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Uso de plantas medicinais como alternativa para o
tratamento das cefaleias
Use of medicinal plants as an alternative for the treatment of headache
ORIGINAL ARTICLE
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a
cefaleia a doença neurológica mais comum, que pode gerar
incapacidades diversas. Porém, as cefaleias em geral são
subestimadas e subnotificadas, dificultando o conhecimento
do impacto da doença no panorama da saúde pública. A
International Classification of Headache Disorders (ICHD)
considera como tipos mais comuns de cefaleia a cefaleia
do tipo tensional e enxaqueca, consideradas primárias. O
tratamento das cefaleias percorre desde o modelo
medicamentoso (biomédico) até os métodos tradicionais,
com o uso de plantas medicinais. Desde 1980, o termo
"Medicina Complementar" foi inserido a fim de compatibilizar
os dois modelos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), plantas medicinais são as espécies
vegetais que são naturais ou cultivadas com a finalidade
terapêutica, uma alternativa mais viável de muitas
comunidades de tratar e prevenir doenças, além de manter
a saúde. O uso das plantas ganha força também como
fonte de poderes espirituais e mágica. A utilização dessas
plantas varia de acordo com o problema de saúde, porém,
em todos os casos, há uma falsa crença que os medicamentos
naturais não têm contraindicação, o que oferece sérios riscos
aos adeptos. Crenças são ideias que se consolidam com o
tempo, em que as pessoas consideram mais válidas do que
a própria lógica, podendo ter o cunho tendencioso e
emocional. O objetivo deste estudo foi visitar mercados
populares na região do Grande Recife na procura de
informação sobre o uso de plantas medicinais para o
tratamento da cefaleia.
PP
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Cefaleia; Plantas medicinais; Crenças
Amanda Araújo da Silva, Marcelo Moraes Valença
Programa de Pós-graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Departamento de
Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco, Brazil.
Silva AA, Valença MM. Uso de plantas medicinais como alternativa para o tratamento das cefaleias.
Headache Medicine. 2014;5(2):46-58
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
The World Health Organization (WHO) considers headache
the most common disease of the nervous system that can
generate various disabilities. However, there is an
underestimation and underreported hindering the impact of
public health. The International Classification of Headache
Disorders (ICHD) considers the tension-type headache and
migraine as the most common types of primary headache.
The treatment of headache has pervaded the medical model
(biomedical) extending to the traditional, acknowledged by
the use of medicinal plants. From 1980, the term
"complementary medicine" was inserted in order to reconcile
the two models. According to the National Health Surveillance
Agency (Anvisa), medicinal plants are plant species that are
natural or cultured with the therapeutic purpose; ease of use
as well as to keep the tradition, is the most viable for many
communities to treat and prevent diseases, besides maintaining
health. The use of plants is beyond cure and includes spiritual
power and magic. The use of the plant varies with the health
problem, but in all cases, there is a false belief that natural
medicines have no contraindication, which offers serious risks
to the consumers. Beliefs are ideas that consolidate over time,
in that people consider more valid than logic, which may
have tendentious and emotional nature. The purpose of this
study was to visit popular markets in the Greater Recife region
in the search for information on the use of medicinal plants
for the treatment of headache.
KeywordsKeywords
KeywordsKeywords
Keywords: Headache; Medicinal plants; Beliefs
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INTRODUÇÃO
É evidente que o uso da farmacoterapia (adminis-
tração de drogas) é atualmente a forma de tratamento
mais convencional das cefaleias. Apesar disso, a história
relata formas de tratamentos adversos que marcaram a
história da cefaleia. Entram para a história dois modos
de intervenção que marcaram e atravessaram gerações:
1) a cauterização, um tratamento dito perigoso, o qual
era aplicado um ferro quente na cabeça do enfermo no
momento em que a dor ainda estiver instalada; o paci-
ente que resistir a intervenção era considerado corajoso
e vigoroso; e 2) trepanação, que consiste na perfuração
do crânio dos seres humanos que ainda encontravam-se
vivos, acreditando-se que dali sairia o que estaria fazendo
mal; tal prática transpassou do período mesolítico até a
Antiguidade e a Idade Média.
