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Bruxismo do sono modifica a associação entre
disfunção temporomandibular dolorosa e alodínia
cutânea em pacientes migranosos
Sleep bruxism modifies the association between painful temporomandibular
dysfunction and cutaneous allodynia in migraine patients
Guilherme Vinícius do Vale Braido*; Marco Túlio Faria Oliveira; Leticia Bueno Campi;
Paula Cristina Jordani; Giovana Fernandes; Daniela Aparecida de Godoi Gonçalves
Disciplina de Disfunção Temporomandibular e Oclusão, Departamento de Materiais Odontológicos e Prótese,
Faculdade de Odontologia de Araraquara-UNESP, SP, Brasil
Braido GVV, Oliveira MTF, Campi LB, Jordani PC, Fernandes G, Gonçalves DAG. Bruxismo do sono modifica a
associação entre disfunção temporomandibular dolorosa e alodínia cutânea em pacientes migranosos.
Headache Medicine. 2016;7(4):150-3
SHORT COMMUNICATION
INTRODUÇÃO
A alodínia cutânea (AC) refere-se à percepção de dor
em resposta a estímulos não nocivos, e é considerada uma
manifestação clínica da sensibilização central (SC).
(1)
Apro-
ximadamente dois terços dos indivíduos migranosos de-
senvolvem AC durante as crises de migrânea (AC ictal).
(2)
Estudos prévios demonstraram uma relação de comor-
bidade entre migrânea e disfunção temporomandibular
(DTM) dolorosa. Ainda, a presença da DTM dolorosa pode
aumentar a frequência e a intensidade das crises de
migrânea
(3)
e também a severidade da AC.
(4)
Adicionalmente, o bruxismo do sono (BS) associado
à DTM dolorosa parece aumentar o risco para migrânea
crônica.
(5)
A possível atividade nociceptiva periférica con-
tínua, consequente do BS, pode colaborar com a manu-
tenção da SC aumentando o risco para DTM dolorosa e
migrânea crônica. Assim, nossa hipótese é de que o BS
pode interferir na associação entre DTM dolorosa e AC
em pacientes migranosos.
PROPOSIÇÃO
Investigar a influência do provável bruxismo do sono
na associação entre disfunção DTM dolorosa e alodínia
cutânea ictal em pacientes migranosos.
MÉTODO
Realizamos um estudo transversal em uma amostra
de 238 indivíduos migranosos que procuraram tratamen-
to para dor orofacial na Faculdade de Odontologia de
Araraquara – UNESP. O estudo foi aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa (CAAE 15636913.6.0000.5416) e
cada participante assinou um termo de consentimento li-
vre e esclarecido.
Todos os indivíduos foram avaliados de acordo com
um protocolo padronizado. Três pesquisadores conduzi-
ram as avaliações, sendo que o pesquisador responsável
pela avaliação da AC ictal não tinha acesso às informa-
ções sobre a presença de BS e DTM dolorosa.
A. Variável Dependente: migrânea foi classifi-
cada de acordo com os critérios da Classificação Inter-
nacional das Cefaleia, 2° ed. A amostra foi estratificada
de acordo com a frequência das crises de migrânea
durante o último mês em: (1) episódica de baixa
frequência (< de 5 crises); (2) episódica de frequência
intermediária (5-9 crises); (3) episódica de alta (10-14
dias); e (4) crônica diária (15 ou mais dias). AAC ictal
foi avaliada pelo questionário Allodynia Symptoms
Checklist 12, traduzido e validado para a língua por-
tuguesa do Brasil.
(6)
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B. Variáveis Independentes: DTM foi classifica-
da pelo Eixo I do Research Diagnostic Criteria for
Temporomandibular Disorders (RDC/TMD), e o provável
bruxismo do sono pelos critérios clínicos da American
Academy of Sleep Medicine.
C. Variáveis de confusão: o gênero e a idade;
presença de obesidade (Índice de Massa Corporal - IMC)
e depressão (Eixo II do RDC/TMD).
