Headache Medicine, v.9, n.1, p.29-32, Jan./Feb./Mar. 2018 29
Cefaleias ocupacionais: quando suspeitar?
Occupational headaches: when to suspect?
Patrick Emanuell Mesquita Sousa Santos
1
, Alanny Gabrielly Diogenes Campelo
1
, Ezequiel Gonçalves da Costa
1
,
Guilherme Antonio Morais Lima
1
, Matheus Saraiva Valente Rosado
1
, Raimundo Pereira Silva-Néto
2
1
Estudantes de Medicina, Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil
2
Professor de Neurologia, Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil
Santos PEMS, Campelo AGD, Costa EG, Lima GAM, Rosado MSV, Silva-Néto RP. Cefaleias ocupacionais: quando suspeitar?
Headache Medicine. 2018;9(1):29-32
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RESUMO
As doenças ocupacionais estão diretamente ligadas à profis-
são do trabalhador, enquanto que as do trabalho estão liga-
das ao ambiente de trabalho. No Brasil, estas entidades mór-
bidas são regidas pela Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991.
As cefaleias ocupacionais foram, primeiramente, descritas por
Bernardino Ramazzini, em 1700, em seu livro De morbis
artificum diatriba. No entanto, até o momento, não foram
inseridas na lista de doenças relacionadas ao trabalho,
publicada pelo Ministério da Saúde, e adotada pelo Ministé-
rio da Previdência Social. A classificação de Schilling utiliza-
da nas doenças ocupacionais em geral pode ser adaptada
aos diagnósticos de cefaleia ocupacional. Para se chegar a
esse diagnóstico, são necessários três elementos essenciais:
anamnese ocupacional, diário de atividades e nexo causal.
Palavras -chave: Doença ocupacional; Doença profissio-
nal; Classificação de Schilling; Cefaleia
ABSTRACT
Occupational diseases are directly linked to the worker's
profession, while those of work are linked to the work
environment. In Brazil, these morbid entities are governed by
Law No. 8,213 of July 24, 1991. Occupational headaches were
first described by Bernardino Ramazzini in 1700 in his book
De morbis artificum diatribe. However, to date, they have not
been included in the list of work-related diseases, published by
the Ministry of Health, and adopted by the Ministry of Social
Security. The classification of Schilling used in occupational
diseases in general can be adapted to the diagnoses of
occupational headache. To arrive at this diagnosis, three
essential elements are necessary: occupational anamnesis,
activity diary and causal nexus.
Keywords: Ocupational disease; Schilling classification;
Headache
DEFINIÇÃO DE DOENÇA OCUPACIONAL E DO
TRABALHO
Desde muito tempo, as expressões "doença ocupa-
cional" e "doença do trabalho" são bastante confundidas,
apesar de serem termos diferentes, com uma explicação
clara e direta.
A doença ocupacional ou profissional é aquela pro-
duzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho pecu-
liar à determinada profissão ou ocupação. Ela está direta-
mente ligada à profissão do trabalhador, como, por exem-
plo, o soldador que desenvolveu catarata.
(1)
Por outro lado, a doença do trabalho é aquela produ-
zida ou desencadeada pelo ambiente onde o trabalho é
exercido. Ela está diretamente ligada ao ambiente de tra-
balho. Um bom exemplo é o caso do trabalhador que
desenvolveu surdez em um ambiente com ruído excessivo.
Por isso, a utilização dos equipamentos de proteção indivi-
duais (EPI) e medidas de segurança ajudam a combater as
doenças do trabalho.
(1)
Aspectos legais
De acordo com a Lei nº 8.213 de 24 de julho de
1991, no Art. 20,
(2)
são consideradas doenças profissio-
nais ou do trabalho, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida
ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a
determinada atividade e constante da respectiva relação
elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência
Social;
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SANTOS PEMS, CAMPELO AGD, COSTA EG, LIMA GAM, ROSADO MSV, SILVA-NÉTO RP.
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida
ou desencadeada em função de condições especiais em
que o trabalho é realizado e com ele se relacione direta-
mente, constante da relação mencionada no inciso I.
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habi-
tante de região em que ela se desenvolva, salvo compro-
vação de que é resultante de exposição ou contato direto
determinado pela natureza do trabalho.
HISTÓRICO
As doenças ocupacionais são conhecidas desde a
Antiguidade. São descritos nos papiros egípcios (1500-
1300 a.C.) o atendimento organizado aos trabalhadores
de minas e pirâmides. Os textos judaicos, elaborados an-
tes da era Cristã, afirmavam que o "amo" não poderia
exigir de seu servo horas adicionais que desrespeitassem os
hábitos culturais de sono e vigília.
(3)
Hipócrates (400 a.C.) descreveu a intoxicação satur-
nina em mineiros. Nos primeiros anos da era Cristã, Caio
Plínio II (79-23 a.C.), escritor, historiador e oficial roma-
no, narra a iniciativa dos escravos de colocarem membra-
nas de bexigas de carneiro como máscaras.
(3,4)
Em 1700, Bernardino Ramazzini (1633-1714), pro-
fessor de medicina da Universidade de Modena, na Itália,
publicou o livro De morbis artificum diatriba (traduzido
para a língua portuguesa como As doenças dos trabalha-
dores), o primeiro tratado de medicina ocupacional. Por
causa desse livro e de suas contribuições, ele é considera-
do o pai da Medicina do Trabalho.
(3-5)
A partir de Ramazzini, começaram os estudos sobre as
cefaleias ocupacionais. No seu livro, dentre 69 ocupações
listadas, havia 12 que, segundo ele, provocavam cefaleia
como distúrbio diretamente relacionado às condições de
trabalho.
(3,5)
Ele citou, como exemplo, os confeiteiros que padeci-
am de cefaleia por permanecerem próximos ao carvão
quente por várias horas; e as estenógrafas, em virtude das
horas de intensa tensão que as envolvia. Lembrou-se, tam-
bém, dos lacaios e mensageiros, que sofriam de cefaleia
por causa do esforço; e caçadores e marinheiros, nos quais
a cefaleia seria em decorrência das modificações de tem-
peratura e exposição ao sol.
(3,5)
Ainda neste livro, Ramazzini desaconselhava os indi-
víduos queixosos de cefaleia a assumirem profissões que
envolvessem a utilização de instrumentos musicais de so-
pro e canto livre.
(3)
Doenças relacionadas ao trabalho, segundo o
Ministério da Saúde
Em 1998, o Ministério da Saúde elaborou uma lista
de doenças ocupacionais e do trabalho para orientar o
Sistema Único de Saúde (SUS) em relação ao diagnóstico
destas nosologias e as medidas decorrentes. Foram relaci-
onadas cerca de 200 entidades nosológicas específicas,
todas elas referidas à Classificação Internacional de Doen-
ças, na sua 10ª Revisão (CID-10).
(6)
Ao se buscar a associação entre cefaleia e medicina
do trabalho, nota-se que nenhuma forma de cefaleia apa-
rece na lista de doenças relacionadas ao trabalho que foi
publicada pelo Ministério da Saúde, e adotada pelo Mi-
nistério da Previdência Social.
(7)
Classificação de Schilling nas cefaleias
Em 1984, Richard Schilling, um professor de medi-
cina, em Londres, propôs uma classificação das doenças
relacionadas ao trabalho, denominada classificação de
Schilling, a qual é utilizada pelo Ministério da Saúde, no
Brasil.
(8)
Nessa classificação, as doenças relacionadas ao tra-
balho estão dividas em três categorias. No grupo I, o tra-
balho é a causa necessária para o aparecimento da doen-
ça, ou seja, é o agente causador, nomeadamente, a into-
xicação por chumbo em mineradores; no grupo II, o tra-
balho é um fator que contribui, mas não é considerado
causa da doença, ou seja, é um fator de risco, tal como
nas varizes de membros inferiores de cirurgiões; e no grupo
III, o trabalho é o fator desencadeante ou de piora de
doença já estabelecida, como, por exemplo, nas doenças
alérgicas e os transtornos psiquiátricos.
(8)
Adaptando-se a Classificação de Schilling aos diag-
nósticos de cefaleia (Figura 1), observa-se que no grupo
I, não existe qualquer trabalho que seja a causa da
cefaleia. No entanto, nos grupo II e III, há inúmeras
cefaleias em que o trabalho é um fator de risco ou
desencadeante.
Em se tratando de trabalho como fator de risco, há
muitos trabalhadores que, ao exercerem suas ocupações,
estarão mais predispostos a desenvolverem cefaleia. Den-
tre essas ocupações estão o trabalho nas alturas, em que o
trabalhador poderá cair e sofrer um trauma cefálico e, pos-
teriormente, desenvolver uma cefaleia atribuída a trauma
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CEFALEIAS OCUPACIONAIS: QUANDO SUSPEITAR?
cefálico; dos frentistas que têm exposição ocupacional à
gasolina e apresentam cefaleia induzida pela exposição a
uma substância;
(9)
dos mergulhadores profissionais, sujei-
tos à cefaleia do mergulho; dos policiais que usam capa-
cete e desenvolvem a cefaleia por compressão externa.