(1)
Porém outro método menos invasivo e doloroso
também fez parte da história, ganhando notoriedade
até os dias atuais. O uso e prática das plantas
medicinais como forma de tratamento e intervenção
na saúde da humanidade dar-se por volta do período
paleolítico, no qual os seres humanos tratavam suas
doenças e os males através do uso de produtos naturais
diversos oriundos de plantas, outros animais e alguns
minerais. Estudos apontam que desde a mais tenra
época, os humanos já conheciam, pelo método de
tentativa e erro, e se utilizavam de propriedades das
plantas e suas estruturas (flores, raízes, folhas, sumo,
cascas e frutos), utilizando-se delas como anestésicos,
psicotrópicos, anti-inflamatórios, antigripais e outros
fins medicinais.
(2,3)
Evidências arqueológicas mostram elaborações
farmacológicas dos egípcios, os quais colecionavam
uma variação significativa de recursos de origem
natural e que através da tecnologia atual há
comprovação de efetividade medicamentosa. Grécia,
China, Índia e Tibet foram palcos de experimentos de
sucesso do uso das plantas há cerca de 3.000 a 1.000
anos. O especialista da área possuía destaque por
seu conhecimento, poder e influência profissional na
sociedade, tornando-se assim figura de respeito e
reconhecimento.
(3)
O século 18 destoa como um novo marco para o
tratamento das enfermidades pelo uso de plantas medi-
cinais. Foi nesse século em que um naturalista Carolus
Linnaeus documentou de forma padronizada as espécies
botânicas, características, identificações e suas histórias
evolutivas. O documento tornou-se marco para a taxo-
nomia atual, servindo como base para muitos estudos
de botânicos, taxonomistas, herbalistas e estudiosos da
área.
(3)
Mas foi apenas em 1808, com a vinda da corte
Real para o Brasil e o decreto de D. João VI para a
abertura dos portos às nações amigas, que se encontram
os primeiros marcos históricos oficiais da já ciência
considerada também brasileira: as primeiras expedições
científicas passaram a chegar ao país com o intuito de
coletar espécimes da fauna e flora, além de promover o
conhecimento. Esse era utilizado pelos fazendeiros, jesuítas
e índios que buscaram na natureza alternativas para curar
seus males. Médicos, botânicos, zoólogos validaram os
estudos sistemáticos da fauna e flora brasileiras, além
de legitimarem a notoriedade das plantas medicinais
locais, para uso fitoterápico; validade esta que reper-
cutem até os dias atuais, de forma difundida e diversa-
mente contemplada por diversas culturas do país.
(4,5)
Num contexto atual, nota-se a perpetuação do
costume pelo convívio íntimo com a natureza de certos
grupamentos culturais, os quais observam em seu dia a
dia, exploram e experimentam esse patrimônio de modo
constante. A transmissão oral é um importante meio de
consolidação do conhecimento, mas a prática em si é
o meio mais comum, pois além de manter a tradição, é
a alternativa mais viável de muitas comunidades de tratar
e prevenir doenças, além de manter a saúde. O uso
das plantas vai para além da cura das doenças e ganha
força na cultura como portadoras de poderes espirituais,
crença também perpetuada como tradição, a qual
ganha sentido com os rituais religiosos - costume esse
valorizado tanto na África quanto no Brasil - em que se
acredita que algumas doenças podem ser atribuídas a
energia de maus espíritos. Portanto, segundo essas
tradições, quando as pessoas são tratadas de alguma
enfermidade, há uma estreita relação com os ritos e
com o uso das ervas. A utilização da planta varia de
acordo com o problema: chás (por infusão ou decoc-
ção), pomadas, tinturas, xaropes, garrafadas e até
mesmo banho podem ser recomendados – este último,
principalmente se a ordem for mística, porém leva-se
em consideração que todo tratamento realizado através
das plantas medicinais são realizados em conjunto com
outras práticas ritualísticas.
