Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12 Jan./Fev./Mar. 2013 5
O médico e a migrânea: conhecimento e
procedimentos ao acolhimento a pacientes em
um serviço de pronto-atendimento
The physician and migraine: knowledge and procedures on
an emergency care service
ARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLEARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLE
ARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLEARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLE
ARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLE
Anita Chávez Azevedo
1
, Caroline Salgado Petrin
1
, Laís Andrade Rezende
1
, Luisa Cássia Santos Michel
1
, Talita
Vieira Kfuri
1
, Sebastião Rogerio Gois Moreira
2
, Mauro Eduardo Jurno
3
1
Alunas da Faculdade de Medicina de Barbacena
2
Doutor em Psicologia, professor da Faculdade de Medicina de Barbacena
3
Doutor em Neurologia, professor da Faculdade de Medicina de Barbacena, professor externo da
Pós-graduação em Neurologia da Universidade Federal Fluminense, coordenador da
Residência de Clínicas Médica da FHEMIG/Barbacena
Azevedo AC, Petrin CS, Rezende LA, Michel LC, Kfuri TV, Góis Moreira SR, Jurno ME
O médico e a migrânea: conhecimento e procedimentos ao acolhimento a pacientes em um serviço de
pronto-atendimento. Headache Medicine. 2013;4(1):5-12
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
ObjetivoObjetivo
ObjetivoObjetivo
Objetivo: Este trabalho analisou o conhecimento de um grupo
de médicos em unidades de emergência, de uma cidade de
médio porte localizada em Minas Gerais, a respeito da migrâ-
nea/enxaqueca e de como foi o acolhimento realizado por
eles.
Método Método
Método Método
Método: Este trabalho de caráter qualitativo utilizou instru-
mentos como a Ficha de Identificação e Estratificação da Amos-
tra e o Roteiro de Entrevista Semiestruturada, tendo como base
os critérios de diagnóstico das cefaleias da Sociedade Interna-
cional de Cefaleia e as Recomendações da Sociedade Brasileira
de Cefaleia para o tratamento das crises de migrânea.
ResulResul
ResulResul
Resul
--
--
-
tadotado
tadotado
tado: Nas unidades de emergência desta cidade é frequente o
atendimento de pacientes com crise migranosa. De acordo
com os entrevistados, a maioria dos pacientes superestima sua
dor, porém, o mesmo não ocorre com os médicos, que dizem
subestimar a dor de seu paciente. Segundo os entrevistados há
uma relação de migrânea com distúrbios psicológicos e seus
pacientes necessitam de um atendimento especial, inclusive de
um ambiente adequado para atendimento. Nota-se também
que não há um critério estabelecido para a escolha de medi-
camentos assim como para realização de exames comple-
mentares e internação.
ConclusãoConclusão
ConclusãoConclusão
Conclusão: Diante do estudo realizado
nota-se uma deficiência no acolhimento do paciente migranoso
e no conhecimento dos médicos em relação a essa patologia.
PP
PP
P
alavrasalavras
alavrasalavras
alavras
--
--
-
chave: chave:
chave: chave:
chave: Médicos; Migrânea; Acolhimento; Atendi-
mento; Unidades de Emergência
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
ObjectiveObjective
ObjectiveObjective
Objective: This study analysed a group of emergency room
doctors from a mid-size Brazilian town knowlegde about
migraine and how they provide care for XXX acute migraine
patients.
MethodsMethods
MethodsMethods
Methods: This qualitative study used instruments
such as the Sample – Identification and Stratification Card
and the Semi-Structured Interview Roadmap, based on the
International Headache Society set of criteria for headache
diagnosis and the Brazilian Headache Society acute migraine
attacks treatment recommendations.
ResultsResults
ResultsResults
Results: In this town
emergency rooms the attendance to patients with acute migrane
is frequent. According to the interviewees, most patients tend
to overestimate their pain. On the other hand the physicians
affirm that themselves tend to underestimate their patient pain.
According to the interviewees there is a relationship between
migraine and psychological disorders, and their patients need
special services, including suitable care facilities. It is also
notable that there is no established criteria regarding drug
treatment options, as well as complementary tests or
hospitalization.
