra-se o mecanismo serotoninérgico.
3
Ou ainda uma
predisposição genética, hiperestesia cutânea e muscular
e fatores ambientais. Tendo como principais aspectos
clínicos a dor tipo peso, moedeira, aperto; intensidade
leve a moderada; bilateral; com exame neurológico
normal.
4
INTRODUÇÃO
Em 1903 discutia-se uma classificação para as
dores de cabeça. Dizia-se que a cefaleia era um sintoma
que ocorria no curso de uma grande variedade de
doenças; doença cerebral de origem orgânica,
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
As cefaleias primárias estão presentes corriqueiramente na
sociedade atual, entre elas as principais representantes são a
cefaleia do tipo tensional (CTT) e a migrânea. Fazemos uma
breve revisão dos aspectos históricos relacionados com o
estudo das cefaleias.
PP
PP
P
alavrasalavras
alavrasalavras
alavras
--
--
-
chave:chave:
chave:chave:
chave: Epidemiologia; migrânea; cefaleia do tipo
tensional.
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
The primary headaches are routinely present in today's society,
among the main representatives are tension-type headache
(TTH) and migraine. We reviewed a few historical aspects
about primary headaches.
Key words: Key words:
Key words: Key words:
Key words: Epidemiology; migraine; tension-type
headache.
30 Headache Medicine, v.1, n.1, p. 29-33, jan./fev./mar. 2010
MICHELLY CAUÁS E COLABORADORES
ANOANO
ANOANO
ANO
HISTÓRICOHISTÓRICO
HISTÓRICOHISTÓRICO
HISTÓRICO
Século IDC Aretaeus, o Capadócio classifica cefaleia em cefalalgia, cefaleia e migrânea.
5
Século II DC Galeno de Pergamon, fez conexão entre estômago e o cérebro, devido a náusea e vômito presentes
nas crises, usou o termo hemicrania.
5
Século X DC Inicia-se a pesquisa sobre tratamento da migrânea por Abulcasis, sugerindo a aplicação de ferro quente
na cabeça ou inserção de alho em uma incisão feita nas têmporas.
5
Século XII DC Surgiram os pródomos, Abess Hildergard de Bingen relatou que as visões podem ser uma descrição inicial
da migrânea.
5
Século XVII Charles Le Pois descreveu sintomas premonitórios e a migrânea com aura.
5
1712 A biblioteca Anatomica Medic Chirurgica publicada em Londres, caracterizando cinco tipos de cefaleias,
incluindo a "Megrim".
5
1780 Tissot sugeriu que a migrânea se origina no estômago devido a um estado de irritação que se irradia para
os nervos supraorbitários e desencadeia a crise. Na lista de sintomas precedendo ou acompanhando o
episódio incluia a náusea e o vômito.
5
1860 Dubois-Reymond e Mellendorf ressuscitaram o papel vascular na gênese das crises de migrânea. Para
Duboi-Reymond, a crise decorria de um fenômeno vasoespástico relacionado com uma hipertonia simpática,
enquanto para Mellendorf se correlacionava com uma dilatação das artérias na decorrência de uma
paralisia transitória do nervo simpático cervical.
1873 Latham propõe um déficit da irrigação sanguínea em um lado da cabeça como fator causal da crise de
migrânea.
5
1878 e 1894 Eulenberg na Aleamnha e Thomson nos Estados Unidos respectivamente, passaram a usar extratos fluidos
de esporão de centeio (ergotamina) no tratamento das crises de migrânea.
