16 Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018
Cefaleia e abuso de internet: uma revisão narrativa
Headache and internet addiction: a narrative review
Tathiana Corrêa Rangel
1
, Pedro Augusto Sampaio Rocha-Filho
2
1
Pós-Graduanda em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil;
Professora Assistente da Disciplina de Saúde da Criança/Adolescente e Fisioterapia Neurofuncional, Departamento de
Fisioterapia, Universidade de Pernambuco, Petrolina, PE, Brasil
2
Professor Adjunto de Neurologia, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil;
Ambulatório de Cefaleias, Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
Rangel TC, Rocha-Filho PAS. Cefaleia e abuso de internet: uma revisão narrativa.
Headache Medicine. 2018;9(1):16-23
VIEW AND REVIEW
RESUMO
Contextualização: Entre os jovens, o prejuízo advindo da
cefaleia implica em incapacidade, fracasso e absenteísmo
escolar, além de maior vulnerabilidade às comorbidades.
Neste contexto, o uso intensivo de telefone celular e do com-
putador foram associados com hábitos insalubres. Pesquisas
reforçam a validade preditiva da influência da dependência
de internet nas condições físicas, no comportamento emocio-
nal e na qualidade de vida dos jovens. Poucos estudos asso-
ciam o abuso de internet com a prevalência de cefaleia.
Material e Métodos: O estudo foi uma revisão narrativa.
Resultados: O uso excessivo do computador e de instrumen-
tos tecnológicos é considerado um impacto negativo na saú-
de física, podendo estar associado a sintomas somáticos, como
cefaleias, depressão, dor musculoesquelética, fadiga e distúr-
bios de sono. Conclusões: Há necessidade de mais estudos
para avaliar as características da cefaleia atribuída ao abuso
de internet assim como o seu tratamento.
Palavras-chave: Dependência; Dor de cabeça; Internet.
ABSTRACT
Background: Among young people, headache-related
impairments imply inability, failure and school absenteeism, as
well as greater vulnerability to comorbidities. Based on this, the
intensive mobile phone and computer use were associated to
unhealthy habits. Previous researches reinforce the predictive
validity regarding the influence of internet dependence on
physical conditions, emotional behavior and quality of life of
young people. Few studies associate internet abuse with
headache prevalence. Material and Methods: This study was
a narrative literature review. Results: Excessive computer and
technological instruments use is considered to have a negative
impact on physical health and may be associated to somatic
INTRODUÇÃO
As cefaleias são consideradas um problema de saúde
pública no Brasil e no mundo devido ao impacto individu-
al e social que essa condição clínica acarreta,
(1)
pois gera
um elevado dispêndio econômico, além da redução da
qualidade de vida de seus portadores. As cefaleias se situ-
am entre as queixas mais comuns da medicina,
(2)
e podem
conduzir ao comprometimento de atividades escolares e
profissionais.
(3)
Em 2018, foi lançada a 3ª edição da Classificação
Internacional das Cefaleias (ICHD-3) para fins de apli-
cação clínica, educação, testes de campo ou outra pes-
quisa.
(4)
Entre os jovens estudantes, o prejuízo advindo dessa
dor implica incapacidade, fracasso educacional e
absenteísmo escolar em média de 2,8 dias/ano, além de
maior vulnerabilidade às comorbidades. As mulheres e adul-
tos jovens são os mais frequentemente acometidos.
(5,6)
Logo,
observa-se uma diminuição significativa na qualidade de
symptoms such as headache, depression, musculoskeletal pain,
fatigue and sleep disorders. Conclusions: Further studies are
needed to assess the characteristics of headache as a result of
internet abuse, as well as its treatment.
Keywords: Dependency; Headache; Internet
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CEFALEIA E ABUSO DE INTERNET: UMA REVISÃO NARRATIVA
vida associada à presença das cefaleias, prejudicando as-
sim o desempenho na escola, no trabalho e durante a
realização das atividades de vida diária.
(2)
Além dessas repercussões negativas, as cefaleias po-
dem desencadear o surgimento de emoções como tristeza,
ansiedade ou raiva.
(3,6)
Existe uma associação bidirecional
entre a gravidade das cefaleias e a presença de transtornos
ansiosos e depressivos.