ConclusionConclusion
ConclusionConclusion
Conclusion: This study shows deficiencies
in acute migraine patients emergency care and in physicians'
knowledge regarding this disease.
KeywordsKeywords
KeywordsKeywords
Keywords: Physicians; Migraine; Host; Service; Emergency
units
6 Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12, Jan./Fev./Mar. 2013
AZEVEDO AC, PETRIN CS, REZENDE LA, MICHEL LC, KFURI TV, GÓIS MOREIRA SR, JURNO ME
INTRODUCTION
A migrânea é uma das mais frequentes causas de
cefaleia primária e provoca grande impacto social e
econômico na vida dos indivíduos.
(1-3)
Essa doença apre-
senta uma prevalência anual de 18% em mulheres e 6%
em homens, aproximadamente.
(1,2)
É caracterizada por
várias combinações de alterações neurológicas, gastro-
intestinais e autonômicas. Seu diagnóstico é baseado
apenas nas características clínicas da dor e dos sintomas
associados.
(4-6)
A cefaleia é um dos sintomas mais comuns na clínica
médica, havendo estimativas de que 90% dos homens e
95% das mulheres tenham uma crise de cefaleia, anual-
mente.
(7)
Alguns trabalhos avaliam que a doença seria
responsável por 1% a 16% de todas as visitas às unidades
de emergência.
(8)
Sabe-se que as cefaleias correspondem a 7,2% de
todas as consultas neurológicas em uma unidade de emer-
gência
(9)
e os diagnósticos mais comuns entre as cefaleias
primárias foram migrânea (47,7%), seguida pela cefaleia
do tipo tensional (37,6%).
(10,11)
Embora outros pesquisadores já tenham abordado
este tema, foi constatado que o tratamento efetuado, na
maioria dos casos, não foi o recomendado por consensos
ou estudos clínicos.
(10,12)
Nesta pesquisa abordamos, através da metodologia
científica de caráter qualitativo, as atitudes e conceitos
dos médicos das unidades de emergência de uma cidade
de médio porte em Minas Gerais, frente a pacientes em
crise aguda de migrânea. Avaliamos também o perfil
demográfico e as características de formação pessoal
destes médicos.
MÉTODOS
Esta pesquisa foi realizada após a aprovação pelo
Comitê de Ética em Pesquisa, credenciado pelo CONEP
(protocolo n° 920/2011).
Utilizaram-se recursos da metodologia científica
de caráter qualitativo tendo como participantes da pes-
quisa médicos que atendem nas Unidades de Emer-
gência de Saúde de uma cidade de médio porte em
Minas Gerais.
Os instrumentos utilizados foram a Ficha de Identifi-
cação e Estratificação da Amostra e o Roteiro de Entrevista
Semiestruturada, tendo como base os critérios de diag-
nóstico das cefaleias da Sociedade Internacional de
Cefaleia
(9)
e as Recomendações da Sociedade Brasileira
de Cefaleia para o tratamento das crises de dor de crises
de migrânea.
(13)
Foram apresentados aos participantes os objetivos
da pesquisa e o termo de Consentimento Livre Esclarecido
(TCLE), tendo sido solicitado ao participante que respon-
desse aos questionamentos para o preenchimento da
ficha de identificação, e logo após foi realizada a entre-
vista utilizando-se o roteiro semiestruturado composto por
dez perguntas de caráter subjetivo. As entrevistas foram
realizadas com os dez primeiros médicos que se dispu-
seram a participar do estudo. Cada participante foi entre-
vistado individualmente, em local reservado, sendo as
entrevistas gravadas em aparelho de áudio de alta defi-
nição e, posteriormente, transcritas respeitando-se a lin-
guagem dos entrevistados.
A análise dos resultados foi realizada segundo a
proposta desenvolvida por Bardin
(14)
e Franco,
(15)
sendo
transcritas as respostas apresentadas pelos participantes.