6
1918 Stoll isola a ergotamina.
6
1925 Rothlin demonstava que a ergotamina possuía ação inibidora sobre o simpático
6
1926 Maier utilizou pela primeira vez o tertarato de ergotamina no tratamento das crises de migrânea.
6
1909 Tinha-se em mente que pouco se sabia do verdadeiro mecanismo da cefaleia. O próprio tecido cerebral
parecia ser insensível a estímulos táteis e dolorosos ordinários. A doença do tecido cerebral podia existir
sem dor (abscesso, etc.), porém o revestimento do cérebro e os seus vasos liberavam elementos neuronais
para o trigêmeo, ramos cervicais superiores e ramos sensitivos do vago, os quais transmitiam sensibilidade
para o órgão central. Esses mesmos nervos supriam estruturas extracranianas, de forma superficial e
profunda, encontrando assim uma variedade de dores de cabeça.
7
1909 Relato na literatura da primeira classificação de cefaleia proposta por JW Shields dividida em três partes
funcional, orgânica e circulatória.
8
1929 Briggs ressalta que a migrânea é uma doença estritamente familiar, raramente se disfarça, apresenta-se
como uma entidade clínica exata, com tempo de episódio definido. Ocasionalmente, apresenta
manifestações gastrointestinais, porém uma boa história poderá cancela qualquer dúvida.
9
1930 Tilney relaciona as características das crises de migrânea utilizada até os dias atuais.
2
1957 Friedman dividia a crise de migrânea em três distintas alterações vasculares. A fase prodrômica
ou aura está associada com vasoconstrição das artérias intracranianas e com fenômenos clínicos, como
escotomas, hemianopsia, parestesia e depressão. A segunda fase está associada com vasodilatação,
momento em que os vasos cranianos alteram a sensibilidade e aumenta a amplitude de pulsação. A dor,
nesta fase, geralmente é latejante e agravada por tudo o que aumenta a pressão venosa tais como inclinar-
se ou levantar-se. Na terceira fase há edema nos vasos afetados, que se tornam edemaciados e duros. A
cefaleia nesta fase é constante.
10
1959 É fundada The American Association for the Study of Headache.
11
1961 Lançada a revista Headache.
11
1965 Formaçào do Migraine Trust de Londres.
11
1976 No Brasil Edgard Raffaelli Jr. juntamente com Wilson Farias da Silva e Gilberto Rebello de Mattos,
articularam a criação de uma entidade que congregasse profissionais com interesse voltado ao
estudo das cefaleias.
12
1978 Nasce a Sociedade Brasileira de Cefaleia e Migrânea.
12
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MIGRÂNEA E CEFALEIA DO TIPO TENSIONAL: ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS
1979 Primeiro Congresso Brasileiro de Cefaleia sob os auspícios da sociedade recém criada.
12
1994 Edgard Raffaelli Júnior criou e batizou a revista Migrânea & Cefaleias da Sociedade Brasileira
de Cefaleia (SBCe), que teve seu primeiro exemplar publicado em março de 1994.
13
1997 Publicado o primeiro artigo original da revista pelo Prof. Dr. Wilson Farias da Silva: Cefaleia em Salvas:
Algumas Considerações. Onde através de quatro casos clínicos teceu algum comentários a respeito de
aspectos clínicos da cefaleia em salvas.
14
Em 1999 publica-se que
"No universo das dores de cabeça, algumas são resolvidas com um simples analgésico ou afastando o fator causal;
outras exigem tratamento cirúrgico ou terapêutico direcionada ao fator etiológico, enquanto que outras, as mais freqüentes,
necessitam de acompanhamento prolongado e medicamentos indicados para cada uma delas",
15
Onde o autor mostra a necessidade de uma visão multifacetária diante do estudo das cefaleias.
e apresentando prevalência abaixo de 50% para a
lateralidade e agravamento pela atividade fisica. Para a
CTT não foi diferente mantendo as porcentagens elevadas
para as principais caracteristicas, porém as náuseas,
fonofobia e fotofobia estiveram presentes em pelo menos
metade dos pacientes com migrânea e em um terço dos
pacientes com cefaleia tipo tensional.
