Headache Medicine, v.4, n.2, p.59-62, Apr./May/Jun. 2013 59
Fibromialgia e Cefaleias
Fibromyalgia and Headaches
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Pedro Augusto Sampaio Rocha-Filho
1, 2
1
Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brazil
2
Ambulatório de Cefaleias, Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco, Recife, Brazil
Rocha-Filho PA. Fibromialgia e Cefaleias. Headache Medicine. 2013;4(2):59-60
RESUMORESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
A fibromialgia é uma doença caracterizada por dor genera-
lizada sem lesão ou inflamação tecidual. Este artigo revisa
as evidências de associação entre as cefaleias e a fibromialgia
do ponto de vista epidemiológico, fisiopatológico e em
relação às características dessas condições. Pacientes com
migrânea e cefaleia do tipo tensional atendidos em clínicas
especializadas têm prevalência de fibromialgia de respecti-
vamente 9,8% a 35,6% e de 35% a 59%. Estudos popula-
cionais demonstram que a fibromialgia é comorbidade tanto
da migrânea como da cefaleia do tipo tensional. Dentre as
cefaleias primárias, a fibromialgia tem uma associação maior
com a migrânea crônica e com cefaleia do tipo tensional
crônica, sendo a sensibilização central o provável ponto de
união entre a fisiopatologia dessas três condições. Pacientes
com cefaleia e fibromialgia têm maior gravidade tanto da
cefaleia quanto da fibromialgia, devendo-se abordar essas
duas condições para melhorar a qualidade de vida desses
pacientes.
PP
PP
P
alavrasalavras
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--
--
-
chave:chave:
chave:chave:
chave: Dor; Fibromialgia; Cefaleia; Transtornos
de Enxaqueca; Cefaleia do tipo tensional
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
Fibromyalgia is characterized for chronic widespread
musculoskeletal pain for which no tissue inflammation or
damage can be identified. This review aims to examine the
studies on fibromyalgia and headache focusing on
prevalence, pathophysiology and clinical features. Population
studies show that fibromyalgia is a comorbidity of migraine
and tension-type headache. Fibromyalgia prevalence in
migraine and tension-type headache patients from headache
and pain clinics varies from 9.8% to 35.6% and from 35%
to 59%, respectively. Chronic forms of migraine and tension-
type headache show a high frequency of fibromyalgia
comorbidity and central sensitization could be the link among
these conditions. Patients with primary headaches and
fibromyalgia have a higher impact of both conditions.
KK
KK
K
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eywords: Pain; Fibromyalgia; Headache; Migraine
disorders; Tension-type headache
INTRODUÇÃO
A fibromialgia é uma doença caracterizada por dor
generalizada e múltiplos sintomas como fadiga, distúrbios
do sono, disfunção cognitiva e sintomas depressivos.
(1)
Essa condição deve ser suspeitada em indivíduos com
dor multifocal que não pode ser explicada por lesão
tecidual ou inflamação.
(2)
A prevalência global de fibromialgia é de 2,7%,
afetando três mulheres para cada homem. Essa preva-
lência aumenta com a idade.
(3)
Dentre as comorbidades
associadas a essa doença estão condições caracterizadas
por alterações funcionais como cefaleias, disfunção
temporomandibular, lombalgias e cervicalgias, síndrome
do intestino irritável, cistite intersticial e síndrome da fadiga
crônica.
(4-5)
O objetivo desse artigo é revisar as evidências de
associação entre fibromialgia e as cefaleias.
AS EVIDÊNCIAS EPIDEMIOLÓGICAS
A Tabela 1 revisa os estudos realizados em ambula-
tórios terciários de dor ou de cefaleia.
(6-13)
A prevalência
de fibromialgia em pacientes com cefaleia tipo tensional
varia de 35% a 59%, e, naqueles com migrânea, de
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ROCHA-FILHO PA
9,8% a 35,6%. A prevalência de fibromialgia nesses
pacientes é bem maior do que a esperada para a
população geral. Os pacientes com migrânea crônica e
cefaleia do tipo tensional crônica têm significativamente
maior prevalência de fibromialgia do que aqueles com
outros tipos de cefaleia.
(12)
Apesar dessas prevalências
não representarem a população geral, provavelmente
se aproximam dos pacientes atendidos em ambulatórios
terciários de dor e de cefaleia, devendo-se pesquisar
ativamente essa condição.