Em respeito ao anonimato dos médicos entrevis-
tados, eles foram identificados como: Médico 1, Médico
2, Médico 3, Médico 4, Médico 5, Médico 6, Médico 7,
Médico 8, Médico 9 e Médico 10.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos dez médicos entrevistados todos estavam, no
momento da entrevista, trabalhando como plantonistas
em unidades de emergência.
Para o melhor entendimento do perfil demográfico
e das características de formação pessoal dos sujeitos
do estudo, segue-se abaixo uma tabela com a carac-
terização dos participantes da pesquisa (Tabela 1).
Durante a entrevista foram abordados pela entrevista
semiestruturada, temas como: o entendimento dos médi-
cos em relação à dor de seu paciente, o impacto da dor,
as comorbidades, o atendimento do paciente migranoso,
a propedêutica e o tratamento.
Primeira questão: “Vocês atendem pacientes com
migrânea?”. Todos responderam que sim.
A respeito do impacto da dor perguntou-se se os
pacientes migranosos superestimam ou subestimam a sua
dor e a maioria dos médicos disse que os pacientes
superestimam a dor. Seguem-se as justificativas a essa
questão:
"É difícil até de responder isso; eu acho que a grande
maioria deles superestima a dor porque é uma dor crônica,
já estão cansados de ter aquele quadro de enxaqueca,
então eu acho que, em algumas situações, talvez a grande
maioria superestima, mas não por uma questão... essa
Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12 Jan./Fev./Mar. 2013 7
O MÉDICO E A MIGRÂNEA: CONHECIMENTO E PROCEDIMENTOS AO ACOLHIMENTO A PACIENTES
EM UM SERVIÇO DE PRONTO-ATENDIMENTO
superestimação que fazem da dor não é proposital, acho
que é mais pelo cansaço de estarem com aquela dor
crônica, então eles acabam sentindo mais dor do que
realmente sentem." (Médico 1)
"Acho que na maioria das vezes eles superestimam a
dor. Dizem que estão com muita dor, e quando vamos
analisar o paciente, ver o comportamento dele, a frequência
cardíaca, vemos que a dor não é tão intensa assim. E
quando o paciente distrai um pouco precebemos que ele
está conversando normal, sem demonstração de dor."
(Médico 7)
"Superestima, eu acho que superestima, é para ser
atendido na frente." (Médico 10)
Os pacientes migranosos têm significativas limitações
na qualidade de vida em relação a população saudá-
vel
(16)
, e a dor pode contribuir de maneira significativa
neste aspecto, o que demonstra que deve ser um sintoma
valorizado pelos médicos que atendem os pacientes com
migrânea.
O impacto da enxaqueca em termos de produ-
tividade do trabalho é muito importante. Estima-se que
só os Estados Unidos sejam responsáveis pela perda de
113 milhões de dólares a cada dia útil, representando
perdas econômicas superiores a 13 bilhões de dólares
anuais.
(17)
Além disso, muitos migranosos evitam
situações sociais ou festas que possam desencadear
crises, o que indica que a migrânea diminui significa-
tivamente a qualidade de vida não somente durante os
ataques, como também nos períodos intercríticos,
quando ansiedade, medo e incerteza contribuem para
uma gradual retirada da maioria dos contatos sociais.
Um estudo recente
(18)
indica que a enxaqueca prejudica
mais a qualidade de vida que a osteoartrite, diabetes,
hipertensão e lombalgia e é tão incapacitante quanto
a depressão.
Quando o assunto abordado foi o entendimento
do médico a respeito da dor, foi perguntado se o profis-
sional subestima ou superestima a migrânea do paciente,
e observou-se respostas diretas, afirmando que o médico
subestima a dor:
"A maioria dos profissionais subestima a migrânea
do paciente." (Médico 3)
"Pelo fato da gente achar que a dor dele está
superestimada, a gente acaba subestimando um pouco a
dor." (Médico 4)
"É aquilo que eu já respondi, não podemos ignorar a
dor do paciente pois pode ser algo grave, como um tumor
ou um aneurisma, por exemplo. " (Médico 7)
8 Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12, Jan./Fev./Mar. 2013
"Nós trabalhamos com triagem e onde há triagem
ninguém passa na frente de ninguém. Quem faz esta triagem
é o enfermeiro e aí ele seleciona pelo grau da intensidade
da dor e atende-se o mais grave primeiro." (Médico 8)
Conforme observado por outros autores, a migrânea
costuma ser subestimada pelos médicos generalistas
embora apareça em grande frequência nas unidades
de emergência.
