Headache Medicine, v.1, n.1, p.21-24, jan./fev./mar. 2010 21
Frequência de migrânea entre os pacientes
acompanhados no Ambulatório de Epilepsia do
Hospital das Clínicas da Universidade Federal
de Minas Gerais
Frequency of migraine among patients followed at the Epilepsy Clinic
of the Hospital das Clinicas, Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
A relação entre migrânea e epilepsia é reconhecida há anos.
Ambas as condições são crônicas, ocorrem em crises
paroxísticas e apresentam aspectos semiológicos, fisiopa-
tológicos e terapêuticos em comum. O objetivo deste traba-
lho foi determinar a frequência de migrânea entre os pacien-
tes epilépticos acompanhados no Ambulatório de Epilepsia
do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, Brasil. Trata-se de um estudo descri-
tivo transversal baseado na análise de 554 prontuários mé-
dicos de pacientes atendidos consecutivamente em um ano.
O diagnóstico de migrânea foi registrado no prontuário de
3,1% dos pacientes. Comparando-se variáveis clínicas entre
os pacientes epilépticos com e sem migrânea, houve diferen-
ça apenas no sexo. A frequência de migrânea encontrada é
menor que a relatada na literatura. Possivelmente, essa di-
vergência decorre da metodologia utilizada no estudo e/ou
fatores como a negligência da queixa de cefaléia e o empre-
go de drogas como ácido valpróico e topiramato, também
eficazes na profilaxia da migrânea. É importante realizar in-
vestigação ativa de migrânea em pacientes epilépticos no
sentido de proporcionar melhor tratamento clínico e qualida-
de de vida para os mesmos.
PP
PP
P
alavrasalavras
alavrasalavras
alavras
--
--
-
chave:chave:
chave:chave:
chave: Migrânea; epilepsia; frequência, epide-
miologia
ORIGINAL ARTICLE
Bruno Engler Faleiros
1
, Sílvio Roberto de Sousa-Pereira
2
, Bernardo Cardoso Pinto Coelho
1
,
Marilis Tissot Lara
2
, Eduardo Jardel Portela
2
, Antônio Lúcio Teixeira
2,3
¹Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; ²Neurologista do Hospital
das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais; ³Professor do Departamento de Clínica Médica da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Faleiros BE, Sousa-Pereira SR, Coelho BCP, Lara MT, Portela EJ, Teixeira AL.
Frequência de migrânea entre os pacientes acompanhados no Ambulatório de Epilepsia do Hospital das
Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Headache Medicine. 2010;1(1):21-24
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
The relationship between migraine and epilepsy is well known
for many years. Both conditions are chronic neurologic
disorders, occur in paroxistic attacks and present a series of
clinical features in common. The objective of the present study
was to determine the frequency of migraine among epileptic
patients seen in the Epilepsy Clinic of University Hospital of
the Federal University of Minas Gerais, Belo Horizonte, Brazil.
This is a transversal descriptive study based on the analysis of
554 medical charts from patients evaluated consecutively in
one year period. The diagnosis of migraine was recorded in
3.1% of the medical charts. Only gender differed between
epileptic patients with and without migraine. The frequency of
migraine found in this study is lower than the reported in the
literature. Possibly this finding result from the methodology
used and/or other factors such as the relative negligence of
headache complaint and the use of anti-epileptic drugs, such
as valproic acid or topiramate, also effective for migraine
prophylaxis. It is relevant to actively search for the diagnosis
of migraine in epileptic patients in order to provide them better
clinical treatment and quality of life.
KK
KK
K
ey words: ey words:
ey words: ey words:
ey words: Migraine; epilepsy; frequency; epidemiology.
22 Headache Medicine, v.1, n.1, p. 21-24, jan./fev./mar. 2010
BRUNO ENGLER FALEIROS E COLABORADORES
INTRODUÇÃO
A relação entre migrânea e epilepsia já é classica-
mente reconhecida.
1-7
A prevalência de migrânea na po-
pulação geral é de 10-%15%,
8-10
enquanto a epilepsia,
de 1%-2%.
11-15
Ambas são condições neurológicas crô-
nicas que ocorrem em crises paroxísticas, sendo frequen-
temente acompanhadas por sintomas gastrointestinais,
autonômicos e psíquicos.
1,2
Alguns estudos sugerem hiperexcitabilidade cere-
bral, disfunções de neurotransmissores no sistema ner-
voso central e fatores genéticos como alterações
fisiopatológicas comuns às duas entidades.
1,3,4
Algumas
drogas, como o ácido valproico e o topiramato, po-
dem ser utilizadas para tratar ambas as condições com
bons resultados.
16-18
A presença de uma delas torna o indivíduo cerca
de duas vezes mais suscetível à outra e, mais raramen-
te, a migrânea pode desencadear crises epilépticas.
2,5
Em alguns casos, o diagnóstico diferencial de migrânea
e crise epiléptica pode representar um desafio para o
clínico.
1
O objetivo deste trabalho é determinar
a frequência de migrânea entre os paci-
entes epilépticos acompanhados no Am-
bulatório de Epilepsia do Serviço de Neu-
rologia do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Minas Gerais
(HC-UFMG).
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo trans-
versal baseado na análise dos prontuários
dos pacientes acompanhados no Ambu-
latório de Epilepsia do HC-UFMG. Foram
analisados 554 prontuários de indivíduos
a partir de 18 anos de idade atendidos
consecutivamente no serviço no período
de um ano. Foi pesquisado o diagnósti-
co de migrânea explicitado no prontuário
pelo médico neurologista responsável
pelo atendimento.
Os dados foram compilados e ana-
lisados através do programa SPSS® 17.0.
