Headache Medicine, v.7, n.1, p.11-14, Jan./Feb./Mar. 2016 11
Cefaleia como sentença de morte
Headache as a death sentence
Adriana de Almeida Soares
1
, Fernando Jacó Silva Moreira
2
, Mariana Leite Pereira
2
, Rayssa Fernandes de Souza
Coelho
2
, Allyson Coelho Ribeiro
3
, Augusto César Beserra Martins
3
, Ítalo Araújo Rios Brandão
3
, July Lima Gomes
3
,
Kamilla Gomes de Sales Souza
3
, Laysa Moura Cardoso Leal
3
, Luís Gustavo Silva Bacelar de Andrade
3
,
Vanessa Nepomuceno da Fonseca Meneses
3
, Raimundo Pereira Silva-Néto
4
1
Nutricionista, Centro de Neurologia e Cefaleia do Piauí, Teresina, PI, Brasil
2
Estudante de Medicina da Universidade Estadual do Piaui, Teresina, PI, Brasil
3
Estudante de Medicina da Faculdade Integral Diferencial, Facid/DeVry, Teresina, PI, Brasil
4
Professor Assistente de Neurologia, Universidade Estadual do Piauí, Teresina, PI, Brasil
Soares
AA, Moreira FJS, Pereira
ML, Coelho RFS, Ribeiro AC, Martins ACB, et al.
Cefaleia como sentença de morte. Headache Medicine. 2016;7(1):11-14
As cefaleias secundárias se caracterizam por apre-
sentar uma lesão estrutural que pode levar a um risco
iminente de morrer ou de causar alguma sequela irreversível.
Na ICHD-3β, são de reconhecida gravidade as cefaleias
atribuídas a trauma cefalálico, doença vascular e transtor-
no intracraniano não vascular.
(10)
Cefaleia pós-traumática aguda atribuída à
lesão cefálica grave
Esta cefaleia é decorrente de um trauma cefálico
grave, podendo o paciente evoluir com perda da consci-
ência por mais de trinta minutos, diminuição do nível
consciência (escala de coma de Glasgow < 13), amné-
sia pós-traumática por mais de 48 horas e/ou demons-
tração por imagem de lesão traumática encefálica, tais
como, hematoma cerebral, hemorragia intracerebral e/
ou subaracnoidea, contusão cerebral e/ou fratura de crâ-
nio.
(10)
Cefaleia atribuída a hematoma intracraniano
traumático
É uma cefaleia de início agudo, sem outras caracte-
rísticas típicas conhecidas, que aparece dentro de 24 ho-
ras após o desenvolvimento de um hematoma epidural ou
subdural. Este hematoma é decorrente de um trauma
craniano e pode ser evidenciado através de exame de
neuroimagem.
(10)
HUMANIDADES
INTRODUÇÃO
Em um ambulatório de cefaleias, o neurologista de-
para-se, frequentemente, com situações em que o diag-
nóstico é uma sentença de morte. Assim sendo, é de sua
responsabilidade dar essa notícia ao paciente, uma das
tarefas mais difíceis.
(1,2)
Nessa forma de comunicação, o médico depende de
sua experiência e julgamento pessoais em relação à deci-
são de informar ao paciente sobre o seu diagnóstico, bem
como sobre a melhor maneira de comunicá-lo.
(3-5)
Revelar o diagnóstico ao paciente é dever do médico
e está previsto em seu código de ética profissional.
(6-8)
A
não revelação só é permitida em casos de pacientes
pediátricos, ou quando suas condições físicas ou psicoló-
gicas não permitem uma correta compreensão de sua do-
ença, devendo, nesse caso, o diagnóstico ser dito à famí-
lia ou responsável.
(9)
CEFALEIAS POTENCIALMENTE GRAVES
A International Classification of Headache Disorders,
Third edition (beta version) (ICHD-3β) é dividida em
cefaleias primárias e secundárias, neuralgias cranianas e
dores faciais. Desta classificação, apenas as cefaleias se-
cundárias, ou seja, menos de 10% de todas as cefaleias,
são potencialmente graves.