(13)
Neste contexto, médicos de cuidados
primários desempenham um papel fundamental na
melhoria da abordagem do diagnóstico e gestão da
enxaqueca.
No quesito comorbidades, foi proposta a seguinte
pergunta: "Há relação de migrânea com distúrbios
psicológicos?" :
"Ah, sem dúvida, sem dúvida nenhuma. Geralmente
pacientes que relatam que estava tudo bem e então teve
um aborrecimento, um estresse, algum tipo de problema
emocional, que desencadeia essa enxaqueca. Sem dúvida
nenhuma, tem sim." (Médico 1)
"Com certeza! Os pacientes que têm migrânea se
apresentam mais ansiosos durante a consulta e sempre
deixam transparecer algum fator psicológico ou familiar."
(Médico 4)
"Em alguns casos eu noto algum problema psico-
lógico, emocional, relacionado ao trabalho. Em alguns
casos dá para perceber isso, alguns mais, outros menos.
Mas essa relação existe sim." (Médico 6)
"Sim, acho sim, tem muita relação com fator psico-
lógico, ansiedade, depressão." (Médico 10)
Por outro lado, alguns entrevistados responderam que
não há relação da doença com distúrbios psicológicos:
"Até o momento nunca presenciei não, também nunca
questionei." (Médico 5)
"Não, isso não. O que eu posso dizer é que quem
tem enxaqueca, tem enxaqueca. Bom, quando é um quadro
psicológico, você vê na hora que a pessoa está simulando
alguma coisa." (Médico 8)
A associação entre transtornos psiquiátricos e migrâ-
nea tem sido observada em diversos estudos clínicos e
epidemiológicos.
(19,20)
Depressão e ansiedade ocorrem
com maior frequência entre pacientes com dor de cabeça
recorrente.
(21)
Os fatores que contribuem para essa associação
ainda não estão bem estabelecidos, a hipótese mais
provável é de que os mesmos neurotransmissores estão
relacionados com enxaqueca, depressão e ansiedade.
(21)
Algumas pessoas apresentam mudanças no humor
ou no comportamento acompanhando seus ataques de
enxaqueca. Queixas de depressão, euforia, irritabili-
dade, ansiedade, hiperatividade, queda de concen-
tração, distúrbios do sono, anorexia ou aumento do
apetite são também comumente relatadas nos pródro-
mos da crise.
(22)
De acordo com os trabalhos anteriormente citados
nota-se que há relação de transtornos psicológicos com
migrânea, e esse transtorno pode exacerbar o impacto
da doença, piorar a qualidade de vida e complicar a
resposta ao tratamento.
Na questão relativa ao atendimento do paciente,
questionou-se se o ambiente de emergência para atendi-
mento do paciente migranoso seria apropriado, e a
maioria dos entrevistados respondeu que não. Seguem-
se as respostas:
"Não. No ambiente de emergência tem paciente de
tudo quanto é etiologia. O simples fato de haver muito
barulho, estresse, gente passando mal do lado, o paciente
não vai ter uma resposta, um atendimento tão adequado
como num consultório, por exemplo." (Médico 2)
"Ah, não é não. Num é porque o paciente quer um
ambiente mais tranquilo, mais calmo, um ambiente mais
próprio pra tratar da dor. Aqui é barulho, é urgência,
emergência, entra um, entra outro, não é um ambiente
adequado para tratar de enxaqueca." (Médico 1)
"Não, pois é um ambiente tumultuado, tenso, de
confronto, com muitas pessoas. Então essa situação é
ruim para o enxaquecoso. O PA nunca foi ambiente
adequado para isso." (Médico 7)
"Olha, normalmente uma pessoa que está com
enxaqueca tem uma fotofobia, tem uma certa intolerância
ao barulho, tem uma irritação muito grande, então o
atendimento de emergência não é um local apropriado."
