22 Headache Medicine, v.8, n.1, p.22-24, Jan./Feb./Mar. 2017
Contribuição de variáveis psicológicas na percepção da
dor em indivíduos com dor orofacial
Contribution of psychological variables in the perception of pain in individuals with
orofacial pain
Fernanda Salloume Sampaio Bonafé
1
, João Marôco
2
, Juliana Alvares Duarte Bonini Campos
3
1
Faculdade de Odontologia de Araraquara, Universidade Estadual Paulista – Araraquara, SP, Brasil
2
Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida-ISPA/IU – Lisboa, Portugal
3
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, Universidade Estadual Paulista – Araraquara, SP, Brasil
Bonafé FSS, Marôco J, Campos JADB. Contribuição de variáveis psicológicas na percepção da dor
em indivíduos com dor orofacial. Headache Medicine. 2017;8(1):22-4
INTRODUÇÃO
Segundo a Associação Internacional para o Estudo
da Dor (IASP),
(1)
a dor se caracteriza como "experiência
sensorial e emocional desagradável associada a um dano
real ou potencial dos tecidos, ou descrita em termos de tal
dano. A dor sempre é subjetiva e cada indivíduo aprende
a utilizar este termo por meio de suas experiências". Esta
definição remete tanto à multidimensionalidade da dor
quanto à individualidade da percepção dolorosa. Sendo
assim, a dor deixa de ser somente um fenômeno físico que
apresenta uma intensidade e passa a considerar a percep-
ção individual sobre o impacto que essa dor exerce na
vida de uma forma geral. Essas percepções têm sido
mensuradas a partir de escalas utilizando o autorrelato
dos indivíduos.
A percepção dolorosa é construída a partir de expe-
riências cognitivas, comportamentais e sociais que estão
refletidas no autorrelato. Algumas teorias, propostas na
literatura, buscam identificar os fatores intrínsecos a es-
sas experiências que podem determinar o comportamen-
to frente a dor dos indivíduos. Os processos cognitivo,
comportamental e emocional têm sido os mais aborda-
dos na conceituação e operacionalização da percepção
dolorosa.
Apesar de a literatura apresentar propostas teóricas
sólidas envolvendo esses aspectos, poucos são os estudos
que presentam evidências que confirmem e/ou refutem
essas teorias. Além disso, estudos relacionados ao impac-
to de variáveis psicológicas/comportamentais na percep-
ção da intensidade e da interferência da dor orofacial na
vida dos indivíduos são escassos.
Assim, o objetivo deste estudo foi investigar a contri-
buição de variáveis psicológicas na percepção da dor em
indivíduos adultos com dor orofacial.
MÉTODO
Desenho de estudo e tamanho amostral
Trata-se de estudo transversal. Foram convidados a
participar indivíduos adultos que buscaram atendimento
junto à Faculdade de Odontologia de Araraquara –
UNESP. O tamanho mínimo da amostra foi calculado es-
timando-se de cinco a dez indivíduos por item do modelo
teórico a ser testado. Como o modelo teórico apresenta
83 ítens, o tamanho amostral deveria ser composto por,
pelo menos, 415 pessoas.
Variáveis e procedimentos
Foram levantadas informações demográficas como
sexo, idade e nível econômico dos indivíduos. O nível eco-
nômico foi avaliado de acordo com o Critério Brasil-ABEP.
A intensidade e a interferência da dor na vida dos
participantes foram avaliadas a partir do Inventário Breve
de Dor (BPI).
(2)
A presença e a localização da dor orofacial
também foram investigadas.
SHORT COMMUNICATION
Headache Medicine, v.8, n.1, p.22-24, Jan./Feb./Mar. 2017 23
Para compor os processos cognitivos, foram inves-
tigadas a catastrofização (e seus fatores ruminação, de-
samparo e magnificação) e a atenção em relação à dor.
Para tanto, foram utilizados os instrumentos Escala de
Catastrofização da dor (PCS)
(3)
e o Questionário de Vigi-
lância e Consciência em relação à Dor (PVAQ),
(4)
respec-
tivamente.
As variáveis autoeficácia e locus de controle (locus
de controle interno, ao acaso, em profissionais e em ou-
tros) compuseram os processos comportamentais. Para tan-
to, foram utilizados o Questionário de Autoeficácia em
relação à Dor (PSEQ)
(5)
e a Escala Multidimensional de
Locus de Controle da Saúde - forma C (MHLC).
(6)
Os aspectos emocionais foram constituídos pelas va-
riáveis alexitimia (dificuldade de identificar e descrever sen-
timentos) e distresse geral (depressão, ansiedade e estresse).
Essas variáveis foram coletadas utilizando-se a Escala de
Alexitimia de Toronto - 20 (TAS)
(7)
e a Escala de Depres-
são, Ansiedade e Estresse - 21 (DASS).
(8)
Os dados foram coletados por meio de entrevista,
enquanto o indivíduo aguardava, na sala de espera, pelo
seu atendimento odontológico.
