Headache Medicine, v.9, n.4, p.196-198, Oct./Nov./Dec. 2018 197
A segunda faixa é instrumental e nela se percebe o
crescente incômodo dos sons que passam de "ilusões" de
risadas ou moedas, dentre outros sons conhecidos, para um
barulho angustiante, que faz o personagem querer fugir (On
the run). Os sons "explodem" no final da faixa, cada som se
torna uma bomba para o ouvinte. Conhecemos esse fenô-
meno como fonofobia, uma intolerância ao barulho.
A música seguinte, Time, é também uma das mais
famosas da carreira do Pink Floyd e nos abre uma interes-
sante discussão: a percepção do tempo. Nessa faixa, o
personagem parece não perceber o tempo passar correta-
mente ("And a day you findten years have got behind you",
"You frit the hours on a day"e "Never seems to find time").
Sabe-se que a causa mais frequente de "Síndrome de Alice
no País das Maravilhas" é a migrânea.
(4,5)
Nessa rara
síndrome, o indivíduo apresenta distorções na percepção
da realidade, dentre elas a aceleração ou desaceleração
do tempo.
(6)
Almeida e Valença
(6)
relataram um caso de
uma paciente com migrânea que apresentou dois episódi-
os de distorção na percepção temporal, sentindo-se acele-
rada e as pessoas ou objetos ao seu redor estavam desa-
celerados, "em câmera lenta". Ambos os episódios foram
acompanhados de fortes crises de cefaleia.
O disco segue com a próxima música, “The great gig
in the sky”, uma canção instrumental. Aqui podemos no-
tar uma forte crise dolorosa, cantada brilhantemente pela
cantora Clare Torry. O som é forte, quase latejante, e pode
representar o momento da crise migranosa precedida pela
aura, caracterizada pela distorção na percepção do tem-
po, como no artigo de Almeida e Valença.
(6)
A música
termina em calmaria, configurando o fim da crise migranosa
e a paciente livre de dor.
As duas próximas canções, Money e Us and Them,
conectam-se com outras passagens do disco, em nossa in-
terpretação cefaliátrica. Ambas têm citações de atividades
laborais, com a busca pelo dinheiro, relação com os chefes,
realização ou não com o trabalho, assim como a primeira
faixa Speakto Me. Desde Bernadino Ramazzini, em 1700,
já sabemos que as cefaleias estão relacionadas com ativida-
des laborais. Dentre as sessenta ocupações listadas em seu
livro, "As doenças dos trabalhadores - o primeiro tratado de
medicina ocupacional", havia 12 que provocavam cefaleia
como distúrbio relacionado às condições de trabalho.
(7)
San-
tos e colaboradores
(8)
publicaram uma adaptação da classi-
ficação de Schilling para as cefaleias, na qual a migrânea é
classificada no grupo III, em que o trabalho pode ser fator
desencadeante ou de piora da doença.
A sétima música é mais uma instrumental. O título
Any colour you like fala sobre cores que são representadas
na capa do disco. Ela se contrapõe à música seguinte,
Brain Damage, onde está incluído o título do álbum, na
passagem "If your head explodes with dark forebodings,
I'll see you on the dark side of the moon". A citação de um
universo colorido, da decomposição da luz branca e de
um desejo de encontrar-se com um lado escuro nos faz
pensar em fotofobia.
O "grand finale" do disco, Eclipse, sua última faixa,
pode ser interpretado como a carga que a migrânea traz
para o paciente, tudo que ele deixou de fazer, os dias e as
experiências perdidas por conta da dor, tais como, em pas-
sagens como"All that you do", "All that you creat" e
"Everyone you meet". Um interessante trecho dessa música
é "All that you touch, all that you taste, all that you feel"
(traduzido como "Tudo que você prova; tudo que você sen-
te"). Sabemos que entre os desencadeantes de uma crise
migranosa estão determinados alimentos e odores, tais como
perfumes ou derivados de petróleo.
(7,9)
A experiência sen-
sorial (visão, audição, olfato, paladar e tato) encontra-se
diretamente ligada às crises migranosas. Podemos inter-
pretar essa ideia no penúltimo verso da canção "And every
thing under the Sun is in tune". Ao final do disco, os
batimentos cardíacos reaparecem, mas dessa vez, diminu-
Capa do álbum "The
Dark Side of the
Moon", do grupo Pink
Floyd, inspirada na
experiência de Sir
Isaac Newton.
O LADO ESCURO DA MIGRÂNEA: UMA ANÁLISE CEFALIÁTRICA DE "THE DARK SIDE OF THE MOON", DE PINK FLOYD