Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018 9
Osmofobia e cefaleias primárias em crianças e
adolescentes
Osmophobia and primary headaches in children and adolescents
Albérico Albanês Oliveira Bernardo
1
, Fabíola Lys de Medeiros
2
, Pedro Augusto Sampaio Rocha-Filho
3
1
Pós-Graduando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, Brasil
2
Neurologista infantil, responsável pelo Ambulatório de Cefaleias em crianças e adolescentes do Hospital Universitário
Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil
3
Professor Adjunto de Neurologia, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil
Ambulatório de Cefaleias, Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil
Bernardo IAO, Medeiros FL, Rocha-Filho PAS. Osmofobia e cefaleias primárias em crianças e adolescentes
Headache Medicine. 2018;9(1):9-15
VIEW AND REVIEW
RESUMO
A cefaleia é uma das queixas mais frequentes em crianças
e adolescentes e existem dificuldades diagnósticas especí-
ficas na população pediátrica, principalmente pelo fato da
imaturidade biológica e psíquica. Existe uma relação im-
portante entre odores e dores de cabeça primárias. A
osmofobia pode ocorrer durante as dores de cabeça e os
odores podem desencadear ataques de dor de cabeça. A
prevalência de osmofobia em pacientes dessa faixa etária
com migrânea varia entre 25-35%, sendo um sintoma de
baixa sensibilidade, mas alta especificidade no diagnósti-
co diferencial entre a migrânea e a cefaleia do tipo tensional.
A intolerância a odores, quando presente, não parece ser
difícil de ser reportada e caracterizada por adultos ou cri-
anças.
Palavras-chave: Cefaleia; Osmofobia; Crianças; Odores;
Migrânea.
ABSTRACT
Headache is one of the most frequent complaints in children
and adolescents and there are difficulties to specify the
diagnostic in the pediatric population, mainly due to the fact
of biological and psychic immaturity. There is an important
relationship between odors and primary headaches.
Osmophobia can occur during headaches and odors can
trigger headache attacks. The prevalence of osmophobia in
pediatric patients with migraine varies from 25% to 35%, being
a symptom of low sensitivity, but high specificity in the
differential diagnosis between migraine and tension-type
headache. Odor intolerance, when present, does not appear
to be difficult to report and characterized by adults or children.
Keywords: Headache; Osmophobia; Children; Odors;
Migraine
INTRODUÇÃO
A osmofobia é definida como um aumento de sensibi-
lidade a odores que não provocariam aversão quando fora
do período de crise de cefaleia e que pode levar o pacien-
te a evitá-los ou pode levar a uma piora da cefaleia.
(1)
Em 2004, na segunda edição da International
Classification of Headache Disorders (ICHD-II), os sinto-
mas acompanhantes de fonofobia, fotofobia, náusea e vô-
mito permaneceram uma parte essencial do diagnóstico
diferencial entre migrânea e cefaleia do tipo tensional (CTT).
Entretanto, no Apêndice desta classificação (A1.1, ponto
D) foi proposto que a osmofobia poderia ser introduzida
entre os critérios diagnósticos de migrânea. A proposta era
que, pelo menos dois dos cinco seguintes sintomas deveri-
am estar presentes: fonofobia, fotofobia, náusea, vômito e
osmofobia.
(2)
Desde então, diversos estudos vêm sendo re-
alizados no intuito de comprovar se a osmofobia é um forte
indicador de migrânea para qualquer população.
10 Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018
BERNARDO IAO, MEDEIROS FL, ROCHA-FILHO PAS
No Brasil, Silva-Néto e colaboradores estudaram a
osmofobia no diagnóstico diferencial de migrânea e cefaleia
tipo tensional. Foram avaliados duzentos pacientes com
migrânea e duzentos com CTT, e foi constatado que a
osmofobia ocorreu durante a crise em 86% dos pacientes
com migrânea e 6% dos pacientes com CTT. Nesse estudo
também houve alta sensibilidade e especificidade na asso-
ciação da osmofobia com náusea, fotofobia e fonofobia.
No período entre crises, a osmofobia apenas esteve pre-
sente nos migranosos. Os autores sugeriram que a osmo-
fobia pudesse ser um marcador específico na diferencia-
ção de Migrânea e CTT.
