196 Headache Medicine, v.9, n.4, p196-198, Oct./Nov./Dec. 2018
O lado escuro da migrânea: uma análise cefaliátrica de
"The Dark Side of the Moon", de Pink Floyd
The dark side of the migraine: an analysis of the semiotic of headache of the Pink Floyd's album
Patrick Emanuell Mesquita Sousa Santos
1
, Iara Alves Coelho
2
, Raimundo Pereira Silva-Néto
3
1,3
Universidade Federal do Piauí
2
Universidade Regional de Blumenau
Santos PEMS, Coelho IA, Silva-Néto RP. O lado escuro da migrânea: uma análise cefaliátrica de
"The Dark Side of the Moon", de Pink Floyd. Headache Medicine. 2018;9(4):196-98
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RESUMO
The dark side of moon é um álbum do grupo inglês Pink Foyd,
considerado um dos mais influentes discos do século XX. Nes-
te artigo, realizamos uma análise cefaliátrica do álbum. As
faixas são correlacionadas com a crise migranosa, desde os
critérios diagnósticos (fotofobia, fonofobia, piora com exercí-
cio e aura) até a relação com o trabalho, gatilhos e síndromes
raras como "Alice no País das Maravilhas".
Palavras-chave: Medicina nas artes; Cefaleia; Pink Floyd.
ABSTRACT
The dark side of moon is an album of the British group Pink
Foyd, considered one of the most influential discs of century
XX. In this article, we performed an analysis of the semiotic of
headache of the album. The songs are correlated with the
migraine attacks, from the diagnostic criteria (photophobia,
phonophobia, worsening with exercise and aura) to the
relationship with work, triggers and rare syndromes like "Alice
in Wonderland".
Keywords: Medicine in the arts; Headache; Pink Floyd.
INTRODUÇÃO
Há 46 anos, o grupo inglês Pink Floyd lançou seu
oitavo álbum de estúdio: The dark side of the moon.
(1)
Considerado um dos melhores álbuns de todos os tempos,
este disco conquistou o primeiro lugar da lista da Billboard
entre os 200 mais vendidos e permanecendo nessa lista
por 15 anos. Atualmente, estima-se que uma em cada
quatro casas britânicas tenham esse disco.
(2)
O enorme sucesso veio acompanhado de muitas ex-
plicações e teorias sobre os significados contidos no disco,
entre as quais as mais famosas são a vida do ser humano,
o tempo, o dinheiro, a guerra e a doença mental.
(2)
Hipotetiza-se também que o disco é perfeitamente sincro-
nizado com o filme "O mágico de Oz", de 1939, funcio-
nando como uma trilha sonora.
(3)
Neste artigo, propomos-nos a realizar uma análise
cefaliátrica do álbum The dark side of the moon.
MÚSICAS E CEFALEIA
O disco inicia com palpitações que vão aumentan-
do de intensidade e frequência, tal qual o prenúncio da
resposta adrenérgica inerente à crise de migrânea. Logo
após o aumento da intensidade da pulsação, uma série
de elementos auditivos ganha destaque, como sorriso,
barulho de moedas, caixa registradora e passos acelera-
dos. Os sons vão aumentando, assim como os passos,
como um presságio, sugerindo angústia e desejo de fuga.
Seria uma aura?
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A segunda faixa é instrumental e nela se percebe o
crescente incômodo dos sons que passam de "ilusões" de
risadas ou moedas, dentre outros sons conhecidos, para um
barulho angustiante, que faz o personagem querer fugir (On
the run). Os sons "explodem" no final da faixa, cada som se
torna uma bomba para o ouvinte. Conhecemos esse fenô-
meno como fonofobia, uma intolerância ao barulho.
A música seguinte, Time, é também uma das mais
famosas da carreira do Pink Floyd e nos abre uma interes-
sante discussão: a percepção do tempo. Nessa faixa, o
personagem parece não perceber o tempo passar correta-
mente ("And a day you findten years have got behind you",
"You frit the hours on a day"e "Never seems to find time").
Sabe-se que a causa mais frequente de "Síndrome de Alice
no País das Maravilhas" é a migrânea.
(4,5)
Nessa rara
síndrome, o indivíduo apresenta distorções na percepção
da realidade, dentre elas a aceleração ou desaceleração
do tempo.
(6)
Almeida e Valença
(6)
relataram um caso de
uma paciente com migrânea que apresentou dois episódi-
os de distorção na percepção temporal, sentindo-se acele-
rada e as pessoas ou objetos ao seu redor estavam desa-
celerados, "em câmera lenta". Ambos os episódios foram
acompanhados de fortes crises de cefaleia.
O disco segue com a próxima música, “The great gig
in the sky, uma canção instrumental. Aqui podemos no-
tar uma forte crise dolorosa, cantada brilhantemente pela
cantora Clare Torry. O som é forte, quase latejante, e pode
representar o momento da crise migranosa precedida pela
aura, caracterizada pela distorção na percepção do tem-
po, como no artigo de Almeida e Valença.
(6)
A música
termina em calmaria, configurando o fim da crise migranosa
e a paciente livre de dor.