Um estudo transversal que avaliou a associação entre
nove doenças em 3.937 gêmeos, dentre elas fibromialgia
e cefaleia do tipo tensional (CTT), encontrou uma relação
bidirecional entre essas duas doenças. Quem tinha
fibromialgia tinha um odds ratio de 5 (IC95%: 4,3- 5,7)
de ter CTT e quem tinha CTT tinha um odds ratio de 6,6
(IC95%: 6,6- 6,7) de ter fibromialgia.
(4)
Recentemente, um estudo com a finalidade de avaliar
as comorbidades da migrânea avaliou 31.865 gêmeos
participantes de um estudo de coorte prospectivo. Esses
gêmeos eram representativos da população dinamar-
quesa. Encontrou-se uma prevalência de migrânea de
25,2% e de fibromialgia de 0,8%. Dos pacientes com
migrânea, 1,2% tinham fibromialgia. Encontrou-se um
risco significamente aumentado para fibromialgia entre
os pacientes migranosos (migrânea com aura: OR= 6,6;
migrânea sem aura: OR= 2,04). Quando esse risco foi
ajustado por sexo, o risco permaneceu significativamente
mais alto nas mulheres.
(14)
CONSIDERAÇÕES FISIOPATOLÓGICAS
A fisiopatologia da fibromialgia envolve sensibi-
lização central. No entanto, a fonte periférica do estímulo
doloroso nunca foi encontrada. Provavelmente ocorre
um mau funcionamento do sistema antinociceptivo do
tronco cerebral com deficiência da noradrenalina e
serotonina, neurotransmissores que atuam nesse sistema.
As alterações do sono encontradas na fibromialgia
também podem favorecer a hiperalgesia encontrada
nessa doença.
(15)
Ocorre também funcionamento anor-
mal do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
(2,16)
envolvido
no manejo do estresse.
Estima-se que a contribuição da genética e do
ambiente para o desenvolvimento de fibromialgia seja
de 50% cada um.
(17)
Parentes de primeiro grau de
pacientes com fibromialgia têm chance oito vezes maior
de desenvolver a doença.
(18)
Entre os fatores ambientais
citados como desencadeantes da fibromialgia estão
traumas físicos, infecções, vacinas, estresse psicológico,
síndromes dolorosas periféricas, drogas, hipotireoidismo
e catrástofes.
(2)
Dentre as cefaleias primárias, a cefaleia tipo tensio-
nal crônica e a migrânea crônica têm significativamente
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maior prevalência de fibromialgia que outras cefaleias.
A frequência de crises da cefaleia está positivamente
associada à fibromialgia.
(11)
Estas cefaleias, a fibromi-
algia, disfunção temporomandibular, lombalgias e
cervicalgias crônicas, síndrome do intestino irritável, cistite
intersticial têm como ponto fisiopatológico comum o
processo de sensibilização central.
(5,19)
Uma pergunta importante é se uma cefaleia primária
pode desencadear um quadro fibromiálgico em indiví-
duos predisponentes. A migrânea pode cursar com
alodínea fora do segmento cefálico durante a crise
migranosa devido ao envolvimento talâmico.
(20)
Centonze
e colaboradores descreveram uma série de 100 casos
com migrânea que mostraram uma progressão para
fibromialgia. Esses pacientes iniciavam a migrânea entre
7 e 19 anos de idade. Esta permaneceu como episódica
por uma média de 14 anos, com posterior cronificação
gradual. A migrânea crônica permaneceu em média por
6,5 anos. Após este período, os pacientes desenvolviam
um quadro fibromiálgico.
(21)
Marcus e colaboradores,
avaliando 100 pacientes com fibromialgia, encontraram
prevalência de cefaleia de 76%. A cefaleia começou
primeiro em 47% e ao mesmo tempo que a fibromialgia
em 27% dos casos.
(7)
São necessários estudos de coorte
prospectivos para confirmar essa progressão.
CONDIÇÕES SECUNDÁRIAS RELACIONADAS
A CEFALEIA E A FIBROMIALGIA
Ifergane e colaboradores descreveram um caso em
que uma lesão de tronco esteve relacionada temporal-
mente com o desenvolvimento de migrânea crônica e
fibromialgia. Esta paciente desenvolveu migrânea com
frequência maior que 15 dias por mês associada à
fibromialgia dois meses após o sangramento de angioma
cavernoso de ponte.