(5-8)
É comum notarmos que a busca pelo tratamento
alternativo faz parte da história da humanidade,
caracterizando os indivíduos como seres que são capazes
de autoajustes culturais, pertinentes às questões que
permeiam a época e ética.
USO DE PLANTAS MEDICINAIS COMO ALTERNATIVA PARA O TRATAMENTO DAS CEFALEIAS
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SILVA AA, VALENÇA MM
MÉTODO
O estudo foi realizado em Mercados Públicos nas
cidades Recife, Olinda, Igarassu e Paulista situadas na
Região Metropolitana do Grande Recife, estado de
Pernambuco. Os Mercados vendem as mais diversas
especiarias locais, alimentos, artes e artesanatos, além
de serem locais de exposição e encontros culturais.
Segundo fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) do ano de 2014, Recife é um município
que, apesar de estar na zona urbana, é uma cidade que
ainda apresenta características culturais de cidades
interioranas. Os mercados de Recife visitados foram:
Afogados, Água Fria, Beberibe, Boa Vista, Casa Amarela,
Cordeiro, Encruzilhada, Madalena, Nova Descoberta,
Pina, Santo Amaro, São José; os de Olinda: Peixinhos e
Sítio Novo; além dos mercados das cidades vizinhas:
Igarassu e Paulista.
(9,10)
Neste estudo foi realizada uma pesquisa de campo
em todos os boxes que vendiam plantas medicinais e
suas indicações terapêuticas. Assim, os responsáveis pelos
boxes (raizeiros) foram questionados em horário comer-
cial, nos próprios locais de trabalho, com entrevistas do
tipo semi-estruturada, individuais, as quais, através da
permissão prévia, o diálogo informal foi efetuado du-
rante as visitas. Usuários do método alternativo também
foram entrevistados a fim de investigar a frequência da
utilização do uso das plantas medicinais, além da
credibilidade e conhecimentos acerca do uso e seus
possíveis danos.
As entrevistas com os raizeiros ou responsáveis pelos
boxes de vendas das plantas medicinais foram transcritas
para a Tabela 1 e Tabela 2, as quais contêm as
principais plantas indicadas para o tratamento das
cefaleias, bem como a forma de uso e informações
adicionais cedidas.
As palavras-chave utilizadas para a revisão de
literatura foram: "medicinal plants", "headache", "belief"
and "Brazil"; além de "plantas medicinais", "dor de cabeça",
"crenças" e "Brasil".
RESULTADOS
Na visita aos 17 Mercados Públicos (Recife: Afoga-
os, Água Fria, Beberibe, Boa Vista, Casa Amarela,
Cordeiro, Encruzilhada, Madalena, Nova Descoberta,
Pina, Santo Amaro, São José; Olinda: Peixinhos, Sítio
Novo e Rio Doce; Igarassu e Paulista) foram
entrevistados 24 raizeiros/responsáveis pelos boxes,
apenas 18 recomendaram um total de 38 plantas
medicinais, sendo apenas 16 delas (42,1%) espécies
nativas brasileira, enquanto que 22 eram originárias
fora do Brasil (57,9%). A Tabela 1 representa a
frequência que as plantas recomendadas para o
tratamento das cefaleias foram mencionadas pelos
vendedores dos Mercados. Dos 24 raizeiros, 2 deles
responderam "não tenho aqui, mas sei que existe",
referindo-se ao seu desconhecimento acerca da devida
indicação para o tratamento, mas ao mesmo tempo a
crença de que havia planta medicinal para aquela
enfermidade; e 4 deles relataram que recomendariam
ao usuário a procura de farmácia para tratar de sua
dor de cabeça.
