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Alodínia cutânea em pacientes com odontalgia atípica
Cutaneous allodynia in patients with atypical odontalgia
Juliana Stuginski-Barbosa, André Luís Porporatti, Paulo César Rodrigues Conti
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Departamento de Odontologia – Florianópolis, SC, Brasil
Stuginski-Barbosa J, Porporatti AL, Conti PCR. Alodínia cutânea em pacientes com odontalgia atípica.
Headache Medicine. 2017;8(1):19-21
INTRODUÇÃO
Odontalgia atípica (OA) é uma dor neuropática crô-
nica, constante, de moderada a forte intensidade, locali-
zada na região dentoalveolar e na mucosa oral, não atri-
buída a outra condição. A Associação Internacional para
o Estudo da Dor (International Association for the Study
of Pain – IASP) definiu OA como uma dor contínua,
latejante e severa no dente sem associação com nenhuma
patologia maior. Frequentemente a dor está presente por
meses e até mesmo anos, sem alterações significativas em
suas características clínicas. OA está atualmente incluída
na classificação da Sociedade Internacional de Cefaleia
(International Headache Society – IHS) na categoria cha-
mada de Neuropatia Trigeminal Dolorosa Pós-traumática
(IHS 13.1.2.3).
Pacientes com OA podem apresentar clinicamente
alterações somatossensoriais de alodínia, hiperalgesia no
local da dor e exacerbação da dor por fatores térmicos,
mecânicos e/ou químicos. Os testes sensoriais quantitati-
vos (TSQs) são ferramentas adequadas para avaliar a pre-
sença dessas alterações.
Alodínia é uma resposta dolorosa perante um estímu-
lo que normalmente não causa dor, ou um estímulo inó-
cuo. A alodinia cutânea (AC) é uma dor provocada por
estímulos inócuos na pele.
OBJETIVOS
Estimar a ocorrência de AC em pacientes com OA e
correlacionar com sintomas de ansiedade e depressão,
qualidade do sono, qualidade de vida e resultados de
TSQs.
MÉTODOS
Este trabalho recebeu o apoio da Fundação de Am-
paro à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (2013/
15496-1). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Bauru
– Universidade de São Paulo (FOB-USP). O termo de con-
sentimento livre e esclarecido por escrito foi obtido de to-
dos os participantes.
Adultos de ambos os sexos passaram por uma
anamnese, que incluiu dados pessoais, queixa principal,
histórico médico e odontológico, e exame físico. A amos-
tra foi coletada dentre os pacientes que procuraram as
clínicas de atendimento odontológico da FOB-USP, de de-
zembro de 2013 a janeiro de 2015.
Antes da inscrição do sujeito no estudo, os pesqui-
sadores realizaram diagnóstico de OA com base nos cri-
térios: 1) dor persistente apresentando-se ao menos oito
horas ao dia, durante 15 dias ou mais por mês, e por
pelo menos três meses; 2) localizada em região
dentoalveolar; e 3) não causada por outra doença ou
distúrbio excluídos por exame odontológico, neurológi-
co e de imagem. O diagnóstico preciso investigou radio-
grafias periapicais do dente e/ou panorâmicas dos ossos
maxilares. Para alguns pacientes, a tomografia
computadorizada do tipo cone-beam foi realizada como
forma complementar.
Uma sequência de quatro TSQs foi realizada em to-
dos os sujeitos da pesquisa, instalados confortavelmente
em uma sala silenciosa com temperatura estável de 22ºC
a 25ºC. A duração de todos os testes foi de aproximada-
mente 25 minutos. Um pesquisador experiente realizou
todos os procedimentos e os participantes foram orien-
SHORT COMMUNICATION
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STUGINSKI-BARBOSA J, PORPORATTI AL, CONTI PCR
tados durante todo o processo para garantir precisão.
Os TSQs, aplicados sobre a mucosa dentoalveolar da re-
gião dolorosa relatada, englobaram:
Limite de Detecção Mecânica (LDM)
Este teste constou da utilização de um kit com vinte
monofilamentos de nylon (von Frey) com diâmetros dife-
rentes, calibrado para exercer forças específicas, variando
de 0,008 g/mm
2
a 300 g/mm
2
. Foi realizado para esti-
mar a menor força aplicada que os participantes reconhe-
ciam como toque leve e não dor. O método de limites foi
usado, onde aproximadamente seis a oito estímulos as-
cendente/descendente foram aplicados, e então a força
média foi calculada.