(7)
Com o desenvolvimento e o uso cada vez maior da
tecnologia ocupando espaços nas atividades diárias, a co-
municação e a busca de informações tornou-se uma im-
portante ferramenta de contato social, principalmente no
que se refere à eletrônica e à informática.
(8,9)
Nesse contexto, a internet viabilizou alternativas de
expressões e tarefas. No Brasil, o número de habitantes
com acesso virtual atingiu 79,9 milhões em 2011, com
crescimento de 8% em relação ao ano anterior, sendo os
adolescentes os que mais a acessam.
(10)
Além disso, pouco se sabe sobre a associação entre
uso excessivo da internet e queixas de saúde, levando em
consideração o tipo de atividade realizada na internet. Atu-
almente, o tempo on-line não pode ser computado como
um todo, já que os jovens também utilizam este sistema
para os seus trabalhos escolares. Por esta razão, existe a
necessidade de diferenciar entre o tempo gasto na internet
para o trabalho escolar e para o lazer.
(11)
Tomeé et al.
(12)
relataram que o uso abusivo da internet,
aumentou o risco de desenvolver sintomas depressivos e
distúrbios do sono entre jovens e adultos. Juntamente com
o aumento na popularidade do uso da rede mundial, sur-
giram relatos na literatura científica de indivíduos que es-
tariam "dependentes" da realidade virtual e de jogos ele-
trônicos.
(9)
Um estudo turco com 640 participantes (331 mulhe-
res) com idade entre 14 a 19 anos buscou conhecer as
características do uso da internet entre estudantes do ensi-
no médio e analisar separadamente os sintomas de déficit
de atenção e de hiperatividade. Foi encontrado que o dé-
ficit de atenção e a participação em jogos on-line foram
preditores significativos de abuso virtual, enquanto que a
hiperatividade e o uso de outros recursos da internet, como
a busca por informação e de redes sociais, não foram as-
sociados a essa dependência.
(13)
Os estudantes universitários são considerados um gru-
po de risco para o desenvolvimento de vício virtual, justa-
mente pelo crescimento do uso da internet entre os jovens
na última década, pela fácil acessibilidade nos campi uni-
versitários e pelos atuais desafios acadêmicos e sociais.
(14)
O uso abusivo da internet acompanha alta taxa de
transtornos de personalidade, distúrbios de humor, bai-
xa autoestima, impulsividade, suicídio, níveis mais bai-
xos de atividade física, migrânea, dores nas costas e
obesidade.
(15-17)
A internet pode ser utilizada de diferentes formas; as-
sim, alguns estudos buscaram conhecer as atividades mais
procuradas pelos adolescentes diagnosticados com depen-
dência virtual e encontraram que o maior tempo gasto é
com jogos on-line, principalmente entre os adolescentes
diagnosticados com o transtorno de déficit de atenção com
hiperatividade (TDAH), seguido por bate-papo ou redes
sociais e depois por atividades escolares.
(13,18)
Em 2012, o Departamento de Saúde e Serviços Hu-
manos dos Estados Unidos da América publicou um estu-
do quantificando o tempo ideal para o uso de meios
tecnológicos de tela, focalizando a internet. A recomenda-
ção é de que crianças de até 3 anos não devam fazer o
uso destas tecnologias; crianças de 3 a 12 anos, o tempo
ideal quantificado foi de meia hora a uma hora de uso por
dia; para adolescentes de 12 a 15 anos, até uma hora e
meia por dia; e para jovens com mais de 16 anos, até
duas horas por dia.
(19)
Embora esses fenômenos ainda sejam pouco estuda-
dos, a maioria dos autores sugere que o uso excessivo da
internet pode se tratar de um novo transtorno psiquiátri-
co.
(20,21)
Pesquisas realizadas principalmente em países de-
senvolvidos e nos tigres asiáticos, onde o acesso à tecno-
logia ocorre de modo mais intenso, apontam que uma
parcela da população jovem e adulta apresenta caracte-
rísticas de uso problemático desses novos recursos eletrôni-
cos. Tais estudos, porém, são bastante heterogêneos e a
variabilidade da nomenclatura e a inexistência de uma
síndrome clinicamente identificável e confiável, devido à
falta de critérios diagnósticos e definições operacionais es-
tabelecidos, são alguns dos fatores responsáveis por essa
heterogeneidade.