Os entrevistados relatam ter o legado do conhe-
cimento sobre as plantas medicinais como uma tradição
familiar. Apenas um dos entrevistados, menciona que
além da tradição e de seu negócio, que passaram de
geração em geração, realizou também um curso de
aprofundamento em plantas medicinais oferecido pela
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Apesar de 4 dos 24 raizeiros (16,67%) referenciarem a
farmácia para o tratamento da dor de cabeça, todos
não só receitam as plantas para as enfermidades de seus
clientes, como também as utilizam em casa e pretendem
passar o conhecimento para os familiares mais jovens, a
fim de perpetuar a cultura/negócio. Todos os vendedores
acreditam na eficácia de seus produtos, bem como na
benfeitoria que os produtos naturais trazem à vida dos
consumidores, independente de estarem sob a forma de
conservação e comercialização adequada, segundo a
fiscalização que rege a segurança e qualidade da
mercadoria.
(11-14)
As plantas mencionadas na Tabela 2 podem ser
encontradas no local para compra, consumo e conser-
vação, como especiaria e algumas podem ser até
mesmo cultivadas nas condições ambientais do local,
apesar de terem origem em outras regiões/continentes,
como mencionado na Tabela 1, mas que foram
devidamente adaptadas nas condições climáticas do
Brasil.
(12,15)
A Tabela 2 retrata as diversas formas que os
raizeiros/responsáveis pelos boxes dos Mercados
indicam o uso das plantas. Pode-se perceber que, em
alguns casos, não houve um consenso, havendo duas
ou três formas de preparo e posologia. Nas entrevistas
de natureza semiestruturada ainda pode-se averiguar
que em nenhuma das recomendações houve alerta para
possíveis contraindicações e toxidade da planta, nem
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de forma espontânea, nem quando questionado,
verificando apenas acréscimos sobre os benefícios que
as plantas poderiam trazer para outros possíveis
problemas de saúde (anti-inflamatórios, anti-
hipertensivos) ou comorbidades (ex. ansiedade e
cefaleia; problemas no fígado e cefaleia).
Dos discursos dos raizeiros descritos na Tabela 2,
pode-se ainda ressaltar a frequência dos métodos de
tratamento pelo uso das plantas. Quanto ao tratamento
por meio de "ingestão do chá", houve 34 citações, as
quais eles recomendavam o tratamento por infusão ou
decocção; o tratamento por "inalação" foi bem menos
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USO DE PLANTAS MEDICINAIS COMO ALTERNATIVA PARA O TRATAMENTO DAS CEFALEIAS
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citado, destacando-se apenas 7 ervas; para "aplicação"
na área com dor, apenas 3 indicações; e, sem
informações adicionais, por não saberem recomendar a
forma de uso, apareceram 5 recomendações. Muitas
dessas indicações são dos mesmos raizeiros para plantas
diversas, já que era comum a indicação de várias plantas
pelo mesmo profissional.
DISCUSSÃO
Ainda hoje, devido a escassez de conhecimento e
da formação dos profissionais especializados para o
diagnóstico e tratamento das cefaleias, os pacientes que
sofrem de cefaleia ainda são inadequadamente
tratados.
(16)
A International Classification of Headache Disorders
- second edition (ICHD-2, 2004) enumera 153 diagnós-
ticos de cefaleias e subdivide os diagnóstico em cefaleias
primárias e secundárias, entre outros tipos de cefaleias.
(17)
Mas, em 2013, houve a implementação do ICHD-3 beta
e, acredita-se que, com essa atualização, seja possível a
melhor identificação de diagnósticos compatíveis com a
Classificação Internacional de Doenças, versão 11 (CID-
11) e isso possa facilitar a correção de possíveis erros de
versões anteriores e o melhor diálogo entre os profissio-
nais da área.
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Os tipos mais comuns de cefaleia são a cefaleia
do tipo tensional e a enxaqueca ou migrânea, ambas
consideradas primárias. A cefaleia do tipo tensional é
descrita como uma dor de cabeça tipicamente bilateral,
não pulsátil, de intensidade fraca a moderada,
podendo durar de minutos a alguns dias, não
agravada após esforço físico, com rara presença, mas
possível, de fono ou fotofobia (sem concomitância), e
não apresenta náuseas. Já migrânea é uma doença
incapacitante, representada pelo grande impacto na
vida pessoal, podendo aparecer auras, principalmente
visuais, a dor é tipicamente pulsátil e em apenas um
lado da cabeça, com neuseas ou vômitos e foto e
fonofobia.