(10)
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SOARES AA, MOREIRA FJS, PEREIRA ML, COELHO RFS, RIBEIRO AC, MARTINS ACB, ET AL
O paciente poderá apresentar transtornos da cons-
ciência e a presença de sinais neurológicos focais. Seu
tratamento depende da drenagem do hematoma e se cons-
titui numa emergência médica.
(10)
Cefaleia atribuída à hemorragia intracraniana
não traumática
É uma cefaleia aguda que surge simultaneamente ou
em relação temporal muito estreita com uma hemorragia
intracerebral, intracerebelar ou subaracnoidea de origem
não traumática.
(10)
Geralmente, a cefaleia é obscurecida por déficits fo-
cais ou coma, mas pode ser o sintoma precoce mais pro-
eminente da hemorragia intracerebelar, a qual requer
descompressão cirúrgica de emergência.
Cefaleia atribuída à malformação vascular
não rota
É uma cefaleia nova e aguda causada por aneurisma
sacular, malformação arteriovenosa ou fístula arteriovenosa
dural, os quais são evidenciados por exames de neuro-
imagem.
(10)
Comumente, a cefaleia está associada a lesões dolo-
rosas de nervos cranianos, como, por exemplo, paralisia
do terceiro nervo, no aneurisma sacular; e oftalmoplegia,
nas fístulas carotídeo-cavernosas.
(10)
Cefaleia atribuída à arterite de células gigantes
A cefaleia é decorrente do comprometimento auto-
imune de artérias sistêmicas, preferencialmente as de mai-
or calibre, como as temporais, carótidas, vertebrais e aorta.
No entanto, quando afeta as artérias ciliares, oftálmicas e
central da retina, o paciente poderá evoluir com crises
repetidas de amaurose fugaz.
(10)
O risco de amaurose é o surgimento de neurite óptica
isquêmica anterior que poderá levar à cegueira irreversível,
mas que pode ser evitada pela administração imediata de
corticosteroides.
Cefaleia atribuída diretamente à neoplasia
intracraniana
É descrita como uma cefaleia progressiva, localiza-
da, que piora pela manhã e é agravada ao tossir ou incli-
nar a cabeça para frente. A neoplasia é demonstrada por
exames de neuroimagem.
(10)
Cefaleia atribuída à meningite bacteriana
A cefaleia é o sintoma mais comum da meningite
bacteriana e pode ser o primeiro. Faz parte da tríade de
sintomas da síndrome meníngea, a qual é composta por
cefaleia, vômitos e rigidez de nuca.
(10)
REAÇÃO DOS PACIENTES
Quando o paciente sabe que sua cefaleia é gravíssima,
como, por exemplo, decorrente de uma neoplasia intra-
craniana, ele não entende isso como uma sentença, mas
como uma execução de morte. De imediato, antevê as
possibilidades de sofrimento, decadência, exclusão social
e toda horda de horrores que costumam acompanhar a
morte.
(11)
Em geral, ao receber a notícia, alguns pacientes não
exibem reações identificáveis. Outros choram desconsola-
damente e, enquanto fazem isso, sua face fica, misteriosa-
mente, vazia.
(11,12)
Muitos começam a morrer, antes de qualquer desfe-
cho. Morrem seus planos, projetos, aspirações ou convic-
ções.
(11)
Poderão abandonar a ideia de envelhecer ao lado
do cônjuge ou de passar as próximas férias no Parque
Nacional Serra da Capivara ou no Parque Nacional de
Sete Cidades, no interior do Piauí, ou ainda, de conhecer
seus futuros netos.
COMO DAR A NOTÍCIA AO PACIENTE
Inevitavelmente, o médico terá que revelar o diag-
nóstico de uma cefaleia potencialmente grave ao paciente
ou aos seus familiares. Alguns comunicam essa notícia de
modo conciso: "sinto muito", mas, efetivo. Outros, na ten-
tativa de amenizar a situação, aproveitam-se do eufemis-
mo e substituem palavras como "câncer" por outras, tais
como, "neoplasia" ou "tumor". O diagnóstico continua o
mesmo: um câncer é um câncer, não importa a palavra
usada para nomeá-lo.
(3,6,12,13)
Há, ainda, aqueles médicos que usam a linguagem
não verbal. Nesse caso, a transmissão da mensagem in-
clui a linguagem corporal, gestos, expressões, inflexões e,
até mesmo, o silêncio. Quando alguém permanece silen-
cioso, está de fato, se comunicando, ao deixar claro que
não quer se comunicar.