RESULTADOS
O diagnóstico de migrânea foi
explicitado em 3,1% (n=17) dos 554 pacientes (280
mulheres) estudados. Entre os 17 pacientes com
migrânea, 10 (76,5%) eram do sexo feminino. Em
relação à síndrome epiléptica, 64,7% (n=11) apresen-
tavam síndrome sintomática; 11,8% (n=2) idiopática e
em 23,5% (n=4) não foi possível classificá-la. Quanto
ao tipo de crise, 58,8% (n=10) dos pacientes apresen-
tavam crises focais, 23,5% (n=4) generalizadas ou se-
cundariamente generalizadas e 17,7% (n=3) crises não
classificáveis.
A monoterapia com droga antiepiléptica (DAE) foi
empregada em 67,9% dos 554 pacientes. A associação
de drogas antiepilépticas (DAEs) ocorreu em 32,1% sen-
do que 29,5% usavam duas DAEs e 2,6% usavam três
ou mais DAEs. Entre as DAEs, a carbamazepina foi a
mais empregada, 55,6% do total de pacientes; seguido
de fenitoína 21,1%; ácido valpróico 18,9%; lamotrigina
15,3%; fenobarbital 13,6% e topiramato 8,2%. Dos pa-
cientes migranosos, 64,7% estavam em monoterapia. A
carbamazepina também foi a mais utilizada (53,3%), se-
guida do fenobarbital, topiramato e lamotrigina (20%
cada).
Headache Medicine, v.1, n.1, p.21-24, jan./fev./mar. 2010 23
Comparando-se o grupo de pacientes epilépticos
com e sem migrânea, quanto às variáveis 'sexo', 'tipo de
síndrome', 'tipo de crise' e 'número de DAEs', houve dife-
rença apenas no item 'sexo' (p=0,03) (Tabela).
DISCUSSÃO
A frequência de migrânea em pacientes epilépticos
encontrada em nosso estudo foi inferior à relatada na
literatura, que varia de 8%-25%.
1,2,5,6
Ao compararmos
o grupo de pacientes migranosos com o de não
migranosos, observamos diferença apenas no item 'sexo',
evidenciando, como na população geral, a maior
prevalência de migrânea entre as mulheres.
Frente à divergência de frequência de migrânea em
epilépticos entre o presente estudo e a literatura, elabo-
ramos algumas hipóteses para explicá-la. Primeiro, tra-
ta-se de um estudo fundamentado em análise retrospec-
tiva da anotação em prontuários, sendo que o relato de
cefaleia fora feito provavelmente de forma espontânea
pelo paciente e não como resultado de uma investiga-
ção sistemática. Desse modo, podemos supor que a
casuística encontrada refere-se a cefaleias clinicamente
significativas e com considerável grau de incapacidade,
o que motivaria a queixa do paciente e o subsequente
registro em prontuário.
Segundo, é possível que a cefaleia relatada por um
indivíduo epiléptico possivelmente seja negligenciada, ora
pelo fato de a epilepsia ser considerada clinicamente
mais relevante, ora pelo sintoma de dor de cabeça ser
atribuído a fenômenos ictais ou pós-ictais.
1,2
Nesse senti-
do, alguns estudos relatam uma frequência de até 50%
de cefaleia na epilepsia, que pode ou não estar relacio-
nada às crises, incluindo migrânea, cefaleia do tipo
tensional ou mesmo as cefaleias exclusivamente interictais
ou periictais, o que torna o diagnóstico diferencial com-
plexo.
5
De nota, Lipton e colaboradores
2
demonstraram
que, de todos os indivíduos com epilepsia em que se di-
agnosticou migrânea por busca ativa, apenas 44% havi-
am recebido o diagnóstico prévia de migrânea.
Finalmente, as DAEs utilizadas para tratamento de
pacientes epilépticos podem também ser eficazes na
profilaxia da migrânea, dificultando o reconhecimento desta
condição.
1,2
Observamos, nos 554 prontuários analisa-
dos, uma frequência de 18,9% de prescrição do ácido
valproico e 8,2% de topiramato, drogas reconhecidamente
eficazes na profilaxia das crises de migrânea.
16-18
O reconhecimento da associação epilepsia e migrâ-
nea é importante na condução clínica do paciente. Velioglu
e colaboradores,
7
em um estudo longitudinal, no qual
acompanhou pacientes epilépticos com migrânea e sem
migrânea, observaram que os pacientes migranosos apre-
sentavam pior prognóstico. Pacientes epilépticos com
migrânea têm menor chance de remissão das crises, mai-
or incidência de refratariedade ao tratamento, maior du-
ração das crises, apresentando resposta terapêutica mais
lenta e dependente de politerapia.
7
Essas evidências de-
monstram inequivocamente a relevância de se realizar
busca ativa de migrânea no paciente epiléptico e, desse
modo, otimizar o tratamento de ambas as condições e,
assim, alcançar melhores resultados terapêuticos e prog-
nósticos.
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FREQUÊNCIA DE MIGRÂNEA ENTRE OS PACIENTES ACOMPANHADOS NO
AMBULATÓRIO DE EPILEPSIA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
24 Headache Medicine, v.1, n.1, p. 21-24, jan./fev./mar. 2010
Correspondência
DrDr
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. Antonio L. Antonio L
. Antonio L. Antonio L
. Antonio L
ucio Tucio T
ucio Tucio T
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eixeiraeixeira
eixeiraeixeira
eixeira
Departamento de Clínica Médica,
Faculdade de Medicina, UFMG.
Av. Alfredo Balena, 190. Santa Efigênia,
30130-100 – Belo Horizonte, MG.
E-mail: altextr@gmail.com
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