(18,19)
A dor de cabeça do tipo tensional é uma doença
comum, com prevalência entre 30% e 78%, com forte
impacto pessoal e socioeconômico. Num estudo rea-
lizado com adultos com idade entre 18 e 65 anos
apontou que a prevalência da enxaqueca pode variar
entre 17%-21%, os quais 8%-11% para o diagnóstico
estrito de enxaqueca e 9%-10% para possíveis casos
do diagnóstico, mas sempre com as mulheres
apresentando predominância de 3:1. Nesse
panorama, é demonstrado que 40% dos pacientes
acometidos com migrânea nunca procuraram médicos
para o tratamento da dor de cabeça e 60% ignoram
qualquer forma de tratamento, tornando-a uma
doença subnotificada.
(18,19)
Hoje, entende-se que o tratamento para cefaleias
percorre desde os modelos medicamentosos, mais
amplamente reconhecidos pelos estudos científicos em
desenvolvimento exponencial, quanto pelos métodos
mais tradicionais transculturais. Na história da medicina
é evidenciado dois modelos comuns de intervenção no
tratamento e prevenção de doenças: o modelo biomé-
dico e a medicina complementar. O primeiro destaca-
se como o modelo ocidental atual para as intervenções
dos problemas de saúde e doenças mais difundido em
regiões de maior desenvolvimento econômico. Porém,
devido a superespecialização das áreas médicas, além
da aparente dicotomia, negligência e falta de verba
investida para esse cuidado, facilidade de aquisição
de plantas medicinais, influência de tradição familiar,
a medicina não convencional tem se intensificado desde
a década de 1960 e levado as pessoas a se interessarem
cada vez mais por formas alternativas de tratamento.
Por causa desse ruído no campo da saúde e a fim de
harmonizar os conflitos entre o modelo biomédico e os
alternativos, no final de 1980, nos Estados Unidos e no
Reino Unido, foi adotado o termo "Medicina
Complementar", a fim de compatibilizar o "elementar"
(oriundo do modelo biomédico) com o "complementar"
(oriundo das práticas alternativas), como forma de
legitimar a prática secular. Na década de 1990, o termo
"Medicina Integrativa" foi inserido a fim de descrever
uma proposta que retratasse a integração dos diversos
modelos terapêuticos, para além da lógica
complementar, com o foco no cuidado integral da
saúde – termo esse difundido nos demais países da
América Latina.
(6,11)
É neste contexto, onde a Medicina Integrativa
ganha notoriedade na prevenção, tratamento e cura
das doenças, que o mercado de plantas medicinais e
medicamentos fitoterápicos continua em expansão.
Consideram-se plantas medicinais as espécies vegetais
que são naturais ou cultivadas com a finalidade
terapêutica, com o intuito de curar ou aliviar
enfermidades e, mais difundida em comunidades,
podendo ser fresca (quando a coleta é realizada no
momento do uso) ou seca (que faz uso após a coleta e
secagem, também chamada de droga vegetal). O
fitoterápico é o medicamento processado através da
tecnologia, que tem como matéria-prima a planta
medicinal, onde se extraem as substâncias ativas e seus
derivados e, por ser industrializado, há uma maior
padronização da quantidade e forma certa de
utilização, o que permite maior segurança no uso. Os
fitoterápicos já são reconhecidos pela OMS, a qual
incentiva os países a regulamentar a utilização desses
medicamentos. Assim, o desejo é ampliar as opções
terapêuticas e fortalecer o uso da biodiversidade
brasileira.