As duas próximas canções, Money e Us and Them,
conectam-se com outras passagens do disco, em nossa in-
terpretação cefaliátrica. Ambas têm citações de atividades
laborais, com a busca pelo dinheiro, relação com os chefes,
realização ou não com o trabalho, assim como a primeira
faixa Speakto Me. Desde Bernadino Ramazzini, em 1700,
já sabemos que as cefaleias estão relacionadas com ativida-
des laborais. Dentre as sessenta ocupações listadas em seu
livro, "As doenças dos trabalhadores - o primeiro tratado de
medicina ocupacional", havia 12 que provocavam cefaleia
como distúrbio relacionado às condições de trabalho.
(7)
San-
tos e colaboradores
(8)
publicaram uma adaptação da classi-
ficação de Schilling para as cefaleias, na qual a migrânea é
classificada no grupo III, em que o trabalho pode ser fator
desencadeante ou de piora da doença.
A sétima música é mais uma instrumental. O título
Any colour you like fala sobre cores que são representadas
na capa do disco. Ela se contrapõe à música seguinte,
Brain Damage, onde está incluído o título do álbum, na
passagem "If your head explodes with dark forebodings,
I'll see you on the dark side of the moon". A citação de um
universo colorido, da decomposição da luz branca e de
um desejo de encontrar-se com um lado escuro nos faz
pensar em fotofobia.
O "grand finale" do disco, Eclipse, sua última faixa,
pode ser interpretado como a carga que a migrânea traz
para o paciente, tudo que ele deixou de fazer, os dias e as
experiências perdidas por conta da dor, tais como, em pas-
sagens como"All that you do", "All that you creat" e
"Everyone you meet". Um interessante trecho dessa música
é "All that you touch, all that you taste, all that you feel"
(traduzido como "Tudo que você prova; tudo que você sen-
te"). Sabemos que entre os desencadeantes de uma crise
migranosa estão determinados alimentos e odores, tais como
perfumes ou derivados de petróleo.
(7,9)
A experiência sen-
sorial (visão, audição, olfato, paladar e tato) encontra-se
diretamente ligada às crises migranosas. Podemos inter-
pretar essa ideia no penúltimo verso da canção "And every
thing under the Sun is in tune". Ao final do disco, os
batimentos cardíacos reaparecem, mas dessa vez, diminu-
Capa do álbum "The
Dark Side of the
Moon", do grupo Pink
Floyd, inspirada na
experiência de Sir
Isaac Newton.
O LADO ESCURO DA MIGRÂNEA: UMA ANÁLISE CEFALIÁTRICA DE "THE DARK SIDE OF THE MOON", DE PINK FLOYD
198 Headache Medicine, v.9, n.4, p196-198, Oct./Nov./Dec. 2018
em em frequência e intensidade, dando fim ao ciclo
hiperadrenérgico da migrânea.
CONCLUSÃO
Podemos encontrar no álbum The Dark Side of the
Moon
(10)
diversas passagens que lembram a vida de um
paciente que sofre de migrânea com aura, desde critérios
diagnósticos – como dor forte precedida por aura, fotofobia
e fonofobia, piora com o exercício, até apresentações ra-
ras, como síndrome de Alice no País das Maravilhas. Além
disso, podemos extrapolar a análise para gatilhos (alimen-
tos ou odores) e realizar ligações com atividades laborais.
Por fim, caso não esteja com fonofobia, experimente colo-
car os fones de ouvido e apreciar o belo clássico do rock,
agora como uma percepção cefaliátrica. Afinal, a ciência
é efêmera, mas a arte permanece para sempre.
REFERÊNCIAS
1. http://www.pinkfloyd.com/design/album_covers.php#.
2. Harris J. The Dark Side of the Moon: os bastidores da obra-
prima do Pink Floyd. Tradução: Roberto Muggiati. Rio de Ja-
neiro: Zhar, 2006.
3. Souza DAD. Dorothy in the sky. <http://repositorio.sc.senac.br/
handle/12345/206> Acesso em 24 jan. 2019.
4. Valença MM, Oliveira DA, Martins HA. Alice in the Wonderland
syndrome, burning mouth syndrome, cold stimulus headache,
and HaNDL: narrative review. Headache. 2015;55(9):1233-48.
5. Smith RA, Wright B, Bennet S. Hallucinations and ilusions in
migraine in children and the Alice in Wonderland syndrome.
Ach Dis Child. 2015;100(3):296-8.
6. Almeida LCA, Valença MM. "Um mundo em câmera lenta" como
manifestação da Síndrome de Alice no País das Maravilhas.
Headache Medicine. 2017,8(4):134-7.
7. Silva-Néto RP. Cefaleia - aspectos históricos e tópicos relevantes.
1ª ed. Teresina: Halley, 2013. v. 1. 168p.
8. Santos PEMS, Campelo AGD, Costa EG, Lima GAM, Rosado
MSV, Silva-Néto RP. Cefaleias ocupacionais: quando suspeitar?
Headache Medicine. 2018;9(1):29-32.
9. Silva-Néto RP, Peres MF, Valença MM. Odorant substances that
trigger headaches in migraine patients. Cephalalgia. 2014;
34(1):14-21.
10. Pink Floyd. The Dark Side of the Moon. Londres: EMI, 1973. 1
disco (42:52 min).
Correspondência
R. P. Silva-Néto
Universidade Federal do Piauí
Avenida Frei Serafim, 2280, Centro
64001-020 – Teresina, PI Brasil
Tel. + 55 863215-5696 - E-mail: neurocefaleia@terra.com.br
Recebido: 3 novembro 2018
Aceito: 27 de novembro 2018
SANTOS PEMS, COELHO IA, SILVA-NÉTO RP.