(22)
Recentemente, Valença e colabo-
radores descreveram o caso de um homem com cefaleia
cervicogênica, distúrbio do sono, depressão e "hemifi-
bromialgia" do mesmo lado da cefaleia.
(23)
O PACIENTE COM FIBROMIALGIA E CEFALEIA
É UM PACIENTE DIFERENTE?
A maioria dos trabalhos que avaliaram a relação
entre migrânea e fibromialgia encontrou que os que
tinham migrânea associada à fibromialgia apresentavam
maior impacto da cefaleia e pior qualidade de vida.
Tietjen e colaboradores, analisando pacientes com
migrânea, verificaram que aqueles que possuíam como
comorbidades migrânea, fibromialgia, ansiedade e
depressão tinham maior impacto da cefaleia e pior
qualidade de vida.
(9)
Ifergane e colaboradores
(22)
, comparando mulheres
com migrânea e fibromialgia com aquelas que tinham
apenas migrânea, não encontraram diferença em rela-
ção às características e impacto da cefaleia. No entanto,
nesse trabalho não se comparou a frequência das crises
de migrânea. As mulheres com fibromialgia e migrânea
tiveram significativamente pior qualidade de vida e maior
comprometimento psiquiátrico.
(8)
Kucuksen e colaboradores, comparando pacientes
com migrânea episódica que tinham ou não fibromialgia,
verificaram que aqueles com fibromialgia tiveram
cefaleias significativamente mais intensas, com maior
impacto (Headache Impact Test) e pior qualidade de vida.
Não houve diferença em relação à frequência da cefaleia
nos dois grupos.
(13)
Peres e colaboradores verificaram que os pacientes
com migrânea transformada e fibromialgia tiveram
significativamente mais cefaleia incapacitante do que
aqueles apenas com migrânea transformada.
(6)
Poucos trabalhos avaliaram pacientes com outros
tipos de cefaleia.
Marcus e colaboradores
(7)
avaliaram pacientes
com diagnóstico de fibromialgia. Comparando-se os
pacientes com e sem cefaleia, não se encontrou
diferença em relação à intensidade da dor, à
gravidade da fibromialgia, à qualidade do sono, à
ansiedade, depressão ou qualidade de vida. No
entanto, esses pacientes eram pacientes de uma clínica
de dor e foram selecionados através de anúncios, o
que pode ter levado a selecionar aqueles casos mais
graves de fibromialgia.
Tommaso e colaboradores realizaram dois estudos
bem desenhados com a finalidade de avaliar a fibro-
mialgia em pacientes portadores de cefaleias primá-
rias.
(11-12)
A gravidade da fibromialgia (Fibromyalgia
Impact Questionnaire) se correlacionou positivamente com
a frequência e impacto da migrânea (MIDAS). A dor nos
tender points se correlacionou com a frequência da
cefaleia. Os pacientes com cefaleia e fibromialgia
tiveram maior número de sintomas alodínicos, mais
sintomas depressivos e ansiosos e pior qualidade de vida
do que aqueles apenas com cefaleia. As variáveis que
melhor discriminavam os pacientes com fibromialgia e
cefaleia foram a pontuação de tender points cranio-
cervicais, ansiedade, adequação do sono, frequência
de cefaleia e componente físico da escala de qualidade
FIBROMIALGIA E CEFALEIAS
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Correspondência
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ocha Focha F
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Rua General Joaquim Inacio, 830, Sala 1412
Ed. The Plaza Business Center
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pasrf@ig.com.br
de vida Short-Form 36 (SF36). Essas variáveis classifi-
caram corretamente 80% dos casos de fibromialgia.
Não há ensaios clínicos que avaliem o tratamento
dos pacientes com migrânea ou cefaleia do tipo tensional
e fibromialgia. Na medida do possível deve-se tentar
usar uma droga que trate das duas como um anti-
depressivo tricíclico.
CONCLUSÕES
1 - A fibromialgia é comorbidade da migrânea e da cefa-
leia do tipo tensional, tendo uma associação maior
com as formas crônicas dessas cefaleias.
2 - A sensibilização central é o ponto de união entre a
fisiopatologia da migrânea crônica, cefaleia tipo
tensional crônica e da fibromialgia.
3 - Pacientes com cefaleia e fibromialgia têm maior gra-
vidade tanto da cefaleia quanto da fibromialgia.
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ROCHA-FILHO PA