(15,20)
O site http://www.anvisa.gov.br/ da Agência Nacio-
nal de Vigilância Sanitária (Anvisa) – órgão público
responsável por fortalecer a promoção da saúde da
população – destaca a criação em 2008 do Programa
de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PPMF), o qual
explica e destaca a diferença entre os medicamentos
fitoterápicos e as plantas medicinais. O primeiro se
utilizam de testes clínicos padronizados a fim de prezar
pela segurança e eficácia da medicação; já algumas
das plantas medicinais ganharam nova classificação e
passaram a ser denominadas desde maio de 2014
como "produtos fitoterápicos tradicionais", os quais são
assim denominados após a demonstração de uso
seguro pelos seres humanos por um período de, no
mínimo, 30 anos, além de embasamento literário-
científico.
USO DE PLANTAS MEDICINAIS COMO ALTERNATIVA PARA O TRATAMENTO DAS CEFALEIAS
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SILVA AA, VALENÇA MM
A Anvisa listou apenas 43 plantas como produtos
fitoterápicos tradicionais que são comumente usadas, ou
seja, que não precisam de comprovação de eficácia e
segurança e que não passam por processos tecnológicos
para a sua utilização, mas necessitam de notificação e
Ginkgo Lavanda
Alcachofra Boldo
Cáscara sagrada Garra-do-diabo
Anis estrelado Alecrim
registro com forma de uso e medidas padronizadas para
a sua comercialização legal; as mais utilizadas são:
Aesculus hippocastanum (Castanha da índia), Mikania
glomerata (Guaco), Ginkgo biloba (Ginkgo), Cynara
scolymus (Alcachofra), Cassia angustifolia, Cassia senna
e Senna alexandrina (Sene), Valeriana officinalis
(Valeriana), Passiflora incarnata (Maracujá), Peumus
boldus (Boldo), Maytenus ilicifolia (Espinheira-Santa),
Panax ginseng (Ginseng), Plantago psyllium
(Psílio),
Hypericum perforatum (Hipérico), Glycine max (Soja),
Harpagophytum procumbens (Garra do diabo), Rhamnus
purshiana (Cáscara sagrada).
Mas antes disso, no ano de 2006, o governo federal
aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos (PNPMF), a qual estabelece a garantia de
segurança no uso das plantas medicinais e dos fitote-
Anador Unha de gato
Sálvia Mulungu
Jurubeba Ginseng
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rápicos no país, obedecendo critérios de padronização,
os quais também fundamentou o programa de 2008
supracitado, permitindo a participação de todo os níveis
do governo e da sociedade. A política embasa a imple-
mentação de fomentos para as bases tecnológicas e o
uso racional de medicamentos, tanto de forma fito-
terápica, quanto das plantas medicinais e seus
derivados, ou seja, também categoriza e reconhece a
importância do uso dos medicamentos ditos populares,
manipulados em casa (considerados pela política como
remédios caseiros de origem vegetal).
(8)
Além de sistematizar e reconhecer o uso dos fito-
terápicos, as políticas ratificam a utilidade e influências
culturais, desde o costume da China antiga (3.000
a.C), dos europeus, índios e africanos até os dias
atuais.
(2)
Com a difusão e valorização do uso das
plantas medicinais, que se tornava cada vez mais
comum, cultura passada de geração para geração,
surgia também a suposição de que os produtos naturais
não apresentariam riscos para a saúde por serem da
natureza. Contudo, o pensamento, que também
transpassa gerações, não tem embasamento científico,
o que oferece sérios riscos à saúde das pessoas que
aderem à automedicação pelo tratamento
alternativo.
(5)
Avaliações e pensamentos constituem os processos
cognitivos que afetam os substratos e vias neurais do
sistema nervoso central, que podem subsidiar emoções
e comportamentos, além de reações fisiológicas. Num
processo retroalimentar, a biologia acaba por influenciar
também os processos cognitivos, já que as alterações
neuroquímicas e a ativação das vias neurais podem
alterar o funcionamento do cérebro. Ou seja, a resposta
global (biológica e comportamental) diante de uma
situação pode ser modificada ou concretizada de acordo
com a crença que o indivíduo se apoia, formando
padrões de interação que podem ser prolongados,
mesmo que não façam sentido ou funcione de forma
efetiva.