Análise Estatística
Foi realizada análise fatorial confirmatória utilizando
os índices de qualidade de ajustamento 2/gl, CFI, GFI e
RMSEA para verificar a validade dos instrumentos para a
amostra. A confiabilidade dos dados foi avaliada pela
Confiabilidade Composta (CC).
Foi proposto modelo de equações estruturais para
avaliar o impacto das variáveis psicológicas na percepção
da intensidade e da interferência da dor orofacial em indi-
víduos adultos.
Aspectos éticos
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Araraquara -
UNESP (CAAE: 14986014.0000.5416). Participaram
deste estudo somente os indivíduos que concordaram e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
Participaram 438 indivíduos adultos que relataram dor
na região orofacial. A média de idade foi de 36 (DP=9)
anos. A caracterização da amostra encontra-se na Tabela 1.
Nota-se que a maioria eram mulheres, com nível eco-
nômico médio, casadas e que reportavam dor orofacial
de possível origem odontogênica.
Todos os instrumentos utilizados, ou seja, o Inventário
Breve de Dor (BPI), a Escala de Catastrofização da dor
(PCS), o Questionário de Vigilância e Consciência em
relação à Dor (PVAQ), o Questionário de Autoeficácia
em relação à Dor (PSEQ), a Escala Multidimensional de
Locus de Controle da Saúde - forma C (MHLC), a Escala
de Alexitimia de Toronto - 20 (TAS) e a Escala de Depres-
são, Ansiedade e Estresse - 21 (DASS) apresentaram ajus-
tamento adequado aos dados (χ
2
/gl<5,00,CFI e
GFI>0,90 e RMSEA <0,10) apontado para adequada
validade dos resultados obtidos. Observou-se adequada
confiabilidade dos dados obtidos (CC>0,70). Ressalta-
se, no entanto, que foi necessário refinamento da estrutu-
ra dos instrumentospara que os mesmos se ajustassem ade-
quadamente aos dados da amostra.
Em relação ao modelo teórico proposto para avaliar
o impacto das variáveis psicológicas na percepção dolo-
rosa dos indivíduos, as variáveis ruminação, magni-
ficação, atenção, autoeficácia, locus de controle em ou-
tros, dificuldade de descrever/identificar sentimento e
distresse geral apresentaram impacto significativo
(p<0,05) na percepção da dor dos indivíduos. Este mo-
delo apresentou adequado ajustamento aos dados da
amostra (χ
2
/gl=1,665;CFI=0,915 e RMSEA=0,039).
Além disso, o modelo proposto explicou 24% da vari-
abilidade da percepção da intensidade da dor e 65% da
variabilidade da percepção da interferência da dor na vida
dos indivíduos.
CONTRIBUIÇÃO DE VARIÁVEIS PSICOLÓGICAS NA PERCEPÇÃO DA DOR EM INDIVÍDUOS COM DOR OROFACIAL
24 Headache Medicine, v.8, n.1, p.22-24, Jan./Feb./Mar. 2017
CONCLUSÃO
As variáveis psicológicas apresentaram contribuição
significativa na percepção da intensidade e da interferên-
cia da dor na vida de indivíduos adultos com dor orofacial.
REFERÊNCIAS
1. International Association for the Study of Pain (IASP). Pain terms:
a list with definitions and notes on usage. Pain. 1979;6:249-
252.
2. Cleeland CS, Ryan KM. Pain Assessment: global use of the Brief
Pain Inventory. Ann Acad Med Singapore. 1994 Mar;23(2):
129-38.
3. Sullivan MJL, Bishop SR, Pivik J. The Pain Catastrophizing Scale:
Development and validation. Psychol Assess. 1995;7(4):524-
532.
4. McCracken LM. ''Attention'' to pain in persons with chronic pain:
A behavioral approach. Behav Ther. 1997;28(2):271-284.
5. Nicholas MK. Self-efficacy and chronic pain. Paper presented at
the annual conference of the British Psychological Society. 1989.
6. Wallston KA, Stein MJ, Smith CA. Form-C of the MHLC Scales -
a condition-specific measure of locus of control. J Pers Assess.
1994 Dec;63(3):534-53.
7. Bagby RM, Parker JD, Taylor GJ. The twenty-item Toronto
Alexithymia Scale--I. Item selection and cross-validation of the
factor structure. J Psychosom Res. 1994 Jan;38(1):23-32.
8. Lovibond SH, Lovibond PF. Manual for the Depression Anxiety
Stress Scales (DASS). Psychology Foundation Monograph.
Australia: The Psychology Foundation 1993.
Correspondência
Fernanda Salloume Sampaio Bonafé
Faculdade de Odontologia de Araraquara
Universidade Estadual Paulista
Araraquara, SP, Brasil
Recebido: 06 de outubro de 2016
Aceito: 10 de outubro de 2016
BONAFÉ FSS, MARÔCO J, CAMPOS JADB