21
Dentre os fatores precipitantes, Ulrich, em 1996,
encontrou, entre 4.000 pessoas, uma prevalência de CTT
de 83%, não sendo diferente da migrânea sem aura,
onde os fatores precipitantes para a CTT estava presente
o estresse mental e o cansaço, porém, apenas migra-
nosos tiveram episódios de CTT precipitada pelo álcool,
excesso de ingestão de queijo, chocolate e atividade
física.
22
Para Niczyporuk (1997), entre os 116 pacientes
(60 migranosos e 24 com CTT), o estresse foi o mais
frequente representando 58% na migrânea e 53% na
CTT.
23
Para Leira e col. (1998), os principais fatores
precipitantes de uma forma em geral para estas entidades
foi o estresse (80%), alimentos (68%), drogas (34%), álcool
(20%) e menstruação (8%).
24
Porém, em 2003. Ho e Org
encontraram, entre 2.096 indivíduos, entre os fatores pre-
cipitantes tanto para migrânea sem aura como para
cefaleia do tipo tensional, a privação do sono apresentou-
se com alta prevalência – 60,9%/71,8% respectivamente,
seguida de estresse – 64,9%/56,0%;
25
e Fragoso e col.
(2003) encontraram, entre 163 pessoas, o choro repre-
sentando 55,2% do fator precipitante de CTT e migrâ-
nea.
26
Na correlação do sexo e idade com a ocorrência
de migrânea e CTT existem algumas variações. Em 1998,
na Coréia do Sul, entre 2.500 indivíduos, a prevalência
foi de 22,3% para a migrânea (20,2%, sexo masculino
e 24,3% feminino) e 16,2% de cefaleia do tipo tensional
(sexo masculino de 17,8% e 14,7% do sexo feminino).
27
No mesmo ano, Zétola e col., após entrevistarem no
As cefaleias primárias são entidades nosológicas que
ocorrem sem etiologia demonstrável pelos exames
clínicos ou laboratoriais usuais. Tendo como principais
exemplos a migrânea, a cefaleia do tipo tensional. Tais
desordens seriam herdadas e sobre tal susceptibilidade
endógena, atuariam fatores ambientais. Em 1988, a
criação da Classificação Internacional das Cefaleias foi
de extrema importância para uniformizar os diagnósticos,
dando maior homogeneidade aos trabalhos oriundos
dos mais diversos centros de estudo das cefaleias, porém
se ela é excelente para excluir, torna-se falha quando o
que está em jogo é a inclusão.
16-18
PREVALÊNCIA
Qual a diferença entre prevalência e incidência de
doença? Ambas são medidas de freqüência de
ocorrência de doença. Prevalência mede quantas pessoas
estão doentes, incidência mede quantas pessoas
tornaram-se doentes. Ambos os conceitos envolvem
espaço e tempo - quem está ou ficou doente num
determinado lugar numa dada época.
19
Em 1991, Ramussen e col. estabeleceram, entre
1.000 participantes com idade entre 25-64 anos, uma
prevalência de migrânea e CTT de 93,8% e 69,0% em
homens e 99,25% e 88,0% em mulheres, respectivamente,
ao longo da vida do indivíduo, havendo um decréscimo
da CTT com o aumento da idade. Entre os migranosos,
a dor era pulsátil em 78%, grave em 85%, unilateral em
62% e agravada com esforço físico em 96%. Para a CTT,
o caráter de pressão foi encontrado em 78%, de inten-
sidade leve a moderada em 99%, bilateral em 90% e
em 72% a dor piorava com atividade física.
20
A pre-
valência de migrânea manteve-se em 1995 com 54,9%
dos 719 pacientes com cefaleia; com relação aos sinto-
mas, 55,7% era pulsátil, porém grave em apenas 57,8%
32 Headache Medicine, v.1, n.1, p. 29-33, jan./fev./mar. 2010
ambiente de trabalho, aleatoriamente, 1.006
funcionários de um hospital, encontraram 380 individuos
com cefaleia, 65,5% foram classificados como
portadores de migrânea; 27,6% como CTT e 6,8% em
outros grupos. O sexo feminino foi o predominante para
todos os tipos de cefaleia, não havendo diferença
significante entre as médias de idade nos diferentes tipos
de cefaleia.