(21)
As crenças são ideias que se consolidam com o
tempo, em que as pessoas consideram mais válidas do
que a lógica, podendo ter o cunho tendencioso,
emocional, a qual a cognição humana se mostra
eficiente e adaptativa segundo o traço cultural ao qual
foi desenvolvida. A tendência com o passar das
experiências e do tempo é o enraizamento de
determinada ideia, fazendo com que o sujeito aceite
mais facilmente conclusões que estejam de acordo com
as opiniões e pensamentos previamente ensinados e
formados, desenvolvendo portanto a crença. Nessa
perspectiva há o viés da crença, que é a capacidade
de distorção da lógica, tornando o julgamento
tendencioso. A perseverança da crença também é um
mecanismo bastante comum, o qual o indivíduo acredita
com muita veemência em seus ideais, mesmo diante de
alguma evidência contrária, podendo até gerar conflitos
sociais.
(22)
O uso das plantas medicinais, como algo mais
comum e difundido, também ganha notoriedade pelas
crenças populares que, por terem origens naturais, os
consumidores estariam livre de possíveis efeitos
colaterais/tóxicos ao organismo, comuns em
medicamentos industrializados. A crença pode favorecer
o julgamento tendencioso da melhora e a imunidade a
possíveis efeitos colaterais que o uso indiscriminado
poderia trazer ao indivíduo, contribuindo para a
perseverança da crença.
(23)
Sabe-se que a coleção de plantas medicinais é
hoje empregada na terapia de diversos tipos de
doença. Mas, em se tratando da prática de consumo
para o tratamento/prevenção de doenças, o que se
percebe é o cultivo próprio das especiarias ou a venda,
através de pontos comerciais situados em mercados
públicos. As maiores indicações das plantas são para
as doenças de ordem respiratória e digestiva; dado
este encontrado nos resultados dos trabalhos realizados
no Brasil. Mas outras doenças entram no rol de uso,
como é o caso da enxaqueca e dos outros tipos de
dores de cabeça. Para essas enfermidades, referencia-
se a utilização de algumas plantas, catalogadas na
Tabela 1, as quais também são utilizadas para outras
enfermidades.
(12)
Mercados públicos são locais de referência e um
importante sistema de distribuição dos diversos tipos das
plantas medicinais, onde são vendidas juntamente com
outros artigos religiosos utilizadas em práticas de origens
afro-brasileiras. Entretanto, muitas plantas são cultivadas
e coletadas em torno das casas de culto ou em florestas,
sendo esse o local de preferência para coleta dos
usuários e ritualistas. No entanto, as plantas para serem
utilizadas devem ser colhidas e manipuladas diretamente
por uma autoridade religiosa, obedecendo ritos pré-
estabelecidos.
(7)
Um forte ponto comercial local é o Mercado de
São José, no centro da Cidade do Recife, Pernambuco,
localizado no Bairro de São José. O Mercado possui
boxes de variedades de produtos. Há um foco de
vendas das plantas medicinais, bem como de xaropes
USO DE PLANTAS MEDICINAIS COMO ALTERNATIVA PARA O TRATAMENTO DAS CEFALEIAS
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SILVA AA, VALENÇA MM
e "garrafadas" (misturas de ervas para determinado fim
terapêutico) produzidas pelos proprietários, os raizeiros.
Estes alegam que a tradição vem de algumas religiões
africanas (umbanda, por exemplo), além dos conhe-
cimentos de gerações da família, tidos como valores que
tem que se perpetuar. Assim como este modo de sabe-
doria é transmitido, os negócios de cunho econômico-
cultural acabam por ganhar destaque também.
O interesse da população pelas plantas (uso, costu-
mes) perpetua muitas vezes de forma complementar, mas
o interesse também aparece como preferência nos
tratamentos das enfermidades, devido ao baixo custo e
acesso. Porém as terapias naturais carecem de inves-
tigações e maiores referências consensuais que garantam
a qualidade, eficácia e segurança do consumo e uso, a
fim de tornar as indicações mais concisas e menos dis-
crepantes. A validação científica acaba por repercutir
também em certas propriedades que não são men-
cionadas na hora da compra da planta, que são os
efeitos colaterais, caso seja utilizada de forma incorreta.