(13,14)
Na verdade, não existe uma fórmula de como abor-
dar o paciente, mas devem-se respeitar as individualida-
des de cada um. Para isso, o médico deve escutá-lo com
a finalidade de conhecer o seu grau de informação sobre
a doença, suas expectativas e seu preparo para receber a
má notícia.
(14-16)
Existe uma ferramenta que tem ajudado nas facul-
dades da área de saúde, elaborada pelo médico inglês
Headache Medicine, v.7, n.1, p.11-14, Jan./Feb./Mar. 2016 13
Robert Alexander Buckman (1948-2011). Trata-se do
protocolo SPIKES, cujas letras dessa palavra são as iniciais
das seis etapas descritas, de maneira didática, para co-
municar más notícias: Setting up, preparando-se para o
encontro; Perception, percebendo o paciente; Invitation,
convidando para o diálogo; Knowledge, transmitindo a
informação; Emotions, expressando emoções; Strategy and
Summary, resumindo e organizando estratégias.
(17,18)
Na primeira etapa, o médico deve planejar a entre-
vista. É importante rever os dados que fundamentam o
diagnóstico: resultados de exames, tratamentos anteriores,
literatura médica e informações gerais sobre o paciente.
O médico precisa avaliar seus próprios sentimentos, posi-
tivos e negativos, sobre a transmissão da má notícia para
esse paciente.
(17,18)
Na segunda etapa, o médico deve procurar saber
como o paciente percebe sua doença, se é grave ou
não. Questionar o que já lhe foi dito sobre o seu quadro
clínico e o que procurou saber por fontes leigas ou pro-
fissionais, internet etc., qual é a sua compreensão sobre
as razões pelas quais foram feitos os exames. É funda-
mental corrigir desinformações e moldar a má notícia
para a compreensão e a capacidade de absorção do
paciente.
(17,18)
Na terceira etapa, o médico deve avaliar o desejo do
paciente em saber que tipo de cefaleia tem. Deve, tam-
bém, investigar se o paciente deseja informações detalha-
das sobre o diagnóstico, o prognóstico e os pormenores
dos tratamentos.
(17,18)
Na quarta etapa, o médico deve transmitir a notícia e
as informações ao paciente. O diagnóstico deve ser anun-
ciado com delicadeza. Preferentemente, o profissional deve
evitar os termos técnicos e adaptar-se ao vocabulário e ao
nível de compreensão do paciente. Deve, também, evitar
a dureza excessiva, amenizando a transmissão de detalhes
desnecessários. Se o prognóstico for ruim, não transmitir
desesperança e desistência, mas valorizar os cuidados pa-
liativos, o alívio dos sintomas e o acompanhamento soli-
dário.
(17,18)
Na quinta etapa, o médico deve expressar seus sen-
timentos e oferecer respostas afetivas às emoções dos
pacientes e de familiares. É necessário acolher a legíti-
ma expressão de sentimentos de ansiedade, raiva, tris-
teza ou inconformismo de pacientes e familiares, dan-
do-lhes algum tempo para se acalmarem e abrindo-
lhes as possibilidades de continuidade do acompanha-
mento.
(17,18)
Na sexta e última etapa, as principais questões aborda-
das devem ser resumidas e uma estratégia traçada para
ajudar os pacientes a sentirem-se menos ansiosos e inse-
guros. O médico deve compartilhar responsabilidades
na tomada de decisão com o paciente. Isto pode reduzir
qualquer sensação de fracasso da parte do médico, quan-
do o tratamento não é bem-sucedido. É preciso ser ho-
nesto sem destruir a esperança ou a vontade de viver dos
pacientes.
(17,18)
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R. P. Silva-Néto
Universidade Estadual do Piauí
Rua Olavo Bilac, 2335 - Centro
PI 64001-280 –Teresina, PI, Brasil
Tel. + 55 86 3221-4749
E-mail: neurocefaleia@terra.com.br
SOARES AA, MOREIRA FJS, PEREIRA ML, COELHO RFS, RIBEIRO AC, MARTINS ACB, ET AL
Recebido: 02 de março de 2016
Aceito: 10 de março de 2016