46 Headache Medicine, v.5, n.2, p.46-58, Apr./May/Jun. 2014
Uso de plantas medicinais como alternativa para o
tratamento das cefaleias
Use of medicinal plants as an alternative for the treatment of headache
ORIGINAL ARTICLE
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a
cefaleia a doença neurológica mais comum, que pode gerar
incapacidades diversas. Porém, as cefaleias em geral são
subestimadas e subnotificadas, dificultando o conhecimento
do impacto da doença no panorama da saúde pública. A
International Classification of Headache Disorders (ICHD)
considera como tipos mais comuns de cefaleia a cefaleia
do tipo tensional e enxaqueca, consideradas primárias. O
tratamento das cefaleias percorre desde o modelo
medicamentoso (biomédico) até os métodos tradicionais,
com o uso de plantas medicinais. Desde 1980, o termo
"Medicina Complementar" foi inserido a fim de compatibilizar
os dois modelos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), plantas medicinais são as espécies
vegetais que são naturais ou cultivadas com a finalidade
terapêutica, uma alternativa mais viável de muitas
comunidades de tratar e prevenir doenças, além de manter
a saúde. O uso das plantas ganha força também como
fonte de poderes espirituais e mágica. A utilização dessas
plantas varia de acordo com o problema de saúde, porém,
em todos os casos, há uma falsa crença que os medicamentos
naturais não têm contraindicação, o que oferece sérios riscos
aos adeptos. Crenças são ideias que se consolidam com o
tempo, em que as pessoas consideram mais válidas do que
a própria lógica, podendo ter o cunho tendencioso e
emocional. O objetivo deste estudo foi visitar mercados
populares na região do Grande Recife na procura de
informação sobre o uso de plantas medicinais para o
tratamento da cefaleia.
PP
PP
P
alavrasalavras
alavrasalavras
alavras
--
--
-
chavechave
chavechave
chave
::
::
:
Cefaleia; Plantas medicinais; Crenças
Amanda Araújo da Silva, Marcelo Moraes Valença
Programa de Pós-graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Departamento de
Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco, Brazil.
Silva AA, Valença MM. Uso de plantas medicinais como alternativa para o tratamento das cefaleias.
Headache Medicine. 2014;5(2):46-58
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
The World Health Organization (WHO) considers headache
the most common disease of the nervous system that can
generate various disabilities. However, there is an
underestimation and underreported hindering the impact of
public health. The International Classification of Headache
Disorders (ICHD) considers the tension-type headache and
migraine as the most common types of primary headache.
The treatment of headache has pervaded the medical model
(biomedical) extending to the traditional, acknowledged by
the use of medicinal plants. From 1980, the term
"complementary medicine" was inserted in order to reconcile
the two models. According to the National Health Surveillance
Agency (Anvisa), medicinal plants are plant species that are
natural or cultured with the therapeutic purpose; ease of use
as well as to keep the tradition, is the most viable for many
communities to treat and prevent diseases, besides maintaining
health. The use of plants is beyond cure and includes spiritual
power and magic. The use of the plant varies with the health
problem, but in all cases, there is a false belief that natural
medicines have no contraindication, which offers serious risks
to the consumers. Beliefs are ideas that consolidate over time,
in that people consider more valid than logic, which may
have tendentious and emotional nature. The purpose of this
study was to visit popular markets in the Greater Recife region
in the search for information on the use of medicinal plants
for the treatment of headache.
KeywordsKeywords
KeywordsKeywords
Keywords: Headache; Medicinal plants; Beliefs
Headache Medicine, v.5, n.2, p.46-58-xx, Apr./May/Jun. 2014 47
INTRODUÇÃO
É evidente que o uso da farmacoterapia (adminis-
tração de drogas) é atualmente a forma de tratamento
mais convencional das cefaleias. Apesar disso, a história
relata formas de tratamentos adversos que marcaram a
história da cefaleia. Entram para a história dois modos
de intervenção que marcaram e atravessaram gerações:
1) a cauterização, um tratamento dito perigoso, o qual
era aplicado um ferro quente na cabeça do enfermo no
momento em que a dor ainda estiver instalada; o paci-
ente que resistir a intervenção era considerado corajoso
e vigoroso; e 2) trepanação, que consiste na perfuração
do crânio dos seres humanos que ainda encontravam-se
vivos, acreditando-se que dali sairia o que estaria fazendo
mal; tal prática transpassou do período mesolítico até a
Antiguidade e a Idade Média.
(1)
Porém outro método menos invasivo e doloroso
também fez parte da história, ganhando notoriedade
até os dias atuais. O uso e prática das plantas
medicinais como forma de tratamento e intervenção
na saúde da humanidade dar-se por volta do período
paleolítico, no qual os seres humanos tratavam suas
doenças e os males através do uso de produtos naturais
diversos oriundos de plantas, outros animais e alguns
minerais. Estudos apontam que desde a mais tenra
época, os humanos já conheciam, pelo método de
tentativa e erro, e se utilizavam de propriedades das
plantas e suas estruturas (flores, raízes, folhas, sumo,
cascas e frutos), utilizando-se delas como anestésicos,
psicotrópicos, anti-inflamatórios, antigripais e outros
fins medicinais.
