4 Headache Medicine, v.9, n.1, p.4-5, Jan./Feb./Mar. 2018
Isso não está me cheirando bem! Cheiro desencadeando
crises de migrânea que podem ser tratadas com
aromaterapia?
Hmm, something smells fishy! Smell triggering migraine attacks that
can be treated with aromatherapy?
EDITORIAL
olfato sempre fascinou o neurocientista. A função olfativa é um dos sentidos
mais primitivos na escala filogenética, muito importante na preservação da vida no
planeta. Para Taniguchi,
(1)
o olfato é a primeira sensação que surgiu durante a filogenia.
Na evolução até chegar ao Homo sapiens duas funções foram de extrema impor-
tância: o processo da alimentação e o sexo na reprodução. Assim, os desejos por
alimentos e por sexo são responsáveis pela perpetuação das espécies, com melhor
escolha dos alimentos e na procura do parceiro, exemplificando este último com os
feromônios.
(2)
Uma disfunção do sistema olfativo que ocorre nos pacientes com migrânea já foi
bem documentada por especialistas.
(3-5)
Pacientes com migrânea podem apresentar (1) osmofobia, (2) ter suas crises
desencadeadas por estímulos de natureza olfativa, (3) apresentar aura olfativa, (4)
hipersensibilidade olfativa e (5) disfunção na percepção do cheiro tanto nas crises como
nos períodos entre as crises de cefaleia.
Curiosamente, muitos dos tratamentos encontrados na Medicina popular para tra-
tamento agudo ou preventivo da migrânea envolvem o uso de substâncias com odor
forte e agradável (aromaterapia), como nos seguintes exemplos: hortelã, lavanda, ale-
crim, sálvia, eucalipto, camomila, rosa, melissa, jasmim, helichrysum, capim-limão e
sândalo (https://www.saudedica.com.br/os-15-oleos-essenciais-para-dores-de-cabeca-
e-enxaquecas/)
O artigo de Bernardo e colegas
(6)
aborda o tema da osmofobia em crianças e
adolescentes, queixa tão citada por aqueles que sofrem de migrânea, a ponto de servir
como critério diagnóstico para essa cefaléia primária.
(3,7,8)
Para muitos dos migranosos,
alguns cheiros são deflagradores de uma crise de migrânea, justificando certos hospi-
tais e eventos científicos proibirem o uso de perfume para evitar o desencadeamento de
crises em seus pacientes, funcionários ou participantes.
Silva-Néto e colaboradores
(3)
relataram que 70% dos pacientes com migrânea refe-
riram que a crise de cefaleia pode ser desencadeada por odores após 25,5 ± 1,9
minutos da exposição. Os pacientes citaram como substâncias que regularmente provo-
cavam crises de cefaleia: perfumes (75,7%), tintas (42,1%), gasolina (28,6%) e água
sanitária (27,1 %).
(3)
Em trabalho recente, identificou-se que o volume do bulbo olfativo e profundidade
do sulco olfativo eram menores no grupo de pacientes com migrânea.
(9)
Em pacientes
com migrânea e osmofobia, o bulbo olfativo tinha um volume menor,
(9)
sugerindo um
dano anatômico causado por crises repetidas da doença.
O
Headache Medicine, v.9, n.1, p.4-5, Jan./Feb./Mar. 2018 5
Marcelo Moraes Valença
Professor Titular, Neurologia e Neurocirurgia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil
mmvalenca@yahoo.com.br
ISSO NÃO ESTÁ ME CHEIRANDO BEM! CHEIRO DESENCADEANDO CRISES DE MIGRÂNEA QUE PODEM SER TRATADAS COM AROMATERAPIA?
Fantosmia, ou alucinação olfativa, pode ocorrer raramente como aura de uma crise de migrânea.
(6,10-12)
As
mais frequentes auras migranosas são visuais, sensitivas e de linguagem. Em um estudo, cerca de 0,7% dos
migranosos referiram alucinações olfativas, relatadas como percebendo o cheiro de algo queimando ou de
fumaça, lixo ou esgoto. A aura pode também ser uma alucinação com cheiro agradável como de foie gras,
laranja ou café, porém em menor frequência
(12)
(https://www.reuters.com/article/us-migraines-smell/imagined-
smells-can-precede-migraines-study-idUSTRE79G02X20111017).
Pacientes com migrânea, em resposta à estimulação olfativa com cheiro de rosas, apresentaram ativação em
estruturas límbicas (amígdala e córtices insulares) e na ponte rostral.
(13)
Desta forma, parece haver na migrânea, além da dor, um distúrbio envolvendo o sistema alimentar, com
perturbação da função olfativa, náusea e vômitos. Muito curioso o fato de determinados tipos de odores provo-
carem crises de migrânea enquanto que outros, ao serem percebidos, podem atenuar a cefaleia e por isso são
usados no tratamento.
REFERÊNCIAS
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2. Swaney WT, Keverne EB. The evolution of pheromonal communication. Behav Brain Res 2009;200(2):239-47.
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Cephalalgia 2014;34(12):977-85.
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6. Bernardo IAO, Medeiros FL, Rocha-Filho PAS. Osmofobia e cefaleias primárias em crianças e adolescentes Headache Medicine.
2018;9(1):9-15.
7. Silva-Neto RP, Peres MF, Valenca MM. Accuracy of osmophobia in the differential diagnosis between migraine and tension-type headache.
J Neurol Sci 2014;339(1-2):118-22.
8. Silva-Neto RP, Rodrigues AB, Cavalcante DC, Ferreira PH, Nasi EP, Sousa KM, et al. May headache triggered by odors be regarded
as a differentiating factor between migraine and other primary headaches? Cephalalgia 2017;37(1):20-28.
9. Dogan A, Bayar Muluk N, Sahan MH, Asal N, Inal M, Ergun U. Olfactory bulbus volume and olfactory sulcus depth in migraine patients:
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10. Mainardi F, Rapoport A, Zanchin G, Maggioni F. Scent of aura? Clinical features of olfactory hallucinations during a migraine attack
(OHM). Cephalalgia 2017;37(2):154-60.
11. Diamond S, Freitag FG, Prager J, Gandi S. Olfactory aura in migraine. N Engl J Med 1985;312(21):1390-1.
12. Coleman ER, Grosberg BM, Robbins MS. Olfactory hallucinations in primary headache disorders: case series and literature review.
Cephalalgia 2011;31(14):1477-89.
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