(Médico 8)
Com base nas respostas dos médicos entrevistados,
nota-se que o ambiente de emergência para atendimento
do paciente migranoso não é o adequado, embora o
consenso da SBCe sugira que, mesmo para cefaleias
leves a moderadas, o paciente seja colocado em local
com pouca luz e barulho.
(23)
AZEVEDO AC, PETRIN CS, REZENDE LA, MICHEL LC, KFURI TV, GÓIS MOREIRA SR, JURNO ME
Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12 Jan./Fev./Mar. 2013 9
Ainda quando se analisava o atendimento, obser-
vou-se que o paciente com migrânea necessita de aten-
dimento especial segundo os relatos:
"Ah, precisa. Porque, na verdade, a enxaqueca é um
sintoma, é um sinal de um conjunto de coisas que estão
erradas com aquele paciente. Então, muitas vezes, se ele
tem uma dor de cabeça, uma enxaqueca por problemas
psicológicos, ou por algum estresse, por alguma outra
coisa, não adianta você tratar a dor se não tratar daquela
causa que desencadeou a enxaqueca. Às vezes o paciente
bebeu demais, ou usou muito alimento à base de chocolate
ou de amendoim, que são alimentos sabidamente enxa-
quecosos; então, se você não tratar do doente, do ritmo
de vida, do estresse, da atividade física, você vai acabar
tratando só da dor, sem tentar evitar ou espassar essas
crises de enxaqueca." (Médico 1)
"Com certeza, visto que a migrânea possui outros
fatores. Não é só um fator, é multifatorial, eu acho que o
atendimento tinha que ser mais especial." (Médico 4)
"Olha, quando você percebe que o paciente está
vindo com muita frequência no plantão e está sempre
muito queixoso e choroso, aí, sim, eu acho que necessita
também do acompanhamento de um psicólogo."
(Médico 8)
"Sim,sim. Pelo menos uma consulta com
neurologista para saber se é mesmo enxaqueca, se ela
é desencadeada por fator psicológico, e então
encaminhar ao psicólogo ou psiquiatra, acho necessário.
Porque normalmente tem a crise e volta para casa, passa
um tempo tem outra crise, não investiga, e é preciso
investigar." (Médico 10)
As causas da migrânea são diversas, deve-se dar
uma atenção especial a elementos essenciais da história
do paciente migranoso. O exame físico nunca deve ser
negligenciado mesmo que a história seja sugestiva de
cefaleia primária.
(24)
A respeito do acolhimento do paciente migranoso
várias respostas foram dadas, cada médico segue uma
rotina pré-estabelecida, sendo elas:
"Aqui neste hospital a gente tem uma equipe de
enfermagem, uma enfermeira formada, de nível superior,
que faz o acolhimento; nesse acolhimento ela nos traz
um resumozinho da história, geralmente vem acompa-
nhada de náusea, vômitos, distúrbios visuais, escotoma.
Ela faz a medição da PA para descartar uma crise de
cefaleia por hipertensão arterial, faz uma anamnese
sucinta, aferição da PA, temperatura, pulso, oxigênio e
manda prá gente já com um pré-diagnóstico, e no
consultório a gente vai explorar mais aqueles sintomas
e tratar da enxaqueca." (Médico 1)
"O acolhimento ocorre na triagem, pelo pessoal da
enfermagem e depois eles passam o caso prá gente."
