IN MEMORIAM
Dr. Getúlio Daré Rabello (1951- 2016)
Antonio Cesar Ribeiro Galvão
Médico, neurogista. Professor-assistente da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, SP, Brasil
Já se vão 7 meses desde que o destino levou de
maneira abrupta e inesperada o Dr. Getúlio Daré Rabello,
um dos mais competentes neurologistas de nossa gera-
ção. Conhecia-o há quase 50 anos; fomos colegas de
turma no curso de Medicina, depois na residência de
Neurologia no Hospital das Clínicas da FMUSP e sem-
pre fomos bons amigos.
O Getúlio prezava pela inteligência e mostrava uma
personalidade marcante; era brilhante, tenaz, obstina-
do, perspicaz, estudioso, tudo isso gerado pela supera-
ção de enormes obstáculos em sua vida. Nasceu em
família de poucas posses; seu pai era cobrador de bon-
des da extinta Light (depois CMTC) e faleceu de leucemia
quando o Getúlio tinha 4 anos, deixando-o órfão na
tenra infância. Com 12,13 anos já manifestava seu ob-
jetivo de um dia ser médico, e, sabendo das dificulda-
des econômicas de sua família, dedicou-se com afinco
Dr. Getúlio Daré Rabello
aos estudos. Aos 14 anos foi trabalhar como contínuo
em um banco enquanto completava o curso secundário
noturno num colégio público no bairro da Penha em
São Paulo. E ainda assim, com todas essas dificuldades,
em 1969 conseguiu a façanha de passar no vestibular
para a Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo sem fazer o cursinho, pois não tinha recursos para
tal, o que despertou permanente admiração em todos
nós, seus colegas de turma.
Mas o Getúlio foi além! No primeiro ano da facul-
dade, o grande temor dos alunos era o curso e a prova
de Neuroanatomia, considerada o "terror" do ano leti-
vo. Lembro-me como hoje quando nosso professor de
Neuroanatomia, o exigente Eros Abrantes Erhart, fez
questão de anunciar na sala lotada que nunca havia
dado nota 10 para nenhum aluno até então, mas não
"tinha alternativa" a não conceder a nota máxima à prova
Galvão ACR. Dr. Getúlio Daré Rabello (1951- 2016).
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do Getúlio. Com merecimento adicionou mais ainda à
sua pessoa um enorme respeito de todos, alunos e pro-
fessores. Sempre incansável nos estudos, para se susten-
tar na faculdade, dava aulas noturnas de Biologia num
"cursinho de madureza" (hoje conhecido como supleti-
vo). Durante a graduação em Medicina ganhou três prê-
mios: como melhor aluno do curso básico, da disciplina
de Microbiologia e Imunologia e, na formatura em 1974,
lhe foi concedido o prêmio como o melhor aluno de
todo o curso.
Na residência mostrava seu grande pendor para a
Neurologia, mas muito mais como um excepcional mé-
dico, pois seus vastos conhecimentos de Medicina sem-
pre suplantaram a especialidade. Era extremamente de-
dicado aos seus pacientes, que o adoravam, e de mui-
tos se tornou amigo. Como seria de se esperar, com o
prestígio e a admiração de seus pares formou com o
tempo uma magnífica clínica particular, na qual boa
parte dos clientes eram médicos e seus parentes.
No Hospital das Clínicas da FMUSP tornou-se mé-
dico-assistente após o término da residência em 1977;
fez o Mestrado, o Doutorado e depois permaneceu como
Supervisor do Serviço de Neurologia de Emergência até
1986, quando assumiu a chefia do Serviço de Neurolo-
gia Clínica do Hospital Heliópolis. Foram nesses anos
que despontou sua capacidade de formação de novos
neurologistas. Era um grande professor! Com seu jeito
informal, despojado, ensinava Medicina (e não apenas
Neurologia) como poucos. Com sua maneira única de
se expressar, sua marca registrada, conseguia transmitir
de forma clara e direta seus conhecimentos. Tinha um
agudo senso clínico e sabia envolver os mais jovens com
sua energia e entusiasmo pela profissão. Considerava a
Medicina uma diversão e conseguiu seduzir para a Neu-
rologia muitos alunos do curso médico. Sempre foi um
eterno estudante e estudioso de todos os aspectos da
Medicina e era um tremendo formador de opiniões, um
neurologista que ia além dos livros. No Hospital
Heliópolis conseguiu dar um excelente padrão à forma-
ção de residentes em Neurologia e seus discípulos de
várias gerações estão espalhados em diversos locais do
Brasil para onde carregaram com certeza parte do seu
vasto saber, que ele dividia generosamente com todos.
Por muitos anos foi membro da Comissão de Edu-
cação e depois da Comissão de Ensino da Academia
Brasileira de Neurologia. Foi por muito tempo o princi-
pal responsável pelas provas para o título de especialis-
ta em Neurologia e por isso era conhecido e respeitado
por toda a comunidade neurológica do Brasil.
No Hospital das Clínicas continuou ajudando na
formação dos residentes coordenando o Ambulatório Di-
dático da Clínica Neurológica. Ao mesmo tempo assu-
miu em 1995 a chefia do Ambulatório de Cefaleias,
onde juntos, eu, a Dra. Ida Fortini, o Dr. José Osvaldo
de Oliveira Jr, a Dra. Dalva Carrocini e o Dr. Marcelo
Calderaro desfrutamos do seu brilhantismo e do seu
carisma por quase 20 anos, numa agradável convivên-
cia que foi cruelmente rompida por fato grotesco, muito
injusto e humilhante que o compeliu a se aposentar e se
afastar definitivamente do Hospital das Clínicas.
O Getulio não fugia dos desafios, pelo contrário os
procurava; vibrava com os casos complicados, os quais
geralmente eram solucionados. Em 1999 resolveu se
tornar advogado; dizia que queria vislumbrar horizontes
diferentes da Medicina. Mais uma vez demonstrou sua
incrível capacidade; prestou o vestibular na FUVEST e
entrou para o curso noturno da renomada Faculdade
de Direito da USP, no Largo São Francisco. Formou-se
sem problemas em 2003; nunca exerceu o Direito como
profissão, mas fez questão de prestar (e passar) no difícil
exame da OAB e aproveitou seus novos conhecimentos
como advogado para integrá-los em situações médicas;
costumava dar muitas aulas sobre aspectos legais da
Neurologia e foi membro da Câmara Técnica do Con-
selho Regional de Medicina até sua morte. Entretanto,
após algum tempo de formado em Direito fez uma con-
fissão reveladora à sua esposa Ivonete: "Não adianta,
eu sou mesmo um médico".
Como pessoa era uma figura ímpar, às vezes polê-
mica, inconfundível, inesquecível, iluminada! Com suas
opiniões fortes e peculiares se destacou em todas as ati-
vidades em que se envolveu. Era impossível o Getúlio
passar despercebido! Inegavelmente era divertido, ani-
mado e bem humorado. Seu "pão-durismo" era folclóri-
co; todos os seus amigos tinham histórias para contar,
mas também sabíamos que ele gostava de "fazer tipo"
com essa "sua fama". No fundo era uma alma genero-
sa, que jamais deixava de compartilhar sentimentos e
conhecimentos; nunca cobrou consulta da imensa quan-
tidade de médicos e seus familiares que o procuravam,
mesmo os que mal conhecia. Ao longo da vida foi de-
senvolvendo opiniões mais rígidas, mas sem nunca dei-
xar ter a humildade de ouvir as considerações dos ou-
tros colegas. Apesar de termos estudado juntos desde a
juventude, de sermos grandes amigos, sempre o consi-
derei como um mentor e mestre, não apenas de Neuro-
logia, mas principalmente da sua magnífica postura como
médico na qual sempre procurei me espelhar.
DR. GETÚLIO DARÉ RABELLO (1951- 2016)
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O Dr. Antonio Cezar Ribeiro Galvão é Neurologista, Mestre e
Doutor em Neurologia, Professor-Assistente da Clínica Neurológi-
ca do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo, atua nas áreas de Cefaleia e Dor tanto no nível
profissional como no institucional e associativo.
Como todos associados da SBCE o Dr. Antonio Cezar pran-
teou a morte de nosso colega Getúlio, e teve a gentileza de colocar
no papel suas lembranças e seus sentimentos sinceros sobre nos-
so tão querido colega que foi o Getúlio. Fica para o Getúlio o
nosso adeus e para o Antonio Cezar nosso muito obrigado pela
homenagem.
Pedro André Kowacs
Presidente da SBCe
Correspondência
Antonio Cesar Ribeiro Galvão
email: acrgalv@uol.com.br
Deixou-nos cedo! Ainda tinha muito para ensinar
aos mais jovens. Tinha paixão para correr e talvez tenha
se esquecido um pouco dos seus limites quando o se-
gundo infarto o surpreendeu. Nós, seus amigos, sentire-
mos muito sua falta e nunca vamos nos deixar de
reverenciá-lo por tudo que representou em nossas vidas.
Era um dedicado pai de família! Sua perda jamais dei-
xará de ser irreparável! Sentiremos muitas saudades e
mais ainda a sua esposa Ivonete, os filhos Lucia, Gui-
lherme e Francisco, o genro Luciano, a nora Virgínia e
o seu netinho Nicholas.
Recebido: June 26, 2016
Aceito: June 28, 2016
GALVÃO ACR
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