(3)
Outro estudo de Silva-Néto e colaboradores, também
em 2014, avaliou se os odores desencadeavam ataques
de migrânea e o tempo de início da dor de cabeça após a
exposição do odor. Foram estudados duzentos pacientes
com migrânea e duzentos pacientes com CTT, de ambos os
sexos com idade, 38,6 ± 9,9, e foi constatado que 70%
(140/200) dos pacientes com migrânea e nenhum com
CTT apresentaram cefaleias desencadeadas por odores após
25,5 ± 1,9 minutos de exposição. Esse estudo demonstrou
uma baixa sensibilidade (70%, IC95% 63,1-76,2) e alta
especificidade (100%, IC 95% 97,6-100) para o diag-
nóstico de migrânea para o odor como desencadeante da
cefaleia. Além disso, os odores desencadeantes de cefaleia
foram distribuídos na seguinte ordem de frequência: perfu-
mes (106/140, 75,7%), tintas (59/140, 42,1%), gasoli-
na (40/140, 28,6%) e água sanitária (38/140, 27,1 %).
Houve associação significativa de migrânea desencadeada
por odor com perfumes e produtos de limpeza, odores de
comida, produtos de beleza e mau cheiro. Os autores con-
cluíram que os odores isolados ou em associação, especi-
almente perfumes, podem desencadear ataques de migrâ-
nea após alguns minutos de exposição.
(4)
Não se sabe o exato mecanismo de ação dos odores
como gatilhos da migrânea. O odor pode ser um estímulo
para desencadear a depressão alastrante cortical em um
córtex hiperexcitável. Acredita-se que pacientes migranosos
apresentam processamento cortical olfativo disfuncional e
usualmente relatam aumento da sensibilidade a odores,
evitando a sua exposição. O odor seria o responsável pela
liberação de substâncias químicas, como peptídeo vasoativo
intestinal e peptídeo geneticamente relacionado à calci-
tonina (CGRP), que estimulariam as terminações aferentes
nervosas trigeminais, ocasionando edema e inflamação
neurogênica. A fisiopatologia aventada também envolve
um aumento da atividade de estruturas límbicas (como
amígdalas e regiões insulares) bem como estruturas do tron-
co encefálico, especificamente a parte rostral da ponte,
em exposição aos odores durante crises de migrânea. Este
fato sinaliza uma forte relação entre vias olfativas e vias
nociceptivas trigeminais na migrânea.
(5)
Outra hipótese é
que o estímulo olfatório excita o locus ceruleus em paci-
entes com migrânea e promove a liberação de noradre-
nalina com consequente liberação de duas substâncias in-
flamatórias e potentes vasodilatadoras, a substância P e o
CGRP, que desencadeariam o fenômeno doloroso.
(4,6)
A cefaleia, além de ser um sintoma muito frequente
na população em geral, também possui uma alta preva-
lência em crianças e adolescentes (5%-15%),
(7)
e com um
forte impacto na qualidade de vida.
(8)
Sua correta caracte-
rização na população pediátrica é uma tarefa árdua, so-
bretudo pelos aspectos de informação e entendimento por
parte da criança quanto aos seus sintomas. Quanto mais
nova a criança e menor o tempo de evolução de sua
cefaleia, maiores as dificuldades na obtenção desses da-
dos. Então, em crianças muito pequenas, procuramos in-
formações indiretas que nos permitam caracterizar os sin-
tomas, como fotofobia e fonofobia, que podem ser inferidas
pela informação da criança preferir lugar escuro e silenci-
oso durante os episódios de cefaleia.
(9)
Em crianças e adolescentes, a prevalência de osmo-
fobia em pacientes dessa faixa etária com migrânea varia
entre 25%-35%,
(10,11)
sendo um sintoma de baixa sensibili-
dade, mas alta especificidade no diagnóstico diferencial
entre a migrânea e a CTT.
(11-14)
O diagnóstico de cefaleia
primária pode mudar ao longo do tempo, e a mudança de
diagnóstico da CTT para migrânea é relativamente frequente,
variando de 11% a 42% dos casos.
(15-18)
Existem poucos
estudos na literatura relatando osmofobia em crianças com
cefaleia primária, e seu papel prognóstico ainda não foi
considerado.