(Médico 3)
"São triados pela ordem da gravidade dos casos. Aí
quem está mais grave passa na frente, e então uma crise
de dor fica em segundo plano, a menos que essa dor seja
muito intensa. Por exemplo, a enxaqueca pode vir junto
com vômitos e se isso ocorrer o paciente vai passar na
frente." (Médico 8)
"Vem triado. Faz uma triagem pelo protocolo de
Manchester, pela enfermagem. Faz o protocolo de Man-
chester, que não é adequado também para este tipo de
situação." (Médico 9)
"A enfermagem faz a triagem primeiro, pelo critério
de Manchester; ela vai avaliar quantos dias, quanto tempo
tem a queixa, e o paciente já vem avaliado. Ele é classi-
ficado com papéis nas cores azul, amarelo ou verde, e a
gente atende conforme a prioridade. Na maioria das vezes,
o paciente com cefaleia vai estar na prioridade verde, 4
horas ou mais de espera." (Médico 10)
Não há um consenso entre os médicos entre-
vistados a respeito do acolhimento do paciente migra-
noso. O que se preconiza em unidades de emergência é
o acolhimento com classificação de risco, em que os
objetivos são: avaliar o paciente logo na sua chegada
humanizando o atendimento; reduzir o número de pessoas
aguardando na recepção; diminuir o tempo para o
atendimento médico, fazendo com que o paciente seja
examinado precocemente de acordo com a sua gravi-
dade e determinar a área de atendimento primário,
devendo o paciente ser encaminhado diretamente à sua
especialidade.
(25)
Quando questionado "o modo como a equipe se
refere ao estado do paciente influencia no atendimento
médico", a maioria respondeu que sim:
"Ah, influencia. Por mais que a gente já esteja
acostumado a tratar, vem um paciente com enxaqueca, é
um ‘pitizão’, então você já vai atender o doente de uma
O MÉDICO E A MIGRÂNEA: CONHECIMENTO E PROCEDIMENTOS AO ACOLHIMENTO A PACIENTES
EM UM SERVIÇO DE PRONTO-ATENDIMENTO
10 Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12, Jan./Fev./Mar. 2013
maneira diferente. É lógico que na consulta isso pode
mudar; durante a entrevista, a anamnese, isso muda,
mas de uma certa maneira traz uma influência para quem
está atendendo o doente, traz sim". (Médico 1)
"Com certeza! Geralmente esses pacientes migra-
nosos, assim... a enfermagem vem falar com a gente
como se fosse um paciente mais ansioso, às vezes os
chamam até de ‘pitizentos’." (Médico 4)
"Com certeza. Às vezes chega paciente, principalmente
de madrugada, o enfermeiro nos informa que paciente
está sentindo determinada patologia e às vezes eles estão
subestimando ou superestimando as crises álgicas."
(Médico 5)
Porém, também encontraram-se respostas
negativas:
"Não o meu atendimento porque eu sou muito
calma, até com ‘piti’. Porque eu acho que até um ‘piti’
pode ter um fundo importante. Eu acho que não há
fumaça sem fogo e alguma coisa está acontecendo.
Então, eu levo em consideração cada queixa do
paciente." (Médico 8)
"No caso da cefaleia não, porque a informação tem
que ser obtida dele, do paciente. Eu nem escuto a enfer-
magem nesse caso, porque ela tem que me dar parâ-
metros, parâmetros no exame físico; aqui, neste caso,
ela não me dá parâmetro nenhum." (Médico 9)
Quanto ao tratamento foi interrogado aos médicos
o critério para escolha de medicamentos, e as repostas
variaram de acordo com a intensidade da dor, duração,
característica da cefaleia, ausência de sinais de alarme,
gravidade, responsividade e alergia. Os relatos abaixo
exemplificam:
"Medicação de uso habitual. Se já tem algum médico
que o acompanha, quais medicações que faz uso, se tem
alergia. Aí a gente vai usar o analgésico de menos
intensidade até o de maior intensidade conforme o caso."
(Médico 2)
"Existe um critério, normalmente a gente faz o trata-
mento abortivo, corta a dipirona, dipirona não funciona
muito bem; depois pode-se utilizar os anti-inflamatórios,
que são a primeira escolha para abordagem num pronto
atendimento. Tem também os derivados da ergotamina,
os triptanos, alguns antidepressivos também são utilizados,
e também tem um estudo mostrando o uso de beta-
bloqueador, né, então você vai jogando, vai escalonando,
o tratamento, né? Se não for melhorando você vai
passando as fases do tratamento." (Médico 5)
"É como eu falei anteriormente. Descartando alguma
patologia mais grave, a minha conduta é tirar o sofrimento
do paciente, eu sempre associo anti-inflamatório com
analgésico mais potente e deixo para o neurologista tomar
uma decisão mais refinada." (Médico 6)
"Bom, primeiro temos que diferenciar algumas coisas:
se você vai tratar a crise ou fazer um tratamento profilático
contínuo. Na emergência o objetivo é tirar a dor, daí você
entra primeiro com medicações mais simples para ver se
resolve, e se não resolver você aumenta a potência do
medicamento que pode ser desde analgésicos simples,
como a dipirona endovenosa e anti-inflamatórios, como
o cetoprofeno, até opioides e narcóticos. O critério é de
acordo com a intensidade da dor e da responsividade do
tratamento." (Médico 7).