Limiar de Detecção Mecânica Dolorosa (LDMD)
O mesmo protocolo para LDM foi executado, no en-
tanto, neste momento buscou-se estimar a menor força
aplicada que os participantes reconheciam como dor e
não toque.
Alodinia Mecânica Dinâmica (AMD)
Dez segundos de ligeira vibração com um cotonete
foram aplicados na mucosa dentoalveolar (área estimada
de 2 mm
2
) e, imediatamente após, a intensidade da dor
foi registrada com o auxílio de uma Escala Analógica Vi-
sual (EAV) de 10 cm.
Somação Temporal (ST)
Um estímulo doloroso de 26 g/mm
2
foi aplicado
repetidamente durante trinta segundos utilizando-se um
monofilamento de von Frey (aproximadamente um es-
tímulo por segundo, na frequência de 1 Hz). No 1º,
10º, 20º, e 30º segundo, os indivíduos avaliaram a
intensidade da dor em uma Escala Analógica Numéri-
ca (EAN).
Além dos TSQ, o questionário Allodynia Symptom
Checklist (ASC-12) em sua versão em Português brasileiro
foi utilizado para aferir a AC utilizando 12 questões sobre
frequência de sintomas de alodínia. As questões abrangi-
am perguntar se, durante a dor mais forte, os sujeitos sen-
tiam incômodo ao fazer a barba, usar óculos, prender os
cabelos, escovar os cabelos, ao usar roupas justas, entre
outras.
Neste estudo, a frequência dos sintomas de alodínia
foi investigada baseada nos últimos trinta dias de dor e
não nas "crises de cefaleia" como originalmente desen-
volvido. Ainda, sintomas de ansiedade foram verificados
utilizando o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), en-
quanto o Inventário de Depressão de Beck (BDI) verificou
sintomas de depressão. Índice de Qualidade do Sono de
Pittsburgh (PSQI) foi utilizado para verificar a qualidade
do sono e o Questionário Short-Form 36 (SF-36) foi utiliza-
do para verificar qualidade de vida. Para a análise estatís-
tica, o coeficiente de correlação de Spearman (rho) foi
utilizado para estimar as correlações entre as variáveis.
Toda a análise foi realizada com o auxílio do programa
MINITAB® 16 (Minitab Inc. State College, Pensilvania,
EUA). Os resultados foram considerados a um nível de
significância de 5%.
Certificado de Apresentação para Apreciação Éti-
ca:#19840113.2.0000.5417
RESULTADOS
Um total de 42 indivíduos foialiado, sendo que ape-
nas vinte sujeitos preencheram os critérios de inclusão para
OA. A idade foi de 58,5± 12,9 anos. As mulheres foram
mais prevalentes com 75% dos casos (n=15), e a região
mais afetada foi a mandíbula com 65% (n=13). Em mé-
dia, a duração da dor nos indivíduos com OA foi de 42,33
meses (9 a 120 meses).
Segundo o questionário ASC-12, 15% dos sujeitos
apresentaram AC grave, 15% moderada, 25% leve e 45%
nenhuma AC. Escores do ASC-12 foram correlacionados
positivamente com escores do questionário BAI
(rho=0.682; p=0,001) (Figura 1), e BDI (rho=0.523;
p=0,018) (Figura 2).
Nenhum resultado dos TQS realizados apresentou cor-
relação significativa com o escore do questionário ASC-
12 (Tabela 1).
Figura 1. Correlação entre os valores do questionário Allodynia Symptom
Checklist (ASC-12) e os escores do Inventário de Ansiedade de Beck
(BAI).
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Figura 2. Correlação entre os valores do questionário Allodynia Symptom
Checklist (ASC-12) e os escores do Inventário de Depressão de Beck
(BDI).
CONCLUSÕES
A maioria dos pacientes com OA apresenta AC, o
que sugere que este sintoma também precisa ser investiga-
do na clínica. A severidade da AC foi correlacionada com
sintomas de ansiedade e depressão.
REFERÊNCIAS
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management. J Oral Rehabil. 2008 Jan;35(1):1-11
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Correspondência
André Porporatti
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Departamento de Odontologia
Florianópolis, SC, Brasil
andreporporatti@yahoo.com.br
Recebido: 05 de outubro de 2016
Aceito: 10 de novembro de 2016
ALODÍNIA CUTÂNEA EM PACIENTES COM ODONTALGIA ATÍPICA