(11,19,20)
A presença de osmofobia é uma ca-
racterística clínica importante, intimamente associada à
migrânea. A osmofobia também pode ter valor prognósti-
co relevante na evolução da CTT para a migrânea durante
um seguimento anual desses pacientes.
(15-18)
A maioria dos estudos sobre osmofobia entre paci-
entes com migrânea foi realizada em ambulatórios de dor
de cabeça de nível terciário, e isso comprometeu sua ca-
pacidade de generalização. Além disso, a osmofobia tem
sido pouco estudada em relação a outras cefaleias pri-
márias.
A ocorrência de osmofobia em cefaleias secundárias
só foi relatada em um estudo realizado com 402 pacien-
tes, sendo identificados 38% (153/402) com cefaleias se-
cundárias, e a osmofobia ocorreu em apenas dois pacien-
tes com cefaleia secundária, que tinham diagnóstico pré-
vio de migrânea.
(21)
Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018 11
Um estudo em uma unidade de saúde em atenção
primária aos adultos, realizado por Rocha-Filho e colabo-
radores, investigou a prevalência de osmofobia entre as
cefaleias primárias, avaliou a associação entre osmofobia
e as características dos pacientes e suas cefaleias, e verifi-
cou a utilidade desse sintoma para o diagnóstico de
migrânea. Foram entrevistados os pacientes que buscaram
atendimento médico consecutivamente em uma unidade
de atenção primária, sendo questionados sobre pelo me-
nos um episódio de dor de cabeça durante os últimos 12
meses. O estudo foi composto de 235 pacientes, sendo
147 pacientes com migrânea (53% deles com osmofobia),
87 com CTT (11,5% deles tinham osmofobia), e um paci-
ente apresentava cefaleia inclassificável. Entre os pacien-
tes com migrânea e mais anos de cefaleia, houve presença
significativa da osmofobia. A sensibilidade e a especifici-
dade da osmofobia para estabelecer o diagnóstico de
migrânea foram de 53,1% e 87,5%, respectivamente. O
valor preditivo positivo e valor preditivo negativo foram
87,6% e 52,7%, respectivamente. Finalmente, os autores
concluíram que existe alta prevalência de osmofobia entre
os pacientes com migrânea na atenção primária aos adul-
tos, podendo esse sintoma corroborar com o diagnóstico
de migrânea.
(22)
Na população de crianças e adolescentes, existem
escassos estudos a respeito da ocorrência de osmofobia
com cefaleia, e todos foram conduzidos em centros terciá-
rios especializados em cefaleia, comprometendo a capaci-
dade de generalização dos estudos.
(10-12,19,20,23,24)
MATERIAL E MÉTODOS
Para estudar as evidências de uma associação de
osmofobia e odores com cefaleia na população infanto-
juvenil, realizamos uma revisão da literatura clínica e ex-
perimental disponível. Nós pesquisamos o banco de dados
eletrônicos PubMed, Medline, Cocraine Library e SciELo
para obter o maior número possível de artigos originais
relevantes sobre os temas de osmofobia e cefaleia na po-
pulação infantojuvenil publicados de janeiro de 2004 a
junho de 2018, usando variadas combinações dos seguintes
descritores: osmophobia, odorant, olfactory, headache,
migraine, childhood, pediatric, juvenil. Usamos termos de
pesquisa indexados para garantir a inclusão de termos re-
lacionados.
Filtramos nossos resultados para resumos e títulos de
artigos em inglês disponíveis nos últimos 14 anos. A sele-
ção de artigos relevantes foi realizada pelos autores que
conduziram independentemente os processos de busca e
seleção. Após a triagem do título e resumo de todos os
artigos obtidos, os artigos potencialmente relevantes foram
selecionados em texto completo, utilizando-se critérios pré-
definidos de inclusão como: presença de osmofobia na
população infantojuvenil entre os casos estudados com
qualquer tipo de cefaleia; e como critérios de exclusão:
diagnóstico de osmofobia ou queixas olfatórias relaciona-
das a população de adultos, a outras doenças ou condiçoes
diversas, publicação redundante de casos relatados anteri-
ormente; artigos de revisão, editoriais ou comentários/res-
posta aos autores, pesquisas experimentais com modelos
animais. Todos os estudos publicados considerados elegí-
veis para inclusão, como estudo de caso, série de casos,
caso controles, coorte, transversal, e estudos de patogênese
foram utilizados nessa revisão.
