Headache Medicine, v.1, n.1, p.21-24, jan./fev./mar. 2010 23
Comparando-se o grupo de pacientes epilépticos
com e sem migrânea, quanto às variáveis 'sexo', 'tipo de
síndrome', 'tipo de crise' e 'número de DAEs', houve dife-
rença apenas no item 'sexo' (p=0,03) (Tabela).
DISCUSSÃO
A frequência de migrânea em pacientes epilépticos
encontrada em nosso estudo foi inferior à relatada na
literatura, que varia de 8%-25%.
1,2,5,6
Ao compararmos
o grupo de pacientes migranosos com o de não
migranosos, observamos diferença apenas no item 'sexo',
evidenciando, como na população geral, a maior
prevalência de migrânea entre as mulheres.
Frente à divergência de frequência de migrânea em
epilépticos entre o presente estudo e a literatura, elabo-
ramos algumas hipóteses para explicá-la. Primeiro, tra-
ta-se de um estudo fundamentado em análise retrospec-
tiva da anotação em prontuários, sendo que o relato de
cefaleia fora feito provavelmente de forma espontânea
pelo paciente e não como resultado de uma investiga-
ção sistemática. Desse modo, podemos supor que a
casuística encontrada refere-se a cefaleias clinicamente
significativas e com considerável grau de incapacidade,
o que motivaria a queixa do paciente e o subsequente
registro em prontuário.
Segundo, é possível que a cefaleia relatada por um
indivíduo epiléptico possivelmente seja negligenciada, ora
pelo fato de a epilepsia ser considerada clinicamente
mais relevante, ora pelo sintoma de dor de cabeça ser
atribuído a fenômenos ictais ou pós-ictais.
1,2
Nesse senti-
do, alguns estudos relatam uma frequência de até 50%
de cefaleia na epilepsia, que pode ou não estar relacio-
nada às crises, incluindo migrânea, cefaleia do tipo
tensional ou mesmo as cefaleias exclusivamente interictais
ou periictais, o que torna o diagnóstico diferencial com-
plexo.
5
De nota, Lipton e colaboradores
2
demonstraram
que, de todos os indivíduos com epilepsia em que se di-
agnosticou migrânea por busca ativa, apenas 44% havi-
am recebido o diagnóstico prévia de migrânea.
Finalmente, as DAEs utilizadas para tratamento de
pacientes epilépticos podem também ser eficazes na
profilaxia da migrânea, dificultando o reconhecimento desta
condição.
1,2
Observamos, nos 554 prontuários analisa-
dos, uma frequência de 18,9% de prescrição do ácido
valproico e 8,2% de topiramato, drogas reconhecidamente
eficazes na profilaxia das crises de migrânea.
16-18
O reconhecimento da associação epilepsia e migrâ-
nea é importante na condução clínica do paciente. Velioglu
e colaboradores,
7
em um estudo longitudinal, no qual
acompanhou pacientes epilépticos com migrânea e sem
migrânea, observaram que os pacientes migranosos apre-
sentavam pior prognóstico. Pacientes epilépticos com
migrânea têm menor chance de remissão das crises, mai-
or incidência de refratariedade ao tratamento, maior du-
ração das crises, apresentando resposta terapêutica mais
lenta e dependente de politerapia.
7
Essas evidências de-
monstram inequivocamente a relevância de se realizar
busca ativa de migrânea no paciente epiléptico e, desse
modo, otimizar o tratamento de ambas as condições e,
assim, alcançar melhores resultados terapêuticos e prog-
nósticos.
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FREQUÊNCIA DE MIGRÂNEA ENTRE OS PACIENTES ACOMPANHADOS NO
AMBULATÓRIO DE EPILEPSIA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS