74 Headache Medicine, v.9, n.2, p.74-75, Apr./May/Jun. 2018
Cefaleias, Médicos e Mídias
Migraines, Doctors and Media
OPINIÃO PESSOAL
Todos os que nasceram antes da década de 1980
certamente mantêm vivos na memória muitos fatos pito-
rescos que, quando contados atualmente, remontam uma
mistura de saudosismo e humor. Trazendo o assunto para
a esfera profissional, lembro de uma situação na qual
perdi a orientação de um professor na época por me achar
lento demais em conseguir fazer um levantamento biblio-
gráfico para um determinado tema. Procurar artigos, so-
licitar (e muitas vezes pagar por eles) na biblioteca cen-
tral da universidade, recebê-los e digeri-los na íntegra
não era tarefa das mais simples, e muito menos das mais
rápidas.
Hoje não. A situação mudou muito. Algumas horas
bastam para acessarmos qualquer banco de dados de
revistas renomadas em todo o mundo e nos deleitarmos
com temas diversos sobre quase tudo do conhecimento
médico atual.
Entretanto, o acesso à informação não se resume
apenas à pesquisa científica e ao meio médico. Com o
advento da internet e principalmente com a explosão da
comunicação entre as pessoas através das mídias sociais,
somos bombardeados diariamente com dezenas de infor-
mações sobre política, futebol, religião, humor e, é claro,
sobre a medicina em geral, tratamentos e médicos. Obvi-
amente nossa profissão também estará exposta ao que se
convencionou chamar de "fake news", ou seja, notícias
falsas, publicadas com a intenção de enganar e muitas
vezes com objetivo indireto de ganhos políticos ou finan-
ceiros.
O conceito de "fake news", apesar de amplo, não
pode, ao nosso olhar, ser absolutamente extrapolado
para a prática médica. A verdade científica é mutável,
e em medicina, todo o contexto envolvido desde o di-
agnóstico ao tratamento, também. Novas teorias e pro-
postas sobre como podemos entender e combater esta
ou aquela doença surgem diariamente. E que bom que
surgem, visto que é a partir destas divagações que flo-
rescem e comprovam-se as boas ideias; entretanto, um
dos problemas é que muitos destes conceitos têm che-
gado à população geral precocemente, antes que se-
jam obedecidos todos os critérios e etapas do método
científico.
Como Neurologistas que somos e como profissionais
que se dedicam aos pacientes que sofrem de dores de
cabeça, nos deparamos com condutas que nem sempre
concordamos, mas certamente nos assustamos com o que
foge muito do que não está respaldado pela literatura
médico científica, particularmente com procedimentos
invasivos. Afinal, faz parte da concepção do nosso DNA
médico o juízo do primum non nocere.
Não estaríamos apenas sendo impactados por algo
agressivo ao nosso próprio Zeitgeist?
Como sempre repetimos, ao ponto de tornar-se um
jargão, "cada caso é um caso", e é claro que existem os
extremos, que não entenderemos nesta e talvez menos
ainda em eras subsequentes, mas tenho um pensamento
romântico em acreditar que pode haver pureza e vontade
genuína em ajudar o próximo mesmo em condutas mais
díspares que a nossa e talvez o que simplesmente falte a
elas seja um norte.
Nesta última afirmação é que a Sociedade Brasileira
de Cefaleia pode funcionar como balizador, agindo como
esteio na mediação e mesmo na provocação de discus-
são destes temas duvidosos junto à sociedade, além de
orientar seus associados a como se portarem frente às
inovações científicas e tecnológicas. Apesar de o Conse-
lho Federal de Medicina (CFM) ter brilhantemente
regulamentado as normas da publicidade médica, há par-
ticularidades da nossa prática, em especial ao atendi-
mento em cefaleias, que merecem atenção e deta-
lhamento.
Por fim, há de se entender, entretanto, que por mais
que a Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe), a Asso-
ciação Brasileira de Neurologia (ABN) ou o CFM esta-
beleçam normatizações para que procedimentos po-
tencialmente danosos ou ineficazes sejam oferecidos
aos pacientes e que médicos se portem de forma pro-
ba, individual e coletivamente, a via alternativa da in-
formação se multiplicará cada vez mais. É função dos
órgãos detentores do conhecimento vigente se
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CEFALEIAS, MÉDICOS E MÍDIAS
posicionar, mas o indivíduo que faz suas escolhas deve
estar atento para suas consequências.
Nos EUA, por exemplo, o uso de capacete por mo-
tociclistas não é obrigatório em praticamente metade dos
estados, porém, caso este indivíduo sofra um acidente, os
custos serão cobertos por ele próprio.
Certamente e apesar de importante ser mencionado,
os custos, por maiores que sejam, não são mais impor-
tantes que a vida e é neste aspecto que ressaltamos a
importância da boa informação. Voltamos então a um
questionamento: o que é boa informação?
Difícil responder? Talvez. Façamos então a nossa
parte.
Alan Chester Feitosa de Jesus
Neurologista, Membro Titular da Academia Brasileira de
Neurologia e da Sociedade Brasileira de Cefaleia
Recebido: 22 de junho de 2018
Aceito: 23 de junho de 2018