Em nosso meio, boa parte dos hospitais públicos
não possuem medicações que são específicas para o
tratamento da crise migranosa, como compostos ergota-
mínicos ou triptanos. Usam-se, em geral, analgésicos e
anti-inflamatórios não hormonais parenterais. Em unida-
des de emergência pública no Brasil, boa parte dos
esquemas internacionalmente propostos são, portanto,
inexequíveis. A dipirona via endovenosa é a droga mais
prescrita como analgésico para tratamento agudo da
cefaleia.
(24)
Finalizando as entrevistas, os médicos responderam
quais seriam os critérios para realização de exames
complementares/internação:
"Quando é uma enxaqueca que você não consegue
com medicação habitual, você tenta usar os anti-infla-
matórios não esteroides, tenta usar o corticoide, até os
antienxaquecosos. Se não melhorou, não trouxe nenhum
tipo de melhora para o paciente, aí a gente aconselha o
doente a ficar internado, até para tentar uma medicação
mais forte, uma analgesia mais forte, que deve ser feita
só em ambiente hospitalar... E aqui não é uma referência
para a Neurologia, então a gente quase não interna doente
aqui com esse quadro de migrânea, a não ser que seja
uma coisa mais grave, uma suspeita de meningite, alguma
coisa que possa justificar essa internação... E, se nunca
tiver tido nada, se for a primeira crise, ou ela não procurou
AZEVEDO AC, PETRIN CS, REZENDE LA, MICHEL LC, KFURI TV, GÓIS MOREIRA SR, JURNO ME
Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12 Jan./Fev./Mar. 2013 11
um neurologista, a gente interna, ou manda fazer uma
ressonância, ou uma tomografia de crânio pra excluir
malformação ou alguma outra doença neurológica grave,
uma encefalopatia hipertensiva, um tumor cerebral, uma
malformação arteriovenosa importante." (Médico 1)
"Resposta à medicação e o quadro neurológico, que
às vezes necessita de um diagnóstico diferencial com
outras patologias que não seja a enxaqueca. Depende
do quadro clínico do paciente, do principal quadro clínico,
e deixa exame complementar pra ajudar, mas a gente
não depende do exame complementar para fazer o
diagnóstico." (Médico 2)
"Bom, se o paciente tiver uma cefaleia súbita, uma
dor de cabeça que se iniciou subitamente, de grande
intensidade, um déficit neurológico focal, a gente sempre
realiza exame de imagem. Se o paciente chegar com febre
a gente faz screening infeccioso, enfim, isso vai depender
da clínica que o paciente apresentar, mas se houver algum
dado secundário sugestivo de uma cefaleia secundária, a
gente tem que recorrer a propedêuticos mais avançados."
(Médico 3)
"Aqui eu não peço muito exame complementar para
diagnosticar se é mesmo migrânea não. Geralmente eu
oriento para procurar um neuro." (Médico 4)
"Muito raro. Eu particularmente nunca pedi interna-
ção de um paciente desse tipo. Cmo eu disse na outra
resposta, a gente normalmente encaminha para o serviço
de neurologia para ele ser acompanhado. Nunca
chegamos a ponto de pedir internação para um paciente
desse tipo.” (Médico 5)
"Acho que é necessário a avaliação de um neuro-
logista porque eu jamais internaria um paciente com
enxaqueca. Eu medico e encaminho para o neuro e daí
ele faz o eletroencefalograma e vai dar o diagnóstico. Eu
encaminho todos os pacientes, pois eu acho que todos
merecem uma investigação para a possível causa."