(9)
A partir do exposto, pretende-se realizar um exercício
crítico-reflexivo da literatura científica sobre a correlação
entre a cefaleia e a dependência virtual para permitir uma
compreensão sobre a temática e propor possibilidades a
serem observadas nas condições físicas, no comportamen-
to emocional e na qualidade de vida de indivíduos.
Dependência virtual
A primeira tentativa de caracterização da dependên-
cia virtual ocorreu em 1995 pelo psiquiatra americano
Ivan Goldberg. No ano seguinte, Young conduziu uma
investigação utilizando como parâmetro um conjunto de
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RANGEL TC, ROCHA-FILHO PAS
critérios derivados daqueles utilizados pelo Manual Diag-
nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) em
dependência de substâncias para a criação do primeiro
esboço conceitual.
(9)
No entanto, até três anos após esta
análise, pesquisas entre sociólogos, psicólogos ou psiquia-
tras ainda não identificavam formalmente o uso abusivo
da internet como um comportamento problemático.
(22)
Em 1998, Young
(22)
realizou uma pesquisa com 157
homens (média de idade = 29 anos) e 239 mulheres (mé-
dia de idade = 43 anos) considerados dependentes e 64
homens (média de idade = 25 anos) e 36 mulheres (mé-
dia de idade = 28 anos) não dependentes para diferenci-
ar o que seria normal e patológico no acesso à internet.
Na maioria dos casos, àqueles classificados como depen-
dentes relataram que o uso da internet causou impacto
moderado a grave em seu cotidiano diário devido à sua
incapacidade de controlar o seu uso. As tentativas frustra-
das poderiam ser paralelamente comparadas aos alcoóla-
tras, que são incapazes de regular ou impedir o uso exces-
sivo da bebida.
A literatura propõe que a dependência de internet seja
considerada um novo transtorno psiquiátrico do século XXI.
Uma das possíveis causas da concentração de estudos dessa
área na Ásia e no Oriente Médio talvez seja o reflexo do
crescimento econômico desses países, proporcionando uma
evolução tecnológica mais acelerada e facilitando o aces-
so a equipamentos e internet pela população adolescente,
com índices na população de estudantes diagnosticados
com dependência virtual na Ásia variando entre 2,4% e
10,6%.
(8)
A dependência em internet não envolve apenas o uso
da internet para acesso a jogos on-line; os critérios de
diagnóstico do abuso virtual implicam uma utilização mais
diversificada como mídias sociais ou outros usos.
(8)
É im-
portante considerar que atualmente a maioria dos disposi-
tivos móveis tem acesso à internet, o que dificulta uma
maior precisão na medição do uso do computador e das
mídias.
(23)
Nesse sentido, pesquisas futuras sobre o uso virtual
excessivo precisam seguir diretrizes similares e são esses os
esforços de pesquisadores na elucidação de quais critérios
comportamentais e/ou emocionais devem ser levados em
consideração em relação ao uso saudável ou não da internet
para a inclusão dessa dependência como psicopatologia
nas próximas edições do DSM.
(8)
Conceitualmente, o diagnóstico é um transtorno do es-
pectro compulsivo-impulsivo que envolve o uso de compu-
tadores on-line e/ou off-line.
(20)
O termo abuso de internet
também foi caracterizado como preocupações, impulsos ou
comportamentos mal controlados pela utilização de compu-
tadores e acesso à rede que levariam à aflição.
(24)
Nos estudos conduzidos por Young,
(22)
a dependência
da internet poderia ser baseada nos seguintes critérios: es-
tar preocupado com a internet e sentindo a necessidade
de usá-la, repetir esforços para finalizar o seu acesso, sen-
sação de inquietação por não estar conectado à rede, gastar
mais tempo do que o pretendido para utilizá-la, suspender
as relações sociais e utilizar a internet como ferramenta
para escapar de problemas pessoais.
O vício de internet compromete o funcionamento da
vida diária de maneira geral. Os prejuízos físicos relatados
se estendem a problemas de visão, privações de sono, fa-
diga, problemas com alimentação e desconforto músculo
esquelético.
(23,25)
Hakala et al.
(26)
sugerem que os sintomas
musculoesqueléticos geram dor de moderada a grave em
adolescentes usuários de computadores, sendo que o uso
diário por mais de duas horas, aumenta o risco de quadros
álgicos na maioria dos sítios anatômicos.
Muitos estudos apontam para a relação da dependên-
cia virtual e algumas comorbidades psiquiátricas e sintomas
somáticos, como: depressão, problemas nas relações
interpessoais, diminuição nas atividades e na comunicação
social, solidão, transtorno do humor bipolar e de ansiedade,
associações com os diferentes tipos de cefaleia e TDAH.
(9,25,27)
Ao avaliar o valor preditivo de sintomas psiquiátricos
para a ocorrência de abuso virtual, pesquisadores verifica-
ram que, entre mulheres, depressão, TDAH, fobia social e
hostilidade foram preditores do vício de internet, enquanto
que, entre homens, apenas TDAH e hostilidade mostraram
valor preditivo.
(28)
Conflitos familiares, sintomas físicos (cefaleias, dores
no pescoço e nas costas, dormência nos dedos, lacrimação
nos olhos), baixo desempenho escolar e acadêmico, além
de problemas elevados com os pares foram queixas
autorrelatadas pelos adolescentes acometidos pelo abuso
virtual. Aspectos relacionados a transtornos no sono tam-
bém foram observados em adolescentes que apresentaram
esse vício, quando comparados ao grupo controle.
(21,25)
A dependência de internet pode ser encontrada em
qualquer faixa etária, nível educacional e estrato socio-
econômico. Inicialmente, acreditava-se que esse problema
era privilégio de estudantes universitários que, buscando
executar suas atribuições acadêmicas, acabavam por per-
manecer mais tempo do que o esperado.
(9)
Sabe-se, hoje, que à medida que as tecnologias inva-
dem progressivamente as rotinas de vida, o contato com o
computador cada vez mais deixa de ser um fato ocasional
e, portanto, o número de atividades mediadas pela internet
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aumenta de maneira significativa.
(9)
Um indivíduo com po-
tencial abusivo pode ser socialmente isolado e se sentir
mais à vontade na internet, evitando ambientes face a face.
Outro atrativo da virtualidade é a capacidade de que o
anonimato também facilita a socialização, o que é maxi-
mizado pelo seu acesso ser relativamente fácil e barato.
(21)
A farmacoterapia para o tratamento desse uso abusivo
é em tudo bem semelhante àquela praticada para o trata-
mento de transtornos psiquiátricos como quadros primári-
os de estresse, ansiedade e depressão. No que diz respeito
a outras formas de intervenção, sugere-se terapia de apoio
e de aconselhamento, terapia familiar, entrevista motiva-
cional e psicoterapia cognitivo-comportamental.
(9)
No que diz respeito à causa dessa dependência, uma
grande variedade de hipóteses tem sido levantada para a
compreensão etiológica, incluindo personalidade, dinâmi-
cas familiares, aspectos ambientais, comorbidade prévia,
dentre outros. Muitos clínicos defendem a tese de que as
pessoas em momentos de angústia, depressão ou mesmo
fuga se valeriam da realidade virtual como uma forma de
enfrentamento ou de procrastinação das dificuldades da
vida.
(29,30)
Os dependentes de qualquer idade usam a rede como
uma ferramenta social e de comunicação, pois têm uma
experiência maior de prazer e de satisfação quando estão
conectados (experiência virtual) do que quando não conec-
tados. Tais pacientes não mais se alimentam regularmente,
perdem o ciclo do sono, não saem mais de casa, têm
prejuízo no trabalho e nas relações pessoais e se relacio-
nam somente com conhecidos do mundo virtual.
(9,22)
Des-
sa maneira, não seria de se estranhar que essas pessoas
cheguem a ficar conectadas por mais de 12 horas por dia
e atinjam, com relativa frequência, 35 horas ininterruptas
de conexão.
(9)
Contudo, há necessidade de pesquisas que avancem
para uma melhor compreensão das atuais divergências em
relação à nomenclatura e ao diagnóstico da dependência
virtual. Nesse sentido, pesquisas que contribuam para a
melhor compreensão da dependência de internet, de modo
a estabelecer estratégias na prevenção e intervenções tera-
pêuticas, também se tornam essenciais, considerando-se
que, com o avanço tecnológico, a exposição e uso da
internet tendem a aumentar.
Cefaleia e abuso de internet
O uso excessivo do computador e de instrumentos
tecnológicos é considerado um impacto negativo na saú-
de física, podendo estar associado a sintomas somáticos,
como cefaleias, dor musculoesquelética, fadiga e distúrbi-
os de sono.