28
Para Lavados e Tenhamm (2001), a prevalência foi
maior; entre 1.385 encontraram 101 que apresentavam
migrânea e 373 cefaleia do tipo tensional, havendo uma
predominância do sexo feminino de 87,1% e 68,9%,
respectivamente.
29
Para Deleu e col. (2001), entre 403
estudantes de medicina, 62,5% mulheres com média de
idade de 21,9 anos, a taxa de prevalência de migrânea
e cefaleia do tipo tensional encontrada foi a mesma
(12,2%), com uma diferença na distribuição entre os
sexos, 6,6% dos homens e 15,5% do mulheres tinham
migrânea, enquanto 13,9% dos homens e 11,1% das
mulheres foram identificadas como sofrendo de cefaleia
do tipo tensional.
30
Em 2002, para estes mesmos autores
não houve muita diferença onde, entre 1.158 pessoas
(57,1% eram mulheres com média de idade de 25,9
anos) a prevalência de migrânea e cefaleia do tipo ten-
sional foi o ano anterior de 10,1% e 11,2%, respectiva-
mente
31
onde esta prevalência para o sexo feminino se
mantém em vários relatos na literatura.
32-34
Vê-se na literatura uma alta prevalência de cefaleia
primária na população,
35
sendo responsável por um
impacto social e econômico significativo,
36
com crises de
duração de minutos a horas,
37
que podem causar impor-
tante impacto na vida entre os portadores de migrânea
38-39
ou de CTT,
40-41
que, segundo Stovner e col. (2007),
estudando 107 publicações relacionadas a prevalência
mundial de cefaleia, encontraram uma tendência global
para migrânea de 10% e CTT de 38%,
42
podendo haver,
como alguns dos fatores de risco, uma baixa condição
socioeconômica,
43
nível educacional,
44
hábito de tomar
café e fumar.
45
Contudo, para Raffaelli Junior e col. (1997), a migrâ-
nea e a cefaleia do tipo tensional frequentemente co-
existem em um mesmo paciente, variando desde os que
têm migrânea pura até aqueles com migrânea e mode-
rada quantidade de cefaleia do tipo tensional, e che-
gando àqueles com cefaleia do tipo tensional.
46
Pois no
conjunto das cefaleias primárias e secundárias são
computadas cerca de duas centenas de modalidades.
Dentro deste universo, a cefaleia do tipo tensional é a de
maior prevalência. Porém, isto não se reflete no cotidiano
dos consultórios e ambulatórios médicos, por ser sua
forma clínica predominante e chamada episódica, de
aparecimento esporádico; e sendo uma de pouca ou de
moderada intensidade, os pacientes são levados a não
procurar médicos, e se automedicar.
47
CONCLUSÃO
Nas últimas duas décadas observamos uma maior
incidência de migrânea em relação as CTT, com predo-
minância do sexo feminino, e por ser uma afecção que
causa uma dor crônica, influencia na qualidade de vida
do indivíduo, bem como no aspecto social ou
econômico.
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MICHELLY CAUÁS E COLABORADORES
Headache Medicine, v.1, n.1, p. 29-33, jan./fev./mar. 2010 33
Correspondência
DrDr
DrDr
Dr
. Michelly Cauás. Michelly Cauás
. Michelly Cauás. Michelly Cauás
. Michelly Cauás
Doutorado em Neuropsiquiatria e Ciências do
Comportamento - Departamento de Neuropsiquiatria,
Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária
50670-420 - Recife, PE, Brasil
Fone/Fax: (55 81) 2126-8539 - E-mail:
michellycauas@yahoo.com.br
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