RESULTADOS
Foram encontrados 221 artigos, e destes foram exclu-
ídos 41 artigos considerados não elegíveis quanto ao tema,
94 artigos repetidos, 79 artigos relacionados ao tema alvo
da nossa pesquisa, mas realizada com adultos, e, final-
mente, seis artigos e um resumo (cujos resultados foram
relevantes) foram selecionados para revisão de osmofobia
e cefaleias na população de crianças e adolescentes .
Cefaleias primárias e osmofobia em crianças e
adolescentes
A cefaleia é um sintoma muito frequente na popula-
ção em geral e, particularmente, nas crianças e adoles-
centes. Sua caracterização é difícil devido aos aspectos
maturacionais neurobiológicos e psicológicos envolvidos,
que afetam profundamente sua expressão nesta faixa etária.
O reconhecimento da importância e a repercussão das
cefaleias no desenvolvimento psicológico, rendimento es-
colar e interação social na infância são fundamentais para
evitar consequências como cefaleias crônicas. As cefaleias
mais frequentes na população pediátrica são a migrânea e
a CTT, predominando a migrânea nas crianças atendidas
no setor terciário e as CTT, em estudos populacionais. Outras
formas de cefaleias primárias, como cefaleia em salvas,
hemicrânia paroxística crônica e a cefaleia primária em
facada também podem raramente ocorrer na infân-
cia.
(9,25,26)
A osmofobia parece ser altamente específica, mas não
sensível para o diagnóstico da migrânea, porque está au-
sente em outros tipos de dores de cabeça. No entanto, a
prevalência de osmofobia na população infantil parece
OSMOFOBIA E CEFALEIAS PRIMÁRIAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
12 Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018
menor do que a relatada nos adultos. Possivelmente isso
ocorre porque a duração da crise de migrânea é maior na
população adulta, bem como há maior dificuldade em
perguntar às crianças sobre essas características clínicas.
Além do mais, até esse momento, todos os estudos relacio-
nando osmofobia e cefaleias em crianças e adolescentes
foram realizados em centros terciários (Tabela 1), especia-
lizados no atendimento de cefaleia dessa população, o
que pode retratar uma associação da osmofobia apenas
BERNARDO IAO, MEDEIROS FL, ROCHA-FILHO PAS
quando a intensidade da cefaleia for de modo acentuado,
visto que os pacientes são geralmente encaminhados para
esse tipo de centro de atendimento quando possuem
cefaleias mais graves.
Ao confrontar migrânea com CTT, sete estudos com-
provaram predomínio absoluto de osmofobia durante as
crises de migrânea na população infantojuvenil. Adicio-
nalmente, a CTT e sua relação com osmofobia foi relatada
em cinco estudos, conforme demonstrado na Tabela 2.
Em crianças e adolescentes, a osmofobia também
possui forte associação com a cefaleia, em especial a
migrânea, e sua prevalência em pacientes dessa faixa
etária com migrânea variou entre 25%-42%, sendo um
sintoma de baixa sensibilidade, mas alta especificidade
no diagnóstico diferencial entre a migrânea e a CTT.
(10,11,20)
Adicionalmente, a migrânea sem aura foi mais prevalente
nas populações avaliadas nos estudos selecionados, sen-
do presente de 52,4% a 80% e a osmofobia esteve pre-
sente de 10,4% a 27%, nesses estudos.
(10,11,24)
No estudo de Raieli e colaboradores, a osmofobia
esteve presente exclusivamente nos pacientes migranosos,
e predominou discretamente em meninos, provavelmente
porque a maioria encontrava-se na faixa etária pré-púbere.
Outro dado importante levantado nesse estudo foi que os
pacientes migranosos apresentaram cefaleia de intensida-
de acentuada quando havia a presença concomitante dos
sintomas de alodínia e osmofobia. Nesse estudo, as cefaleias
secundárias foram registradas em 18%, entretanto, nenhum
paciente apresentou osmofobia associada.