(2,3)
Evidências arqueológicas mostram elaborações
farmacológicas dos egípcios, os quais colecionavam
uma variação significativa de recursos de origem
natural e que através da tecnologia atual há
comprovação de efetividade medicamentosa. Grécia,
China, Índia e Tibet foram palcos de experimentos de
sucesso do uso das plantas há cerca de 3.000 a 1.000
anos. O especialista da área possuía destaque por
seu conhecimento, poder e influência profissional na
sociedade, tornando-se assim figura de respeito e
reconhecimento.
(3)
O século 18 destoa como um novo marco para o
tratamento das enfermidades pelo uso de plantas medi-
cinais. Foi nesse século em que um naturalista Carolus
Linnaeus documentou de forma padronizada as espécies
botânicas, características, identificações e suas histórias
evolutivas. O documento tornou-se marco para a taxo-
nomia atual, servindo como base para muitos estudos
de botânicos, taxonomistas, herbalistas e estudiosos da
área.
(3)
Mas foi apenas em 1808, com a vinda da corte
Real para o Brasil e o decreto de D. João VI para a
abertura dos portos às nações amigas, que se encontram
os primeiros marcos históricos oficiais da já ciência
considerada também brasileira: as primeiras expedições
científicas passaram a chegar ao país com o intuito de
coletar espécimes da fauna e flora, além de promover o
conhecimento. Esse era utilizado pelos fazendeiros, jesuítas
e índios que buscaram na natureza alternativas para curar
seus males. Médicos, botânicos, zoólogos validaram os
estudos sistemáticos da fauna e flora brasileiras, além
de legitimarem a notoriedade das plantas medicinais
locais, para uso fitoterápico; validade esta que reper-
cutem até os dias atuais, de forma difundida e diversa-
mente contemplada por diversas culturas do país.
(4,5)
Num contexto atual, nota-se a perpetuação do
costume pelo convívio íntimo com a natureza de certos
grupamentos culturais, os quais observam em seu dia a
dia, exploram e experimentam esse patrimônio de modo
constante. A transmissão oral é um importante meio de
consolidação do conhecimento, mas a prática em si é
o meio mais comum, pois além de manter a tradição, é
a alternativa mais viável de muitas comunidades de tratar
e prevenir doenças, além de manter a saúde. O uso
das plantas vai para além da cura das doenças e ganha
força na cultura como portadoras de poderes espirituais,
crença também perpetuada como tradição, a qual
ganha sentido com os rituais religiosos - costume esse
valorizado tanto na África quanto no Brasil - em que se
acredita que algumas doenças podem ser atribuídas a
energia de maus espíritos. Portanto, segundo essas
tradições, quando as pessoas são tratadas de alguma
enfermidade, há uma estreita relação com os ritos e
com o uso das ervas. A utilização da planta varia de
acordo com o problema: chás (por infusão ou decoc-
ção), pomadas, tinturas, xaropes, garrafadas e até
mesmo banho podem ser recomendados – este último,
principalmente se a ordem for mística, porém leva-se
em consideração que todo tratamento realizado através
das plantas medicinais são realizados em conjunto com
outras práticas ritualísticas.
(5-8)
É comum notarmos que a busca pelo tratamento
alternativo faz parte da história da humanidade,
caracterizando os indivíduos como seres que são capazes
de autoajustes culturais, pertinentes às questões que
permeiam a época e ética.
USO DE PLANTAS MEDICINAIS COMO ALTERNATIVA PARA O TRATAMENTO DAS CEFALEIAS
48 Headache Medicine, v.5, n.2, p.46-58, Apr./May/Jun. 2014
SILVA AA, VALENÇA MM
MÉTODO
O estudo foi realizado em Mercados Públicos nas
cidades Recife, Olinda, Igarassu e Paulista situadas na
Região Metropolitana do Grande Recife, estado de
Pernambuco. Os Mercados vendem as mais diversas
especiarias locais, alimentos, artes e artesanatos, além
de serem locais de exposição e encontros culturais.
Segundo fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) do ano de 2014, Recife é um município
que, apesar de estar na zona urbana, é uma cidade que
ainda apresenta características culturais de cidades
interioranas. Os mercados de Recife visitados foram:
Afogados, Água Fria, Beberibe, Boa Vista, Casa Amarela,
Cordeiro, Encruzilhada, Madalena, Nova Descoberta,
Pina, Santo Amaro, São José; os de Olinda: Peixinhos e
Sítio Novo; além dos mercados das cidades vizinhas:
Igarassu e Paulista.