Critérios de exclusão: ausência total de den-
tes (mesmo usando próteses totais convencionais); au-
sência parcial de dentes sem uso de prótese; com-
prometimento da capacidade de comunicação; uso
contínuo de substâncias para alívio da dor ou que
atuem no sistema nervoso central; presença de outras
condições dolorosas (como outras cefaleias e fibro-
mialgia).
Análise estatística: estatística descritiva e conta-
gens de frequência foram utilizados para caracterizar a
amostra. Para o para estudo da influência do BS na asso-
ciação entre AC e DTM dolorosa foram construídos mo-
delos de regressão logistíca uni e multivariado (método
backward).
RESULTADOS
A AC foi identificada em 79% da amostra composta
por 238 migranosos (63,4% mulheres) (Tabela 1).
BRUXISMO DO SONO MODIFICA A ASSOCIAÇÃO ENTRE DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR DOLOROSA E
ALODÍNIA CUTÂNEA EM PACIENTES MIGRANOSOS
O modelo de regressão multivariado identificou que
o provável BS foi significativamente associado com AC
(OR = 2,6)(Tabela 2).
Ainda, encontramos que a associação entre DTM do-
lorosa e provável BS aumentou significativamente a chance
de AC ictal em migranosos (OR=3,6) (Tabela 3).
Finalmente, o provável BS estava estatisticamente as-
sociado com a migrânea episódica de frequência inter-
mediária (OR=2,8)e coma migrânea crônica (OR=2,4)
(Tabela 4).
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DISCUSSÃO
Nossos resultados mostraram que a presença
concomitante de DTM dolorosa e BS aumentou significa-
tivamente as chances do indivíduo apresentar AC ictal.
Não foram encontrados estudos prévios similares. Entre-
tanto, estudos experimentais têm demostrado que con-
trações musculares excêntricas provocam hipóxia e libe-
ração de substâncias inflamatórias e algogênicas. A pre-
sença dessas substâncias em associação com pH reduzi-
do pode sensibilizar nociceptores musculares e causar
sensibilização periférica, frequentemente encontrada em
casos de DTM dolorosa.
(7)
É importante considerar que
indivíduos com DTM dolorosa frequentemente apresen-
tam bruxismo do sono, causando uma sensibilização pe-
riférica contínua. Os impulsos nociceptivos vindos de es-
truturas do sistema mastigatório podem continuamente
estimular o subnúcleo caudado do nervo trigêmeo, es-
trutura de grande importância na fisiopatologia da
migrânea, e assim colaboram para um aumento do risco
de cronificação da migrânea e desenvolvimento de AC
ictal.
(8)
Esta hipótese é corroborada por achados de estu-
dos prévios, demonstrando que BS associado à DTM do-
lorosa aumenta a chance para presença de migrânea
crônica.
(5)
Em nossa amostra a presença isolada de BS não esta-
va associada com AC ictal. É importante enfatizar que BS
e DTM dolorosa podem estar associadas no mesmo indiví-
duo, mas são entidades distintas. Tem sido sugerido que
indivíduos com BS e sem dor são capazes de se adaptar à
sobrecarga mecânica e são mais resistentes a fadiga.
Nossos resultados são relevantes para o controle da
DTM dolorosa e da migrânea em indivíduos apresentando
essa comorbidade. A redução de sensibilização periférica
induzida pelo BS pode contribuir para uma redução signi-
ficativa da sensibilização central e melhora de ambas as
condições.
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BRAIDO GVV, OLIVEIRA MTF. CAMPI LB, JORDANI PC, FERNANDES G, GONÇALVES DAG
Headache Medicine, v.7, n.4, p.150-153, Oct./Nov./Dec. 2016 153
BRUXISMO DO SONO MODIFICA A ASSOCIAÇÃO ENTRE DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR DOLOROSA E
ALODÍNIA CUTÂNEA EM PACIENTES MIGRANOSOS
Correspondência
Guilherme Vinícius do Vale Braido
Disciplina de Disfunção Temporomandibular e Oclusão,
Departamento de Materiais Odontológicos e Prótese,
Faculdade de Odontologia de Araraquara-UNESP
Araraquara, SP, Brasil
Recebido: 5 de outubro de 2016
Aceito: 20 de outubro de 2016
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