Headache Medicine, v.9, n.1, p.33-34, Jan./Feb./Mar. 2018 33
Cuidado com a cefaleia crônica diária!
Be careful with the chronic daily headache!
Paulo Sergio Faro Santos
Neurologista, Chefe do Setor de Cefaleia e Dor Orofacial, Departamento de Neurologia,
Instituto de Neurologia de Curitiba
Faro Santos PS. Cuidado com a cefaleia crônica diária! Headache Medicine. 2018;9(1):33-34
OPINIÃO PESSOAL
INTRODUÇÃO
Muito se ouve sobre pacientes com cefaleia crônica
diária (CCD) na rotina do neurologista. Nessa situação
sempre me questiono se os profissionais entendem o ter-
mo a que se referem. CCD na verdade não é um diag-
nóstico, mas a presença de toda e qualquer cefaleia com
frequência de pelo menos 15 dias no mês por no mínimo
três meses, ou seja, é um termo genérico.
Compreende-se a utilização da expressão CCD no
período em que foi rotulada pela primeira vez, final da
década de 1970 ou início da década de 1980, prova-
velmente pelo médico italiano Federigo Sicuteri.
(1)
Na
época ainda não havia uma normatização diagnóstica
para as cefaleias. A primeira edição da classificação in-
ternacional das cefaleias, ou International Classification
of Headache Disorders (ICHD) – termo mais utilizado,
ocorreu apenas em 1988.
(2)
Atualmente utilizamos a ter-
ceira edição desta classificação que foi publicada neste
ano (2018).
(3)
Para entendermos melhor, a ICHD nas suas três edi-
ções publicadas até o momento nunca utilizou o termo
cefaleia crônica diária como diagnóstico nosológico.
(2-4)
Eis o cerne da questão, na rotina médica, o termo CCD
está sendo utilizado com este sentido.
Diante de um indivíduo que se enquadra nos critéri-
os de CCD, o profissional deverá submetê-lo primeira-
mente a uma anamnese completa. Em regra geral, toda
cefaleia crônica um dia foi episódica, desta maneira pre-
cisa-se descobrir o padrão da cefaleia previamente ao
período de piora, a fim de auxiliar no diagnóstico da
atual cefaleia cronificada. Além disso, deve-se buscar por
sinais de alerta na história, no exame físico, neurológico
e cefaliátrico, no intuito de definir a necessidade de exa-
mes complementares, se houver suspeita de cefaleia se-
cundária.
(5)
Após exclusão de causas secundárias, as
CCDs podem ser divididas em cefaleias de curta duração
e de longa duração, de acordo com suas manifestações
clínicas (Tabela 1).
(6)
Um estudo populacional americano revelou que, ape-
sar de atualmente termos disponível a ICHD, pouco mais
da metade dos indivíduos que possuíam o diagnóstico de
migrânea foram erroneamente diagnosticados com cefaleia
tipo tensional, cefaleia atribuída à sinusopatia e cefaleia
em salvas.
(7)
O diagnóstico incorreto levará o paciente a fazer
uso de medicações inadequadas para sua cefaleia e, por
conseguinte, acarretará em persistência e até agravamento
dos seus sintomas. Se pensarmos que em casos de
hemicrânia contínua e hemicrânia paroxística crônica o
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tratamento mais indicado é a indometacina, na cefaleia
tipo tensional crônica são os antidepressivos e para indi-
víduos com migrânea crônica os anticonvulsivantes, a to-
xina botulínica e, mais recentemente, os anticorpos
monoclonais contra o peptídeo relacionado ao gene da
calcitonina (CGRP) ou seu receptor, entenderemos a im-
portância de não se utilizar o termo CCD, mas sim buscar
o diagnóstico.
Sabe-se que as cefaleias são um problema de saúde
pública e que implicam custos diretos e indiretos ao indi-
víduo e ao sistema de saúde público e/ou privado. O
custo indireto ocorre principalmente pelo absenteísmo,
por exemplo, a migrânea é a terceira principal causa de
incapacidade em pessoas abaixo dos 50 anos e a cefaleia
atribuída ao uso excessivo medicamentoso está dentre as
vinte doenças mais incapacitantes. Em relação aos cus-
tos diretos, estão inclusos os custos das medicações e a
solicitação desnecessária de exames complementares,
principalmente de neuroimagem.
(8)
Diante deste complexo cenário, recomenda-se que
cada vez mais o neurologista se familiarize com os critéri-
os diagnósticos das principais cefaleias primárias e lem-
bre-se de consultar a ICHD em suspeita de cefaleias me-
nos comuns. Assim, o diagnóstico será feito de maneira
assertiva, os exames complementares, se necessários, não
serão realizados aleatoriamente e o tratamento será
direcionado, de maneira a reduzir a incapacidade do
paciente.
REFERÊNCIAS
1. Sjaastad O. "Chronic daily headache" ("Cefalea crônica quotidi-
ana"). Cephalalgia. 1985; 5 Suppl 2:191-3.
2. Classification and diagnostic criteria for headache disorders,
cranial neuralgias and facial pain. Headache Classification
Committee of the International Headache Society. Cephalalgia.
1988;8 (Suppl 7):1-96.
3. Headache Classification Committee of the International
Headache Society. The International Classification of Headache
Disorders (3rd edition). Cephalalgia. 2018; 38 (3rd edition):
1-211.
4. Headache Classification Subcommittee of the International
Headache Society. The International Classification of
Headache Disorders: 2nd edition. Cephalalgia. 2004;24
Suppl 1:9-160.
5. Sheeler RD, Garza I, Vargas BB, O'Neil AE. Chronic Daily
Headache: Ten Steps for Primary Care Providers to Regain
Control. Headache. 2016. 56(10):1675-1684.
6. Halker RB, Hastriter EV, Dodick DW. Chronic Daily Headache:
An Evidence-Based and Systematic Approach to a
Challenging Problem. Neurology® Clinical Practice 2011;76
(Suppl2):S37-S43.
7. Lipton RB, Diamond S, Reed M, Diamond ML, Stewart WF.
Migraine diagnosis and treatment: results from the American
Migraine Study II. Headache. 2001; 41: 638-645.
8. Mennini FS, Gitto L. The costs of headache disorders. J Headache
Pain. 2015; 16(Suppl 1): A3.
Correspondência
Paulo Sergio Faro Santos
dr.paulo.faro@gmail.com
Recebido: 7 de março de 2018
Aceito: 28 de março de 2018