Headache Medicine, v.7, n.4, p.159, Oct./Nov./Dec. 2016 159
Alan Chester Feitosa de Jesus
Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Cefaleia
Chegamos ao final de mais uma edição do nosso
congresso e acredito que o balanço é altamente positivo,
já deixando saudades e crescente expectativa para o pró-
ximo evento.
Sem sombra de dúvidas, o instante de discussão de
casos por renomados especialistas é um momento único e
sempre muito esperado por todos. Entretanto, como em
outros congressos, é natural que aconteçam embates de
ideias e condutas díspares entre os colegas que analisam
a problemática virtual de casos brilhantemente seleciona-
dos. De uma forma geral, acabamos por entender as
nuances de cada conduta, mesmo não concordando com
essa ou aquela escolha, e ao final é cumprida a tarefa de
ampliar ainda mais nosso leque de conhecimentos e alter-
nativas diante de casos complexos, ou apenas pitorescos.
Ora, mas por que condutas tão distintas em casos
pontuais se vivemos a "Era da Medicina Baseada em Evi-
dências"? Por que, apesar de discutirmos um caso de
Migrânea Crônica, em nenhum momento pensamos – e
me incluo neste rol – em usar Toxina Botulínica? Será que
a Medicina Baseada em Evidência não é plenamente apli-
cável à vida real e os protocolos são guias particularmen-
te úteis aos não especialistas? Seria o "toque do chef" dos
ultra especialistas uma consequência natural da árdua de-
dicação aos estudos, além do conjunto de experiência
adquirida dos milhares de pacientes atendidos ao longo
dos anos, ao melhor estilo Saint Exupery?
Diante das divagações anteriores, lembro da exce-
lente palesta do Dr Luiz Paulo Queiroz, que nos brindou
com assertivas referentes às peculiaridades do manejo dos
cefaleicos usuários do SUS.
Claramente saímos de sua aula com o reforço da
ideia de que nós, médicos neurologistas e especialistas
em cefaleias, somos a solução – ou parte dela – dentro de
um contexto de dificuldades, especialmente de falta de
medicamentos ou mesmo da indisponibilidade das me-
lhores opções terapêuticas em alguns casos.
Nesse átimo percebo então que talvez essas duas dis-
cussões do XXX Congresso Brasileiro de Cefaleia tenham
XXX Congresso Brasileiro de Cefaleia, o dilema da
medicina baseada em evidência e o SUS
OPINIÃO PESSOAL
uma ligação direta entre elas: "...vende mais porque é
fresquinho ou é fresquinho porque vende mais"?
Certamente todos nós, médicos brasileiros, em maior
ou menor escala já vivenciamos a realidade do SUS e, de
certa forma, as dificuldades estruturais deste sistema nos
levaram a encontrar alternativas para a investigação
diagnóstica e o tratamento de muitos dos pacientes que
avaliamos. Porém, o fato de conseguirmos efetivamente
lidar com adversidades não deveria ser um limitante ou
justificativa tácita para não lutarmos pela inclusão em pro-
tocolos de dispensação de medicamentos que julguemos
pertinentes ao tratamentos de nossos clientes. Acrescento
aos motivos de diversidade de condutas as particularida-
des de cada região em que atende cada especialista, infe-
lizmente encarada de forma natural num país de dimen-
sões continentais e com população cada vez mais depen-
dente das decisões políticas que interferem na saúde pú-
blica.
Realmente o tema é complexo e somos apenas uma
parte do todo. Porém, somos a parte que tem respaldo na
experiência prática do contato direto com o portador do
problema, e respaldo na literatura médico científica. Fa-
çamos então a nossa "Escolha de Sofia": se acreditamos
na nossa capacidade de improvisar, de realizar combina-
ções magistrais de fármacos e medidas não medica-
mentosas disponíveis ou, se compraremos a difícil peleja
de tentar convencer os órgãos competentes para que
disponibilizem e incorporem as inovações farmacológicas
e tecnológicas da nossa especialidade. Seria gratificante,
além de utópico, pensar em um mundo ideal, em que
faríamos uma escolha terapêutica específica por acredi-
tarmos em sua superioridade e não por esta ser apenas a
única opção disponível.
Recebido: 1º de novembro de 2016
Aceito: 3 de novembro de 2016