(10)
Outros trabalhadores se enquadram no grupo III, em
que o trabalho é um fator desencadeante ou agravante de
uma cefaleia pré-existente. Naqueles que apresentam
cefaleia do esforço físico e trabalham levantando peso,
tais como, os estivadores, terão sua cefaleia deflagrada no
exercício da profissão.
Deve-se lembrar da migrânea que pode ser incluída
no grupo III, visto que algumas crises de cefaleia podem
ser desencadeadas naqueles que trabalham em ambien-
tes que têm substâncias odorantes, tais como, perfumari-
as e postos de gasolina
(9)
ou expostos a elevadas tempe-
raturas.
(11)
Impacto social
As cefaleias são conhecidas por causarem enorme e
importante impacto social. No dia a dia, comumente, ob-
servam-se absenteísmo, diminuição da produtividade e re-
dução da qualidade de vida.
(12)
Sem dúvida alguma, os
fatores ocupacionais precipitantes de cefaleia podem ser
responsabilizados por várias consequências desse impacto
social.
Diagnóstico
Na maioria das vezes, os pacientes com cefaleia saem
do consultório do neurologista com o diagnóstico de algu-
ma cefaleia incluída no ICHD-3,
(13)
mas, raramente, de
uma cefaleia ocupacional. Para se chegar nesse diagnós-
tico, são necessários três elementos essenciais: anamnese
ocupacional, diário de atividades e nexo causal.
Na anamnese ocupacional, alguns questionamentos
devem feitos pelo médico. É importante saber qual a pro-
fissão do paciente (o que ele faz, como faz, onde faz, quan-
do faz e há quanto tempo faz), como se sente e o que
pensa sobre o seu trabalho, se conhece outros trabalhado-
res com problemas semelhantes aos seus, e se teve outras
ocupações anteriores.
O diário de atividades é uma ferramenta útil para a
determinação dos fatores precipitantes e na observação e
relato de exposições a agentes presentes no trabalho. Se o
diário for preenchido corretamente, essas informações per-
mitirão um acurado diagnóstico e a suspeição da relação
com o trabalho.
O nexo causal deverá ser sempre observado. Se o
surgimento da cefaleia ocorrer após o período de exposi-
ção a agentes presentes no ambiente de trabalho e houver
ausência de cefaleia nos períodos de afastamento dessa
exposição ou após exposições protegidas, estará estabele-
cido o nexo causal.
Além do diagnóstico clássico, o paciente poderá re-
ceber o um novo diagnóstico, o de cefaleia ocupacional.
Como consequência, as novas tendências e perspectivas é
que se utilize mais frequentemente, a categoria "Z" da CID-
10. Existem dois diagnósticos pouco aplicados, que são:
Z56, expressando "Problemas Relacionados com o Empre-
go e Desemprego"; e Z57, "Exposição Ocupacional a Fa-
tores de Risco".
(6)
Essa atitude expressa o diagnóstico correto e permite
mais sucesso no tratamento e acesso aos direitos de natu-
reza trabalhista e previdenciária.
Figura 1. Classificação de Schilling nas cefaleias (Adaptada por Silva-Néto, 2018, e baseada na classificação proposta por Schilling, 1984)
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Por fim, diante de um diagnóstico de cefaleia
ocupacional, cabe ao médico a orientação ao trabalha-
dor quanto a sua cefaleia, profilaxia adequada, afasta-
mento do trabalho ou da exposição ocupacional, emissão
de laudo médico para o INSS e notificação à DRT e Sindi-
cato da categoria a que pertence o trabalhador.
CONCLUSÃO
Apesar de algumas cefaleias poderem ser produzidas
ou desencadeadas pelo exercício de determinada profis-
são ou ocupação ou pelo ambiente onde o trabalho é
exercido, nenhuma forma de cefaleia é considerada, pelo
Ministério da Previdência Social, como doença ocupa-
cional.
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Correspondência
R. P. Silva-Néto
Universidade Federal do Piauí
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Recebido: 05 de março de 2018
Aceito: 13 de março de 2018
SANTOS PEMS, CAMPELO AGD, COSTA EG, LIMA GAM, ROSADO MSV, SILVA-NÉTO RP.
13. Headache Classification Subcommittee of the International
Headache Society. The International Classification of Headache
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