(20)
Em 2008, Corletto e colaboradores avaliaram 305
pacientes, excluíram vinte pacientes com outras cefaleias
primárias, quatro com cefaleias secundárias e seis com
cefaleias inclassificáveis, restando 275 pacientes que fo-
Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018 13
ram estudados (144 com migrânea sem aura, 23 com
migrânea com aura e 108 portadores de CTT). A preva-
lência da osmofobia foi detectada em 18,5% dos 275 pa-
cientes, sendo a osmofobia presente em 25,1% dos paci-
entes migranosos e 8,3% nos pacientes com CTT. Os auto-
res também observaram que pacientes com história famili-
ar positiva para migrânea, quando foram comparados quan-
to aos grupos com osmofobia (77,7%) e sem osmofobia
(43,4%), houve diferença significativa (p <0.05). Ainda
nesse estudo, quanto à especificidade no diagnóstico dife-
rencial de migrânea sem aura e CTT, a osmofobia foi de
92%, maior que a fotofobia (61,4%) e fonofobia (45,5%).
Finalmente, os autores concluíram que a osmofobia é um
sintoma com baixa sensibilidade (27,1%) mas alta espe-
cificidade (92%), podendo servir de suporte no critério de
diagnóstico diferencial entre migrânea sem aura e CTT de
crianças e adolescentes. O valor preditivo positivo para o
diagnóstico de migrânea, levando-se a osmofobia em con-
sideração, foi de 82,3% e o valor preditivo negativo foi de
44,8%11. Dentre os artigos incluídos nesta revisão, o es-
tudo de Corletto e colaboradores foi o único a expressar
de maneira direta estes valores.
Em 2010, De Carlo e colaboradores realizaram um
estudo multicêntrico em dez centros de cefaleia juvenil na
Itália. Nesse estudo foi aplicada a ICDH-II, e os autores
observaram que houve associação significativa da osmo-
fobia às histórias familiares de migrânea e de osmofobia.
Também ocorreu associação significativa da osmofobia
com fotofobia, ou fonofobia, ou náusea, ou vômito, nos
pacientes migranosos, reforçando que a osmofobia é um
sintoma tão importante quanto os outros já estabelecidos
no diagnóstico de migrânea.
(19)
Novamente, De Carlo e colaboradores, em 2012,
avaliaram exclusivamente, pacientes menores de 18 anos
com CTT. Nesse estudo, dos 1.020 pacientes, noventa
pacientes portadores de CTT foram selecionados, e o es-
tudo teve como objetivo predizer se no seguimento de três
anos esses pacientes com CTT que apresentassem
osmofobia desenvolveriam migrânea. O resultado demons-
trou que 56 (62%) pacientes apresentavam osmofobia no
início do estudo, e esse percentual evoluiu para 85%, em
três anos. Portanto, o risco dos pacientes com CTT se
tornarem migranosos após três anos é significativamente
aumentado pela presença de osmofobia e ainda maior se
esse sintoma estiver associado a outros preditores, como
fonofobia e/ou um provável diagnóstico de CTT. Esse es-
tudo confirmou que a osmofobia tem importante papel
no diagnóstico e prognóstico de crianças e adolescentes
com cefaleias primárias.
(12)
Ghandehari e colaboradores, em 2012, relataram
que especialistas asiáticos em cefaleias não utilizaram a
ICDH-II para diagnóstico de cefaleias, e, sim, utilizaram
suas experiências práticas com os critérios asiáticos para
cefaleias. Esse estudo foi conduzido com 344 adultos, e
com 109 crianças. Vamos tecer apenas comentários so-
bre a população infantil. Migrânea foi detectada em
52,8% das meninas com cefaleias. A presença de osmo-
fobia ocorreu em 48,6% para a população em geral do
estudo (** vide Tabela 2), entretanto, a presença da
osmofobia apenas foi estatisticamente significativa na po-
pulação dos adultos (p < 0,0001), particularmente as
mulheres adultas com migrânea (p < 0,0001, com ra-
zão de verossimilhança de 57,45 para o sexo feminino
contra 32,83 para o sexo masculino). Na população
pediátrica com migrânea, a presença de osmofobia não
foi significativa para estabelecer uma associação entre a
osmofobia e migrânea nesta faixa etária (p= 0,09, com
razão de verossimilhança de 3,31).