(27)
Choi et al.
(31)
observaram que o uso abusivo de
internet também afeta negativamente o sono noturno. A
pesquisa foi realizada com 2.336 estudantes (57,5% me-
ninos) da Coreia do Sul e constatou-se que a probabili-
dade de sonolência diurna excessiva foi 5,2 vezes maior
(Intervalo de Confiança 95%: 2,7-10,2) naqueles de-
pendentes virtuais.
A cefaleia e os distúrbios do sono são os sintomas
mais frequentes associados aos abusos do uso de internet e
de telefone celular. Porém, há uma falta de estudos sobre a
relação entre os diferentes tipos de cefaleia e o uso excessi-
vo das tecnologias supracitadas.
(27)
A Tabela 1 resume os
estudos disponíveis.
Cerutti et al. realizaram o primeiro estudo associando
o uso abusivo de internet e cefaleia. A presença ou ausên-
cia de cefaleia no estudo conduzido por Cerutti e colabo-
radores foi investigada com um questionário usado para
detectar as características da base de crises e utilizou os
critérios da versão beta do ICHD-III para classificação das
cefaleias. O uso da internet, de celular e a perturbação de
sono foram avaliados por meio de um questionário. Os
alunos foram convidados a especificar o número médio de
horas que eles utilizavam a internet por semana. O risco
de dependência de uma tecnologia foi avaliado baseado
nas escalas The Shorter PROMIS Questionnaire (SPQ).
Os sintomas somáticos referentes às duas últimas semanas
foram avaliados usando o Inventário de Somatização In-
fantil (CSI). O ponto de corte do CSI foi maior do que
quatro sintomas, para investigar a frequência sintomática,
incluindo também a cefaleia. Foram incluídos 841 estu-
dantes (51,1% eram homens), dos quais 236 (28%) ti-
nham cefaleia e 148 (17,6%) apresentaram migrânea.
Aproximadamente 14,9% dos indivíduos que abusavam
de internet, 26% de celular e 19,5% dos dois. Não foi
encontrada relação significativa entre os alunos com e sem
cefaleia em relação ao abuso de internet (p= 0,86). Em
relação aos tipos de cefaleia e o abuso de mídia, não
houve diferença significativa entre migrânea e cefaleia tipo
tensional (CTT).
(27)
Em 2015, Guidetti et al. pesquisaram sobre o uso
excessivo de internet e o impacto negativo na saúde física,
e observaram manifestações sintomáticas, como a cefaleia.
A amostra foi de 240 estudantes italianos do ensino médio
(51,7% eram mulheres). A cefaleia foi classificada de acordo
com o ICHD-2 (2004) e o abuso virtual identificado atra-
vés do Teste de Abuso de Internet (IAT). Cerca de 28,0%
dos participantes (n=67) tinham cefaleia, sendo que, des-
CEFALEIA E ABUSO DE INTERNET: UMA REVISÃO NARRATIVA
20 Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018
tes, 43 (18%) eram mulheres.
(17)
Foi avaliado se havia as-
sociação entre a migrânea e CTT com o abuso de internet
e a sintomatologia depressiva. A depressão de indivíduos
com migrânea ou CTT foi classificada em usuários de
internet problemáticos ou abusivos e foi comparada aos
participantes com migrânea ou CTT e classificados como
usuários com nível abaixo ou na média de acesso virtual.
Não houve diferença significativa entre os grupos (teste t;
p=0,09). A migrânea correlacionou-se positivamente com
a depressão (r=0,138, p<0,05).
(17)
Já a pesquisa de Suris et al.
(11)
avaliou, em uma amos-
tra aleatória de 3.067 adolescentes na Suíça (50, 3% eram
mulheres), se o uso de internet estava associado ao
surgimento de distúrbios somáticos. Os estudantes respon-
deram o questionário on-line. Foi utilizada a versão fran-
cesa do IAT. Não houve diferenças significativas na idade,
RANGEL TC, ROCHA-FILHO PAS
Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018 21
no gênero, nas principais variáveis sociodemográficas, no
uso de internet ou em algum dos problemas de saúde quan-
do comparados entre os integrantes das 35 escolas partici-
pantes. Entre os pacientes com uso problemático da internet,
27,2% apresentavam cefaleia, enquanto que 15,3% dos
sem uso problemático da internet tinham cefaleias
(p<0,01).