(Médico 8)
"Migrânea eu não interno não, oriento o procurar
neurologista em ambulatório." (Médico 9)
"Se for uma cefaleia intensa, de início curto, sem
historia prévia de enxaqueca, nem nada, pode ser que eu
peça uma TC de crânio para o paciente... mas fora isso,
só se tiver lesão motora, distúrbio de fala ou qualquer
outra coisa que chame atenção. Só a cefaleia mesmo
muito difícil, só se ela for rebelde ao tratamento, faz
analgesia e nada, faço uma Dipirona ou Tenoxicam e não
melhora, faço Tramal e nada, aí provavelmente vou pedir
uma TC. Aguardar observação, mas internar por causa de
cefaleia é muito difícil." (Médico 10)
Nota-se uma falha entre os médicos quanto à esco-
lha correta dos exames complementares e critérios de
internação. Há uma alta porcentagem de solicitação de
exames complementares entre não especialistas, mesmo
sem evidências de que esses exames possam contribuir
para o esclarecimento diagnóstico.
(12)
A maioria dos médicos não neurologistas desconhece
os critérios utilizados para diagnóstico e classificação das
formas mais frequentes de cefaleias primárias. A Socie-
dade Internacional das Cefaleias promoveu uma padro-
nização dos critérios diagnósticos, com o objetivo de
uniformizar os sintomas e síndromes presentes nas cefa-
leias primárias. O intuito é evitar variações no diagnóstico
dessas cefaleias pelos diversos observadores e assim
melhorar a acurácia diagnóstica e a orientação terapêutica,
tornar esse transtorno reconhecido como doença
neurobiológica e minimizar os prejuízos ao seu portador.
(13)
Diante dos frequentes equívocos observados nas
entrevistas, nota-se a necessidade de se estabelecerem
critérios para investigação laboratorial das cefaleias
agudas e padronizar as condutas, com drogas disponíveis
em hospitais públicos, frente aos principais tipos de
cefaleia primária.
Considerando que a enxaqueca deve ser vista como
um problema de saúde pública, é necessária a intro-
dução de ferramentas e programas de triagem eficazes
para garantir que os pacientes migranosos não sejam
subjulgados ou mesmo subdiagnosticados.
No decorrer da nossa pesquisa, uma dificuldade
encontrada para a realização das entrevistas foi a
disponibilidade dos médicos, como se trata de um
ambiente de emergência muitos estavam ocupados no
momento da visita dos pesquisadores. Além disso, o
receio dos médicos de se exporem foi considerado
também uma limitação.
CONCLUSÃO
Como pôde ser observado, a totalidade dos médi-
cos entrevistados relatou ter contato com pacientes
migranosos nos serviços de pronto-atendimento. Tal fato
O MÉDICO E A MIGRÂNEA: CONHECIMENTO E PROCEDIMENTOS AO ACOLHIMENTO A PACIENTES
EM UM SERVIÇO DE PRONTO-ATENDIMENTO
12 Headache Medicine, v.4, n.1, p.5-12, Jan./Fev./Mar. 2013
Correspondência
Mauro Eduardo JurnoMauro Eduardo Jurno
Mauro Eduardo JurnoMauro Eduardo Jurno
Mauro Eduardo Jurno
Rua Fernando Laguardia 45 – Santa Tereza II
36201-118 – Barbacena, MG
e-mail: jurno@uol.com.br
demonstra que por ser frequente, é importante o manejo
correto dos pacientes em crise migranosa nesses ambi-
entes.
Diante do estudo realizado notou-se uma
deficiência no acolhimento do paciente migranoso e
no conhecimento dos médicos em relação a essa
patologia, o que reflete em uma propedêutica e
tratamento ineficazes.
O fato de que 60% dos entrevistados afirmaram
desconhecer as diretrizes para tratamento das dores de
cabeça da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe)
demonstra a necessidade de programas de educação
continuada para médicos de atendimento primário em
relação aos critérios de tratamento da migrânea.
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