(23)
Bosetti e colaboradores publicaram um resumo para
congresso com uma casuística de 482 crianças de um
centro de cefaleia para crianças e observaram que a
osmofobia foi um sintoma pouco presente, mas, quando
presente, ocorria mais frequentemente nos pacientes com
migrânea sem aura.
(10)
No estudo epidemiológico do nordeste da Itália,
Tarasco e colaboradores, em 2015, diagnosticaram 495
crianças com migrânea, sendo, 70,3% sem aura e 29,7%
com aura. Osmofobia ocorreu em cerca de 24,7% dos
pacientes com migrânea sem aura, sendo esse resultado
significativo quando comparado ao grupo com aura, onde
apenas 6,1% corroboraram a associação com osmofobia
(p< 0,001)24.
Odores relacionados a cefaleia em crianças e
adolescentes
Existem apenas dois estudos a respeito dos odores
mais relacionados a crises de cefaleias em crianças e
adolescentes. Todos foram conduzidos em centros terciários
especializados em cefaleia,
(10,19)
o que acaba comprome-
tendo a capacidade de distinção dos odores responsáveis
pela osmofobia.
No estudo de 2010, De Carlo e colaboradores estu-
daram 1.020 crianças e adolescentes com cefaleias do
tipo migrânea sem aura, migrânea com aura e CTT, e
registraram que os odores mais frequentes que estavam
associados às cefaleias de modo geral foram na seguinte
ordem: perfume (em 149 pacientes, 14,6%); comida (em
OSMOFOBIA E CEFALEIAS PRIMÁRIAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
14 Headache Medicine, v.9, n.1, p.9-15, Jan./Feb./Mar. 2018
112 pacientes, 11%); e cigarro (em 84 pacientes, 8,2%).
Todos esses odores não foram estatisticamente associados
aos diagnósticos de cefaleias porque tiveram prevalência
similar nos pacientes com migrânea e CTT. Apenas o odor
de comida foi referido mais frequentemente e de modo
significativo pelos pacientes com migrânea (p=0.02).
Houve também a correlação de odores desagradáveis de
comida com náusea e vômito no grupo de pacientes migra-
nosos (p<0,05).
(19)
O estudo de Bosetti e colaboradores, em 2015, ape-
sar de ser um resumo de congresso, contém informações
relevantes quanto aos odores e a relação com as crises de
cefaleia em crianças. Esse estudo, assim como o De Carlo
e colaboradores, também caracterizou os odores mais as-
sociados à cefaleia, dentre os indivíduos avaliados, na
mesma frequência de importância, primeiro os perfumes
(em 12 paciente, 2,5%), depois os odores de comida (em
nove pacientes, 1,9%), seguindo os odores de cigarro (em
quatro pacientes, 0,8%). Esse estudo também fez menção
à cefaleia associada a odores mistos como perfume e co-
mida em 5%, perfume e cigarro em 2,5%, outros odores
em 5%, e odores indefinidos em 15%.
(10)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cefaleia com a presença de osmofofobia em crian-
ças pode ser um forte indicador na diferenciação entre
migrânea e CTT e outras cefaleias não classificadas. A
despeito deste fato, existem poucos trabalhos que abor-
dam e aprimoram a interpretação deste sintoma para
um diagnóstico mais acurado dos tipos de cefaleia na
infância.
Estudos que aprofundem estas informações e tragam
mais dados elucidativos como sensibilidade, especi-
ficidade, valores preditivos e ainda uma melhor descrição
dos odores associados e se os mesmos, além da mera
coexistência, possam deflagrar as crises cefalálgicas, fa-
zem-se necessários. A inclusão de osmofobia como crité-
rio adicional para diagnosticar migrânea poderia ser con-
siderada na validação das próximas classificações para
evitar prováveis perdas significativas de diagnóstico.
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Correspondência
Pedro Augusto Sampaio Rocha Filho
Rua General Joaquim Inácio, 830, Sala 1412
Edifício The Plaza Business Center
50070-270 – Recife, PE, Brasil
pedroasampaio@gmail.com
Recebido: 15 de março de 2018
Aceito: 30 de março de 2018
OSMOFOBIA E CEFALEIAS PRIMÁRIAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES