Headache Medicine, v.5, n.1, p.21-24, Jan./Feb./Mar. 2014 21
Cefaleia associada a compressão do terceiro nervo
craniano por um aneurisma da artéria
comunicante posterior
Headache associated with compression of the third cranial nerve by an
aneurysm of the posterior communicating artery
CASE REPORTCASE REPORT
CASE REPORTCASE REPORT
CASE REPORT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
Continuous unilateral pain in the orbital area may be a sign of
an intracranial structural lesion. We report a case of a 64-year-
old woman with continuous headache of moderate intensity at
the region of the left eye bulb. There was a complete paralysis
of the left third oculomotor nerve. The patient was admitted
with headache, vomiting, palpebral ptosis, divergent strabismus
of the left eye, diplopia when looking to the left, upwards and
downwards and paralytic mydriasis on the left. The Angiography
revealed a saccular aneurysm dilation in the internal carotid
artery with origin at the origin of the left posterior communicating
artery. A microsurgery was performed on the aneurysm of the
left internal carotid artery and the aneurysm was occluded by
clipping. On four months follow up the patient is asymptomatic,
with a complete recovery of the third nerve palsy. There is still
much controversy about microsurgical and endovascular therapy
in cerebral aneurysms, this case represents the good outcome
in a patient with paralysis of the oculomotor nerve after
microsurgery occlusion of a posterior communicating aneurysm.
In conclusion, all patients with a continuo pain in the orbital
area need to be evaluated by angiography in order to display a
intracranial aneurysm.
KeywordsKeywords
KeywordsKeywords
Keywords: Anaurysm, third cranial nerve, headache, pain,
treatment
Marcelo M. Valença
1,2
, Joacil Carlos da Silva
1,2
, Marcos Barbosa
1,2
, Martina F. Valença
3
, Laryssa Azevedo Almeida
1
,
Maria Carolina M. Oliveira
1
, Cássia L. S. França
1
, Raíza R. B. Oliveira
1
, Míriam C. Soares
1
, Eduardo C. Nunes
1
,
Rafael G. Costa
1
, Helysândia S. S. Farias
1
, Isabela S. Saraiva
1
, Arthur C. Holanda
1
, Válter R. Souza Junior
1
,
Mário L. M. Silva Júnior
1
, Maria Carolina Cavalcanti Lima
1
, Marília Apolinário Batista
1
, Paloma P. Travassos
1
,
Ulyscélio S. M. Ferreira
1
, Maria de Fátima V. Aragão
1
, Luciana P. A. Andrade Valença
1,2
1
Grupo de Pesquisa Avanços em Neurocirurgia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil
2
Serviço de Neurocirurgia, Hospital Esperança, Recife, Brasil
3
University of Basel, Basel, Switzerland
Valença MM, Silva JC, Barbosa M, Valença MF, Almeida LA, Oliveira MC, França CL, Oliveira RR,
Soares MC, Nunes EC, Costa RG, Farias HS, Saraiva IS, Holanda AC, Souza Junior VR, Silva Júnior ML,
Lima MC, Batista MA, Travassos PP, Ferreira US, Aragão MF, Valença LP. Cefaleia associada a compressão do
terceiro nervo craniano por um aneurisma da artéria comunicante posterior. Headache Medicine. 2014;5(1):21-24
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
Dor unilateral contínua na área orbital pode ser um sinal de
uma lesão estrutural intracraniana. Relatamos o caso de uma
mulher de 64 anos de idade, com dor de cabeça contínua,
de intensidade moderada na região do olho esquerdo. Havia
uma completa paralisia do nervo oculomotor esquerdo. A
paciente foi internada com dor de cabeça, vômitos, ptose
palpebral, estrabismo divergente do olho esquerdo, diplopia
ao olhar para a esquerda, para cima e para baixo e midríase
paralítica do lado esquerdo. A angiografia revelou um
aneurisma sacular na artéria carótida interna com origem na
saída da artéria comunicante posterior esquerda. A
microcirurgia foi realizada e o aneurisma foi ocluído com um
clipe. Em quatro meses do acompanhamento a paciente está
assintomática, com uma recuperação completa do déficit do
terceiro nervo craniano. Ainda há muita controvérsia sobre
como devemos tratar um aneurisma cerebral, se por
abordagem microcirúrgica ou por via endovascular. Neste
artigo apresentamos o caso de uma paciente com uma boa
recuperação da paralisia do nervo oculomotor, após a oclusão
microcirurgia de um aneurisma da comunicante posterior.
Em conclusão, todos os pacientes com dor contínua na região
da órbita têm de ser avaliados por angiografia, a fim de se
excluir ou confirmar a presença de um aneurisma cerebral
como causa da dor.
22 Headache Medicine, v.5, n.1, p.21-24, Jan./Feb./Mar. 2014
VALENÇA MM, SILVA JC, BARBOSA M, VALENÇA MF, ALMEIDA LA, OLIVEIRA MC, ET AL.
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chaveschaves
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: Aneurisma, terceiro nervo craniano,
cefaleia, dor, tratamento
INTRODUÇÃO
Dor na região da órbita de caráter contínuo,
principalmente quando tem início recente (e.g. poucos
dias), é um sinal de alerta (red flag) indicando a possi-
bilidade de haver uma lesão estrutural intracraniana como
causa desse sintoma. Uma das possibilidades é a pre-
sença de aneurismas cerebrais comprimindo estruturas
que podem provocar dor no indivíduo. Quando a dor é
acompanhada por paralisia do terceiro nervo craniano,
ou seja, porque o paciente apresenta ptose palpebral
progressiva, visão dupla e estrabismo divergente, deve-
mos aventar a possibilidade da presença de um aneu-
risma da artéria carótida interna, com origem na saída
da artéria comunicante posterior, com localização no
mesmo lado da dor e da ptose palpebral.
(1)
Isso é
particularmente importante quando há anisocoria com
midríase no lado onde a dor é referida. A midríase é por
conta da compressão, pelo aneurisma, sobre as fibras
parassimpáticas que correm na periferia do nervo
oculomotor.
(1)
O propósito deste artigo é relatar um caso de uma
paciente com dor ocular associada com paralisia
completa do terceiro nervo craniano que após o
procedimento cirúrgico, com oclusão do aneurisma com
uso de clipe, houve recuperação do déficit oculomotor.
RELATO DO CASO
Mulher com 64 anos de idade, com história de dor
no globo ocular esquerdo há uma semana, de moder-
ada intensidade, contínua, porém com flutuação na
intensidade durante o dia. Procurou uma emergência
médica que não valorizou o sintoma. Sintomáticos foram
prescritos e a paciente foi encaminha para sua residência.
No sétimo dia surgiu ptose palpebral esquerda e, uma
hora após quando se dirigia para ser atendida em uma
emergência médica, apresentou, ainda no seu carro, uma
cefaleia "em trovoada", ou seja, súbita e intensa acom-
panhada por vômito. A paciente era hipertensa e negava
passado de tabagismo ou história familiar de aneurisma
cerebral.
Ao exame a paciente estava orientada, lúcida,
cooperava com o exame, comunicava-se normalmente
pela palavra falada, nuca livre, força normal nos quatro
membros. Na avaliação neurológica foi encontrada como
anormalidade apenas uma paralisia completa do terceiro
nervo craniano esquerdo. Havia ptose palpebral completa
(Figura 1), estrabismo divergente do olho esquerdo,
diplopia no olhar conjugado para esquerda, para cima e
para baixo quando a pálpebra esquerda era manual-
mente levantada. Observou-se também midríase paralítica
esquerda.
Figura 1. Recuperação da ptose palpebral esquerda após clipagem
microcirúrgica de um aneurisma da artéria carótida interna-
comunicante posterior esquerda ao longo de 4 meses.
Uma tomografia computadorizada foi considerada
normal, sem qualquer sinal de hemorragia subarac-
noidea. No mesmo dia foi submetida a uma angiografia
cerebral, quando uma dilatação aneurismática sacular
foi identificada na artéria carótida interna, com origem
na saída da artéria comunicante posterior esquerda, com
características de ruptura, com colo curto e o saco
aneurismático orientado para baixo e para esquerda,
medindo em seus maiores eixos 5,65 mm x 3,85 mm e
com o colo medindo 2,50 mm (Figura 2). Havia ausência
de vasoespasmo. Um outro aneurisma foi identificado
na origem da artéria cerebelar póstero-inferior (PICA) na
artéria vertebral direita (Figuras 3 e 4).
Headache Medicine, v.5, n.1, p.21-24, Jan./Feb./Mar. 2014 23
Como variações anatômicas foram encontradas: (1)
fenestração da artéria basilar no seu segmento proximal
(Figura 4) e (2) artéria cerebral anterior do tipo ázigo
(Figura 2).
Havia duas possibilidades para oclusão do aneurisma
da artéria carótida interna-comunicante posterior esquerdo
– por via endovascular ou através de uma abordagem
microcirúgica com uso de clipes.
(2-4)
Optou-se pelo
procedimento microcirúrgico pela maior possibilidade de
recuperação da paralisia do terceiro nervo craniano,
segundo evidências publicadas recentemente.
(3-4)
No dia seguinte à sua admissão a paciente foi
submetida a um procedimento microcirúrgico com clipa-
gem do aneurisma da artéria carótida interna esquerda,
por via pterional esquerda com remoção da clinóide
anterior esquerda e uso de um clipe em baioneta de titânio.
No pós-operatório imediato a dor cedeu e três dias
após o procedimento cirúrgico notou-se já uma
recuperação parcial da ptose palpebral (Figura 1).
Quatro meses após a oclusão do aneurisma e conse-
quente descompressão do terceiro nervo craniano houve
regressão completa da ptose palpebral (Figura 1).
Três semanas após o procedimento cirúrgico um
novo estudo angiográfico foi realizado, mostrando
oclusão completa do aneurisma da artéria carótida
interna esquerda. A posição do clipe em relação à
carótida é mostrada na Figura 5.
Figura 2. Angiografia cerebral mostrando um aneurisma sacular (seta
maior) da artéria carótida interna (ACI), na origem da artéria
comunicante posterior esquerda (seta menor). ACM, artéria cerebral
média; ACA, artéria cerebral anterior padrão ázigo.
Figura 3. Ângio-TC mostrando um aneurisma não roto (seta) na saída
da artéria cerebelar póstero-inferior (PICA) em relação à artéria
vertebral direita.
Figura 4. Estudo angiográfico
mostrando fenestração da artéria
basilar (seta branca) e a presenca
de um aneurisma na artéria
vertebral direita, na origem da
PICA (seta preta).
Figura 5. Ângio-TC realizada no pós-operatória da paciente mostrando
o bom posicionamento do clipe (seta preta), bem próximo da base do
crânio, com oclusão completa do aneurisma.
Quatro meses depois do primeiro procedimento a
paciente teve seu aneurisma da PICA ocluído por via
endovascular.
A paciente encontra-se assintomática, orientada e
sem déficit neurológico focal.
CEFALEIA ASSOCIADA COM COMPRESSÃO DO TERCEIRO NERVO CRANIANO POR UM ANEURISMA DA ARTÉRIA COMUNICANTE POSTERIOR
24 Headache Medicine, v.5, n.1, p.21-24, Jan./Feb./Mar. 2014
COMENTÁRIOS
Ainda há muita controvérsia sobre a melhor forma
de ocluir um aneurisma intracraniano, se por via endo-
vascular ou através de um acesso microcirúrgico.
(2-4)
Contudo, parece que um consenso está sendo estabe-
lecido no sentido de que quando há compressão de
nervos intracranianos o melhor seria uma abordagem
microcirúrgica, possibilitando um descompressão direta
da estrutura neural.
(3-4)
No caso particular do terceiro nervo craniano a
clipagem direta do aneurisma parece ser a melhor opção,
como foi o caso aqui relatado. O cirurgião não deve,
entretanto, separar o saco aneurismático no nervo
oculomotor, porque isso pode danificar ainda mais essa
estrutural neural. Se achar que haveria algo a mais a
fazer, isso seria separar o restante do saco aneurismático
(deixando ele aderido ao nervo) do colo que encontra-
se clipado, usando-se uma microtesoura.
Güresir e colegas
(3)
encontraram 10 em 344 (2,9%)
aneurismas intracranianos que causavam paralisia do
terceiro nervo craniano. Esses autores estudaram 201
aneurismas da artéria comunicante posterior (132 pacientes
foram submetidos a clipagem microcirúrgica, 54 pacientes
foram tratados por via endovascular, e 15 pacientes não
foram tratados). Na análise multivariada, clipagem
cirúrgica foi significativamente associada com resolução
parcial de qualquer grau da paralisia (OR12,2, 95% CI
3-49) e de resolução completa (OR, 7,1, 95% CI 1,8-28)
em comparação com pacientes com tratamento endo-
vascular. Indicando a superioridade do procedimento
microcirúrgico em relação ao endovascular para esse
tipo particular de aneurisma cerebral.
Estudo recente
(5)
mostra que o tamanho do aneurisma
pode não influenciar o aparecimento da ptose palpebral,
mas a proximidade da carótida das estruturas da base
do crânio, incluindo o terceiro nervo, parece ser mais
importante como valor associativo. No nosso caso, a
clinoide anterior teve de ser removida para possibilitar a
clipagem adequada do aneurisma, mostrando uma
localização baixa do aneurisma, bem próximo da base
do crânio, com compressão do nervo por um aneurisma
relativamente pequeno (menor do que 6 mm).
Outros aspectos clínicos e relacionados com a
fisiopatogenia da compressão do oculomotor por um
aneurisma são revisados em publicação anterior.
(6)
Concluíndo, todos os pacientes com dor ocular fixa,
que perdura por vários dias, devem ser avaliados por
neuroimagem, incluindo ângio-ressonância magnética ou
angiotomografia computadorizada, mesmo aqueles sem
o acometimento da pupila, cuja possibilidade maior seria
acometimento do terceiro nervo craniano por uma
mononeuropatia diabética ou isquêmica, na qual as
fibras parassimpáticas do oculomotor estão poupadas.
REFERÊNCIAS
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2012.03.016. Epub 2012 Mar 29.
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strategy on recovery. J Neurosurg. 2012 Nov;117(5):904-10.
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5. Anan M, Nagai Y, Fudaba H, Kubo T, Ishii K, Murata K, Hisamitsu
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but on the distance between the ICA and the anterior-posterior
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6. Valença MM, Andrade-Valença LP, Martins C, de Fátima Vasco
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and intracranial aneurysm. J Headache Pain. 2007
Oct;8(5):277-82. Epub 2007 Oct 23.
Correspondência
Marcelo M. VMarcelo M. V
Marcelo M. VMarcelo M. V
Marcelo M. V
alençaalença
alençaalença
alença
Neurology and Neurosurgery Unit, Department of
Neuropsychiatry, Federal University of Pernambuco, Cidade
Universitária, 50670-420 Recife, Pernambuco, Brazil; Fax: +55
81 21268539; E-mail: mmvalenca@yahoo.com.br
Received Dec 5, 2013
Accepted Jan 25, 2014
VALENÇA MM, SILVA JC, BARBOSA M, VALENÇA MF, ALMEIDA LA, OLIVEIRA MC, ET AL.