E, apesar do foco da pesquisa ter sido as dores de
cabeça, enxaqueca ou cefaleia, percebe-se que em
campo e também na literatura, as plantas medicinais são
indicadas para mais de uma enfermidade e muitas vezes
para comorbidades.
(6,11,13,15,20,24)
Essas plantas medicinais podem atuar atenuando a
dor de cabeça por pelo menos dois mecanismos: (1)
ação específica farmacológica sobre receptores, enzimas
ou outras moléculas orgânicas e (2) por um efeito
placebo.
Por exemplo, são encontrados pelo menos 18
componentes no óleo essencial da Alpinia speciosa
(colônia, a mais indicada pelos raizeiros para tratar cefa-
leia neste estudo), e o óleo da planta inibiu o canal
L-type Ca²
+
utilizando o rato como modelo animal.
(25)
Efeito semelhante foi encontrado sobre este canal iônico
com nifedipina, droga esta que já foi usada para tratar
cefaleia.
(26,27)
Colônia também é usada para tratar
sintomatologia neuropsiquiátrica como depressão,
estresse e ansiedade (comorbidades de enxaqueca).
(28)
Em um estudo de cinco componentes da planta foram
isolados - p-cymene (28.0 +/- 5.0%), 1,8-cineole
(17.9 +/- 4.2%), terpinen-4-ol (11.9 +/- 6.3%), limo-
nene (6.3 +/- 2.2%) e camphor (5.2 +/- 2.1%). Inalação
do óleo da planta provocou ansiedade em camun-
dongos, que foi atenuado por fluoxetina.
(28)
Segundo Benedetti
(29)
o termo placebo é erronea-
mente definido farmacologicamente como uma subs-
tância inerte sem ação farmacológica. Benedetti insiste
que o conceito de placebo é mais complexo, alem da
substancia inclui também o ritual, as palavras usadas
ou ouvidas, o simbolismo e outros significados que
acompanham o uso da substância ou tratamento
escolhido ou oferecido ao paciente.
Boxes de venda de plantas medicinais. A - Mercado de Paulista; B - Mercado de Casa Amarela
(Recife); C - Mercado de Igarassu.
Headache Medicine, v.5, n.2, p.46-58-xx, Apr./May/Jun. 2014 57
CONCLUSÃO
Há uma gama de variedade de plantas medicinais
recomendadas pelos raizeiros da região metropolitana
da cidade do Recife, que administram e recomendam
as plantas das mais diversas formas e em muitos
momentos para mais de uma enfermidade, sem critérios
de contraindicação, inclusive. Faz-se necessário, então,
a acurácia e a unicidade de informações, bem como a
padronização dos dados das plantas medicinais que são
comercializadas, a fim de tornar o envolvimento das
práticas alternativas/integrativas algo validado e
fidedigno a sua proposta de intervenção, como os
programas que a Anvisa fomenta. Cabe aos profissionais
de saúde que trabalham com o modelo biomédico não
ignorar essa prática, de modo a tornar as práticas de
modo consensual para que o paciente seja tratado
devidamente e com as informações que necessita, sem
maiores danos para a saúde.
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USO DE PLANTAS MEDICINAIS COMO ALTERNATIVA PARA O TRATAMENTO DAS CEFALEIAS
58 Headache Medicine, v.5, n.2, p.46-58, Apr./May/Jun. 2014
Recebido: 2 de junho 2014
Aceito: 20 de junho 2014
Correspondência
Amanda Araújo da SilvaAmanda Araújo da Silva
Amanda Araújo da SilvaAmanda Araújo da Silva
Amanda Araújo da Silva
Programa de Pós-graduação em Neuropsiquiatria e
Ciências do Comportamento, Departamento de Neuropsiquiatria
Universidade Federal de Pernambuco
Cidade Universitária,
Recife, PE, Brasil
e-mail: amanda-aas@hotmail.com
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