Conforme normativas descritas por Sinkkonen et al.,
(21)
a amostra analisada foi classificada em usuários on-line
médios (IAT<50; n=2.704, 88,2%), usuários frequentes
(IAT 50-79; n=346, 11,3%) e usuários virtuais signifi-
cativos (IAT 80; n=17, 0,6%). Devido ao pequeno nú-
mero de casos na categoria de usuários significativos, a
amostra foi combinada com aqueles dos usuários frequen-
tes para criar a categoria de usuários abusivos (n=363;
11,8%). Na análise bivariada foram comparados os gru-
pos de usuários on-line médios com usuários abusivos. Os
resultados foram significativos com percentual maior nos
indivíduos com abuso nas seguintes variáveis: problemas
nas costas (p<0,001), problemas com o peso (p<0,001),
cefaleia (p<0,01), problemas musculoesqueléticos
(p<0,01), problemas no sono (p<0,01) e problemas vi-
suais (p<0,01). Na mesma condição comparativa, porém
para análise multivariada, só houve significância estatísti-
ca na variável problema no sono (p<0,001).
(11)
Em outro estudo realizado por Guidetti e colaborado-
res
(32)
com764 estudantes (sexo masculino=396), os re-
sultados foram: sem dependência virtual 620 (88%); com
dependência de internet 92 (12%); dependentes com
migrânea 72/92(78,3%) e dependentes sem migrânea 22/
92 (23,9%) (p<0,001). Não foram encontradas diferen-
ças estatísticas entre a migrânea e CTT.
Utilizando uma proposta diferente em relação aos es-
tudos supracitados, Al-Dubai et al.
(33)
avaliaram a associa-
ção direta entre o acesso da mídia social Facebook com a
saúde física, comportamento insalubre e relações sociais
de estudantes de medicina da Universidade da Malásia. A
amostra foi de trezentos universitários (204 mulheres, 68%)
e todos apresentavam uma conta no Facebook. A média
de acesso diário foi de 2,5 (±1,7) horas. Os seguintes
efeitos adversos à saúde devido ao uso da mídia foram
identificados e classificados (nunca, às vezes ou frequente-
mente manifestaram): dores nas costas (n=209/às vezes),
dores nos ombros (n=195/às vezes), dores nos pulsos
(n=185/às vezes), cefaleia (n=187/às vezes) e irritação
nos olhos (n=193/às vezes). Ainda no que diz respeito à
cefaleia, oitenta indivíduos nunca relataram manifestá-la e
vinte frequentemente apresentaram o sintoma durante o
uso do Facebook. Os estudantes com cefaleia tinham sig-
nificativamente maior número de horas acessando esta rede
social (p<0,009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, existem poucos estudos que abordam a
relação entre a presença de cefaleia com o uso abusivo de
CEFALEIA E ABUSO DE INTERNET: UMA REVISÃO NARRATIVA
22 Headache Medicine, v.9, n.1, p.16-23, Jan./Feb./Mar. 2018
internet, embora a dependência virtual tenha sido inicial-
mente mencionada e associada ao aparecimento de trans-
tornos psiquiátricos desde 1995. Ainda há falta de
epidemiologia de estudos sobre as características clínicas
mais comuns da causa das cefaleias proveniente dessa
dependência.
Mais estudos prospectivos sobre essa associação são
necessários para obter uma melhor compreensão e defini-
ção da entidade clínica, observando as características das
cefaleias entre os pacientes com abuso de internet, classifi-
cando-os de acordo os critérios atuais da 3ª edição da
Classificação Internacional das Cefaleias (ICHD-3), e tes-
tando as possíveis condutas terapêuticas, inclusive para a
dependência virtual mediante os critérios da versão atuali-
zada do DSM.
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CEFALEIA E ABUSO DE INTERNET: UMA REVISÃO NARRATIVA
Correspondência
Pedro Augusto Sampaio Rocha Filho
Rua General Joaquim Inácio, 830, Sala 1412
Edifício The Plaza Business Center
50070-270 – Recife, PE, Brasil
pedroasampaio@gmail.com
Recebido: 15 de março de 2018
Aceito: 25 de março de 2018