
do Getúlio. Com merecimento adicionou mais ainda à
sua pessoa um enorme respeito de todos, alunos e pro-
fessores. Sempre incansável nos estudos, para se susten-
tar na faculdade, dava aulas noturnas de Biologia num
"cursinho de madureza" (hoje conhecido como supleti-
vo). Durante a graduação em Medicina ganhou três prê-
mios: como melhor aluno do curso básico, da disciplina
de Microbiologia e Imunologia e, na formatura em 1974,
lhe foi concedido o prêmio como o melhor aluno de
todo o curso.
Na residência mostrava seu grande pendor para a
Neurologia, mas muito mais como um excepcional mé-
dico, pois seus vastos conhecimentos de Medicina sem-
pre suplantaram a especialidade. Era extremamente de-
dicado aos seus pacientes, que o adoravam, e de mui-
tos se tornou amigo. Como seria de se esperar, com o
prestígio e a admiração de seus pares formou com o
tempo uma magnífica clínica particular, na qual boa
parte dos clientes eram médicos e seus parentes.
No Hospital das Clínicas da FMUSP tornou-se mé-
dico-assistente após o término da residência em 1977;
fez o Mestrado, o Doutorado e depois permaneceu como
Supervisor do Serviço de Neurologia de Emergência até
1986, quando assumiu a chefia do Serviço de Neurolo-
gia Clínica do Hospital Heliópolis. Foram nesses anos
que despontou sua capacidade de formação de novos
neurologistas. Era um grande professor! Com seu jeito
informal, despojado, ensinava Medicina (e não apenas
Neurologia) como poucos. Com sua maneira única de
se expressar, sua marca registrada, conseguia transmitir
de forma clara e direta seus conhecimentos. Tinha um
agudo senso clínico e sabia envolver os mais jovens com
sua energia e entusiasmo pela profissão. Considerava a
Medicina uma diversão e conseguiu seduzir para a Neu-
rologia muitos alunos do curso médico. Sempre foi um
eterno estudante e estudioso de todos os aspectos da
Medicina e era um tremendo formador de opiniões, um
neurologista que ia além dos livros. No Hospital
Heliópolis conseguiu dar um excelente padrão à forma-
ção de residentes em Neurologia e seus discípulos de
várias gerações estão espalhados em diversos locais do
Brasil para onde carregaram com certeza parte do seu
vasto saber, que ele dividia generosamente com todos.
Por muitos anos foi membro da Comissão de Edu-
cação e depois da Comissão de Ensino da Academia
Brasileira de Neurologia. Foi por muito tempo o princi-
pal responsável pelas provas para o título de especialis-
ta em Neurologia e por isso era conhecido e respeitado
por toda a comunidade neurológica do Brasil.
No Hospital das Clínicas continuou ajudando na
formação dos residentes coordenando o Ambulatório Di-
dático da Clínica Neurológica. Ao mesmo tempo assu-
miu em 1995 a chefia do Ambulatório de Cefaleias,
onde juntos, eu, a Dra. Ida Fortini, o Dr. José Osvaldo
de Oliveira Jr, a Dra. Dalva Carrocini e o Dr. Marcelo
Calderaro desfrutamos do seu brilhantismo e do seu
carisma por quase 20 anos, numa agradável convivên-
cia que foi cruelmente rompida por fato grotesco, muito
injusto e humilhante que o compeliu a se aposentar e se
afastar definitivamente do Hospital das Clínicas.
O Getulio não fugia dos desafios, pelo contrário os
procurava; vibrava com os casos complicados, os quais
geralmente eram solucionados. Em 1999 resolveu se
tornar advogado; dizia que queria vislumbrar horizontes
diferentes da Medicina. Mais uma vez demonstrou sua
incrível capacidade; prestou o vestibular na FUVEST e
entrou para o curso noturno da renomada Faculdade
de Direito da USP, no Largo São Francisco. Formou-se
sem problemas em 2003; nunca exerceu o Direito como
profissão, mas fez questão de prestar (e passar) no difícil
exame da OAB e aproveitou seus novos conhecimentos
como advogado para integrá-los em situações médicas;
costumava dar muitas aulas sobre aspectos legais da
Neurologia e foi membro da Câmara Técnica do Con-
selho Regional de Medicina até sua morte. Entretanto,
após algum tempo de formado em Direito fez uma con-
fissão reveladora à sua esposa Ivonete: "Não adianta,
eu sou mesmo um médico".
Como pessoa era uma figura ímpar, às vezes polê-
mica, inconfundível, inesquecível, iluminada! Com suas
opiniões fortes e peculiares se destacou em todas as ati-
vidades em que se envolveu. Era impossível o Getúlio
passar despercebido! Inegavelmente era divertido, ani-
mado e bem humorado. Seu "pão-durismo" era folclóri-
co; todos os seus amigos tinham histórias para contar,
mas também sabíamos que ele gostava de "fazer tipo"
com essa "sua fama". No fundo era uma alma genero-
sa, que jamais deixava de compartilhar sentimentos e
conhecimentos; nunca cobrou consulta da imensa quan-
tidade de médicos e seus familiares que o procuravam,
mesmo os que mal conhecia. Ao longo da vida foi de-
senvolvendo opiniões mais rígidas, mas sem nunca dei-
xar ter a humildade de ouvir as considerações dos ou-
tros colegas. Apesar de termos estudado juntos desde a
juventude, de sermos grandes amigos, sempre o consi-
derei como um mentor e mestre, não apenas de Neuro-
logia, mas principalmente da sua magnífica postura como
médico na qual sempre procurei me espelhar.
DR. GETÚLIO DARÉ RABELLO (1951- 2016)
Headache Medicine, v.7, n.3, p.74-76, Jul./Aug./Sep. 2016 75