(9,10)
Neste estudo foi realizada uma pesquisa de campo
em todos os boxes que vendiam plantas medicinais e
suas indicações terapêuticas. Assim, os responsáveis pelos
boxes (raizeiros) foram questionados em horário comer-
cial, nos próprios locais de trabalho, com entrevistas do
tipo semi-estruturada, individuais, as quais, através da
permissão prévia, o diálogo informal foi efetuado du-
rante as visitas. Usuários do método alternativo também
foram entrevistados a fim de investigar a frequência da
utilização do uso das plantas medicinais, além da
credibilidade e conhecimentos acerca do uso e seus
possíveis danos.
As entrevistas com os raizeiros ou responsáveis pelos
boxes de vendas das plantas medicinais foram transcritas
para a Tabela 1 e Tabela 2, as quais contêm as
principais plantas indicadas para o tratamento das
cefaleias, bem como a forma de uso e informações
adicionais cedidas.
As palavras-chave utilizadas para a revisão de
literatura foram: "medicinal plants", "headache", "belief"
and "Brazil"; além de "plantas medicinais", "dor de cabeça",
"crenças" e "Brasil".
RESULTADOS
Na visita aos 17 Mercados Públicos (Recife: Afoga-
os, Água Fria, Beberibe, Boa Vista, Casa Amarela,
Cordeiro, Encruzilhada, Madalena, Nova Descoberta,
Pina, Santo Amaro, São José; Olinda: Peixinhos, Sítio
Novo e Rio Doce; Igarassu e Paulista) foram
entrevistados 24 raizeiros/responsáveis pelos boxes,
apenas 18 recomendaram um total de 38 plantas
medicinais, sendo apenas 16 delas (42,1%) espécies
nativas brasileira, enquanto que 22 eram originárias
fora do Brasil (57,9%). A Tabela 1 representa a
frequência que as plantas recomendadas para o
tratamento das cefaleias foram mencionadas pelos
vendedores dos Mercados. Dos 24 raizeiros, 2 deles
responderam "não tenho aqui, mas sei que existe",
referindo-se ao seu desconhecimento acerca da devida
indicação para o tratamento, mas ao mesmo tempo a
crença de que havia planta medicinal para aquela
enfermidade; e 4 deles relataram que recomendariam
ao usuário a procura de farmácia para tratar de sua
dor de cabeça.
Os entrevistados relatam ter o legado do conhe-
cimento sobre as plantas medicinais como uma tradição
familiar. Apenas um dos entrevistados, menciona que
além da tradição e de seu negócio, que passaram de
geração em geração, realizou também um curso de
aprofundamento em plantas medicinais oferecido pela
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Apesar de 4 dos 24 raizeiros (16,67%) referenciarem a
farmácia para o tratamento da dor de cabeça, todos
não só receitam as plantas para as enfermidades de seus
clientes, como também as utilizam em casa e pretendem
passar o conhecimento para os familiares mais jovens, a
fim de perpetuar a cultura/negócio. Todos os vendedores
acreditam na eficácia de seus produtos, bem como na
benfeitoria que os produtos naturais trazem à vida dos
consumidores, independente de estarem sob a forma de
conservação e comercialização adequada, segundo a
fiscalização que rege a segurança e qualidade da
mercadoria.
(11-14)
As plantas mencionadas na Tabela 2 podem ser
encontradas no local para compra, consumo e conser-
vação, como especiaria e algumas podem ser até
mesmo cultivadas nas condições ambientais do local,
apesar de terem origem em outras regiões/continentes,
como mencionado na Tabela 1, mas que foram
devidamente adaptadas nas condições climáticas do
Brasil.
(12,15)
A Tabela 2 retrata as diversas formas que os
raizeiros/responsáveis pelos boxes dos Mercados
indicam o uso das plantas. Pode-se perceber que, em
alguns casos, não houve um consenso, havendo duas
ou três formas de preparo e posologia. Nas entrevistas
de natureza semiestruturada ainda pode-se averiguar
que em nenhuma das recomendações houve alerta para
possíveis contraindicações e toxidade da planta, nem
Headache Medicine, v.5, n.2, p.46-58-xx, Apr./May/Jun. 2014 49
de forma espontânea, nem quando questionado,
verificando apenas acréscimos sobre os benefícios que
as plantas poderiam trazer para outros possíveis
problemas de saúde (anti-inflamatórios, anti-
hipertensivos) ou comorbidades (ex. ansiedade e
cefaleia; problemas no fígado e cefaleia).
Dos discursos dos raizeiros descritos na Tabela 2,
pode-se ainda ressaltar a frequência dos métodos de
tratamento pelo uso das plantas. Quanto ao tratamento
por meio de "ingestão do chá", houve 34 citações, as
quais eles recomendavam o tratamento por infusão ou
decocção; o tratamento por "inalação" foi bem menos
USO DE PLANTAS MEDICINAIS COMO ALTERNATIVA PARA O TRATAMENTO DAS CEFALEIAS